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4. METODOLOGIA

4.2 Seleção dos falantes

Para a escolha dos falantes, observamos critérios que atendessem aos objetivos da pesquisa. Era preciso obter dados de falantes nativos e moradores de Fortaleza visando à confirmação da hipótese de que existe uma tendência de favorecimento do uso do imperativo associado ao subjuntivo nesta capital nordestina, assim como ocorre em outras capitais dessa região, conforme resultados já evidenciados nas cidades de Salvador (cf. Sampaio, 2001), João Pessoa (cf. Alves, 2001) e Recife (cf. Jesus, 2006). Para a formação do segundo corpus, conforme descrito na seção anterior, foi necessário selecionar falantes nativos da capital cearense que haviam saído dessa região para fixar moradia no Distrito Federal – sem antes ter morado em nenhuma outra cidade do país. Foi observada a restrição de esse falante não ter morado em nenhuma outra capital ou cidade de outro estado do Brasil, com o intuito de captar a provável mudança linguística e para que não houvesse a possibilidade de assimilação de traços de outras regiões.

De acordo com a estratégia planejada, a primeira coleta de dados foi feita em Fortaleza, com duas falantes da mesma família: mãe (40 anos) e filha (18 anos). Em uma rodada feita apenas para avaliar as frequências relativas, encontramos 70% de uso de imperativo associado ao indicativo (fala, leva, traz) nas 57 estruturas imperativas produzidas pela filha; enquanto o percentual de uso dessas formas nos 63 dados produzidos pela mãe foi de 49%. Não foi possível, em função do nosso tempo de permanência em Fortaleza, coletar mais dados de falantes nativos. É importante esclarecer, aqui, que esses resultados nos surpreenderam, na medida em que a expectativa era de que o imperativo associado ao subjuntivo fosse a forma predominante nessa capital, assim como ocorre nas demais capitais nordestinas de cujos dados temos conhecimento por meio das pesquisas já citadas anteriormente.

Os dados de imperativo gramatical que surgiram na fala da entrevistadora também foram registrados, apresentando um uso categórico de imperativo associado ao indicativo. Fiz a entrevista com todos os falantes. Sou carioca, vinda do Rio de Janeiro para o Distrito Federal com três anos de idade. Todos os meus dados não foram submetidos à análise quantitativa em função do seu efeito categórico: sistematicamente, repito, ocorre imperativo na forma associada ao indicativo em meus enunciados.

Depois dessa etapa, começamos a formação do corpus com os falantes fortalezenses que estão morando no Distrito Federal. A princípio, os falantes deveriam ser nativos de Fortaleza e moradores do Distrito Federal há mais de dez anos.

Escolhemos, à medida que buscávamos falantes com esse perfil, homens e mulheres de diferentes localidades do Distrito Federal: Brasília e Cidades Satélites25. De início, foram entrevistados nove falantes:

• Um casal de Fortaleza - ambos bancários - que mora em Brasília há 13 anos.

• Um bancário, amigo desse casal, morador de Brasília há 12 anos. • Uma senhora – dona de casa -, moradora de Ceilândia há 25 anos. • Uma senhora – dona de casa-, moradora de Taguatinga há 45 anos. • Duas mulheres – uma funcionária pública; outra professora -, moradoras

de Taguatinga – uma há 15 anos e a outra há 24 anos. • Um professor universitário, em Brasília há 37 anos. • Um funcionário público, morador de Brasília há 31 anos.

Após a conclusão dessa etapa de gravações, percebemos que seria interessante verificar o uso do imperativo na fala de parentes próximos dos nossos entrevistados, mesmo aqueles nascidos no Distrito Federal. Dessa forma, buscamos compreender com mais propriedade o papel das relações familiares no processo de variação e mudança linguística. O contato com esses parentes só foi possível com alguns dos nossos entrevistados, em função da disponibilidade dessas pessoas. Selecionamos, assim, mais alguns informantes.

• uma estudante de 19 anos, nascida no Distrito Federal, filha da senhora moradora de Ceilândia.

• três filhos da senhora moradora de Taguatinga: duas irmãs – professoras -, sendo uma brasiliense e a outra nascida em Fortaleza, que veio para o Distrito Federal com 6 meses de idade; e o irmão brasiliense de 32 anos – funcionário público. Todos moradores de Taguatinga.

• um estudante de quase 14 anos, que chegou ao Distrito Federal com quase um ano, filho do casal morador de Brasília.

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Na seção 4.4, apresentaremos alguns dados relativos a essa divisão no Distrito Federal.

Além desses falantes, gravamos um casal de Fortaleza que havia chegado ao Distrito Federal há menos de um ano e que mora em Brasília – ela, funcionária pública; ele, professor de informática. O objetivo, com o acréscimo desses dados, foi investigar e registrar o eventual início do processo de mudança. Dessa forma, montamos nosso corpus, totalizando 16 falantes e um total de 972 dados. A seguir, na tabela 01, está apresentada a distribuição desses dados em relação ao uso variável do imperativo.26 O percentual global de uso do imperativo associado ao indicativo nesse corpus é da ordem de 68%. É bom lembrar que as diversas pesquisas em fala brasiliense e de outras localidades da região Centro-Oeste apontam para um percentual médio de imperativo associado ao indicativo da ordem de 90% a 95%.

TABELA 01 - Distribuição dos dados no corpus com fortalezenses moradores do Distrito Federal em relação à frequência de uso do imperativo na forma associada ao indicativo e do imperativo na forma associada ao subjuntivo

Número de ocorrências

/Total Frequência relativa

(I) Forma associada ao

indicativo 664/972 68%

(S) Forma associada ao

subjuntivo 308/972 32%

A próxima etapa seria proceder às análises dos dados desse corpus e do corpus de Fortaleza. Como tínhamos apenas 120 dados com duas falantes nativas de Fortaleza, preferimos deixar essas entrevistas apenas para observação dos resultados e trabalhamos, em termos comparativos e para efeito de controle, com dados de dois outros corpora já prontos.

O objetivo da análise dessas entrevistas foi verificar o percentual de uso das formas variantes do imperativo na capital cearense. Consideramos então os corpora Português Oral Culto de Fortaleza (doravante PORCUFORT) e Dialetos Sociais Cearenses (doravante DSC).

O PORCUFORT é o resultado de pesquisa feita na Universidade Estadual do Ceará, coordenada pelo professor José Lemos Monteiro com o auxílio das bolsistas

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A análise desses resultados será apresentada no capítulo 5 e 6.

Aluísa Alves de Araújo e Kátia Oliveira. O formato das entrevistas é do tipo D2 que consiste na conversa gravada entre dois informantes e DID que consiste na conversa gravada entre o documentador e o informante.

O DSC - organizado por Maria do Socorro Silva de Aragão e Maria Elias Soares faz parte de um trabalho do Mestrado em Linguística e Ensino da Língua Portuguesa, da Universidade Federal do Ceará, com o objetivo de resgatar materiais sobre os falares de Fortaleza e de auxiliar a pesquisa linguística. Seu corpus é formado por entrevistas feitas com o auxílio de vários pesquisadores e colaboradores, retratando o falar de Fortaleza por pessoas de diferentes faixas etárias e de diferentes níveis de escolaridade.

No PORCUFORT, encontramos 248 estruturas imperativas; no DSC, encontramos 299 dessas estruturas, conforme apresentado na tabela 02 a seguir:

TABELA 02 - Distribuição dos dados em relação à frequência de uso do modo imperativo associado à forma indicativa no corpus PORCUFORT e no corpus DSC

Corpora associado ao indicativo/Total Ocorrências de imperativo Frequência média

PORCUFORT 85/248 34%

DSC 133/299 44% Total 218/547 40%

Os resultados confirmaram nossa expectativa, mostrando que, assim como em outras capitais do Nordeste, em Fortaleza predomina o uso do imperativo associado ao subjuntivo, ou seja, formas como leve, pegue e faça são mais frequentes na fala do fortalezense – da ordem de 60%, percentual distinto dos encontrados nos enunciados de fala dos fortalezenses em Brasília, que é da ordem de 32%.

Nosso corpus inicial, montado com as duas falantes nativas de Fortaleza, apresentou um percentual de uso do imperativo associado ao indicativo da ordem de 61%. Embora não tenhamos concluído a análise em relação a esses dados, interpretamos que esse percentual mais alto, relativamente aos demais corpora de Fortaleza investigados, deve-se a alguns aspectos que temos observado como favorecedores dessa forma, como escolaridade da mãe, que tem nível superior; faixa etária da filha de 18 anos; presença do pronome tu na fala das duas entrevistadas.

Ainda para controle, com o objetivo de verificar o percentual de uso do imperativo na região Centro-Oeste, especificamente no Distrito Federal, tomamos por base outros trabalhos. O trabalho de Scherre et al. (1988) mostra o uso do imperativo em dados de situações de fala informal em Brasília, com um percentual de 90% de uso do imperativo na forma indicativa. Analisamos também o uso do imperativo gramatical em um corpus organizado por uma pesquisadora de Brasília, com dados de falantes nativos dessa capital (Lucca, 2005). A pesquisadora entrevistou adolescentes de três regiões administrativas do Distrito Federal – Taguatinga, Ceilândia e Brasília. Analisamos esse corpus e encontramos o uso do imperativo associado ao indicativo em mais de 95% dos casos. Para confirmar a expectativa de que na região Centro-Oeste predominam formas como leva, pega, faz, recorremos também ao trabalho de Lima (2005), que faz a análise do uso variável do imperativo em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul em função da formalidade do evento. Em situações de conversa informal, a autora encontrou mais de 90% de imperativo associado ao indicativo.

Para a região Centro-Oeste, vimos que o índice de uso do imperativo associado ao indicativo alcança mais de 90% dos casos. Confirmada a diferença de uso do imperativo entre falantes fortalezenses e falantes nativos do Distrito Federal, começamos nossa investigação focalizando o estudo nos resultados obtidos com o corpus formado por fortalezenses moradores do Distrito Federal.

Na seção seguinte, apresentamos algumas características de cada um dos falantes as quais nos auxiliaram a compreender mais um pouco os resultados estatísticos encontrados e que serão analisados no capítulo 5 e 6.