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Uso da forma verbal subjuntiva na oração independente

1. OBJETO DE ESTUDO – O ESTATUTO DO IMPERATIVO GRAMATICAL NO

1.3 Aspectos sintáticos e semânticos que caracterizam a expressão do imperativo

1.3.2 Uso da forma verbal subjuntiva na oração independente

O uso da forma verbal do subjuntivo em uma oração independente (matriz) assegura a leitura imperativa da frase (cf. Scherre et al., 1998), conforme ilustra o exemplo em (29), enquanto na oração encaixada, em (30), por exemplo, a forma do subjuntivo enuncia uma ação incerta que tem relação com o desejo do enunciador (cf. Cunha & Cintra, 1985:461).

(29) FAÇA o dever.

(30) Espero que Joana faça o dever.

Para Mateus et al. (2003:455), há frases imperativas diretas e indiretas: enquanto as diretas são independentes e o ouvinte é o destinatário do ato proferido (cf. (31) e (32)); as indiretas ocorrem em “domínios de subordinação” e o ouvinte “é o veículo de transmissão” do ato proferido pelo locutor (33).

O exemplo em (33) é um caso de imperativa indireta; note-se, porém, que nesse caso o uso do imperativo associado ao indicativo não é possível, como mostra a impossibilidade de (34). Em (32), na oração independente, não haveria restrição ao uso dessa forma verbal. Para Rivero (1994), uma das propriedades do imperativo verdadeiro é sua realização apenas na oração independente. Segundo a autora, as outras duas propriedades do imperativo verdadeiro são: o imperativo verdadeiro não pode ser negado e o clítico sempre segue essa forma verbal (cf. também Scherre et al., 2007). Do ponto de vista sintático, a oração em (34) faz parte de uma estrutura de subordinação, contexto em que não ocorre o imperativo verdadeiro no sentido histórico do termo. Caso a oração matriz ou principal estivesse explícita, dependendo de seu verbo, seria possível a alternância indicativo/subjuntivo, como em (35), mas haveria restrição sintática, em função do contexto de subordinação, para o uso do imperativo associado ao indicativo.

(31) Joana, FAÇA o dever! (32) Joana, FAZ o dever! (33) Que Joana faça o dever! (34) * Que Joana faz o dever!

(35) Acredito que Joana faça o dever. /Acredito que Joana faz o dever

(36) (Ela/ Joana) FAZ o dever.

O uso de formas verbais de um modo em contexto de outro, a saber, a forma subjuntiva e a indicativa em estruturas do imperativo, provoca alteração de alguns traços semânticos desses verbos e, ao mesmo tempo, mantém outros. Para Mateus et al. (2003:258), a análise do “conjuntivo tem sido controversa, uma vez que não está claro se de facto as suas formas são portadoras de significado ou se são semanticamente vazias, surgindo apenas por exigências das construções sintácticas”. Essa exigência da construção sintática pode ser notada nos exemplos de (30) a (36).

Em (35), o verbo da oração encaixada apresenta o modo subjuntivo, que, tradicionalmente, associa-se à incerteza e a ideia de tempo futuro. Em (31), o uso do subjuntivo, na oração matriz, caracteriza, inequivocamente, essa estrutura como de leitura imperativa. Em relação aos traços do modo subjuntivo, pode-se afirmar que se mantém a ideia de futuro, mas não no sentido de tempo do verbo, mas sim assegurando a ideia de posteridade na execução do ato. A ideia de incerteza está, semanticamente, relacionada à possibilidade de não cumprimento dessa ordem, ao passo que em (30) a incerteza centra-se no sujeito e no verbo de expectativa ‘esperar’. Em (32), tem-se o imperativo associado ao indicativo que, sincronicamente, é uma forma homônima do modo indicativo em (36). Observa-se, contudo, a existência de um traço de tempo que marca o presente do indicativo em (36); já em (32), não há esse traço, mas sim o traço da pressuposição do ato diretivo, que será (ou não) executado no futuro. Diferem-se, também, as duas estruturas em função da manifestação do sujeito que em (36), sendo ou não expresso, é o termo com o qual o verbo concorda e no qual se centra a ação verbal. Em (32), a ação proferida pelo verbo envolve não só o locutor, mas também o ouvinte ao qual o ato é dirigido para ser ou não cumprido (cf. Mateus et al., 2003:455).

Em resumo, no português brasileiro, o uso da forma subjuntiva na oração independente é o que assegura a leitura imperativa da frase, ainda que pareça paradoxal, considerando a ideia de que, sintaticamente, esta forma não é a do denominado imperativo verdadeiro. O uso do imperativo associado ao indicativo, em alguns contextos, pode precisar de âncoras discursivas (vocativo, prosódia, advérbio) que forneçam evidências de que se trata de uma frase imperativa e não de uma frase assertiva, com sujeito nulo, conforme exemplo em (36) (cf. também Scherre, 2002, 2004; Scherre et al., 2005, 2007).

A possibilidade de perda da leitura imperativa em frases construídas com a forma associada ao indicativo pode ser um indício da perda gradual da oposição morfológica entre o imperativo na forma indicativa (faz, leva, vem) e na forma subjuntiva (faça, leve, venha). Levantamos a hipótese de que a necessidade de apoio discursivo se dá em função do enfraquecimento dos traços do imperativo associado ao indicativo, que apresenta, no português brasileiro, um traço [-] marcado, em termos de frequência e complexidade cognitiva, nos termos de Givón (1995:28)14. O princípio da marcação, segundo o autor, pressupõe uma noção de complexidade: a marca é a estrutura mais complexa e a não-marca é a estrutura mais simples. Givón define três critérios usados para distinguir estruturas mais marcadas das menos marcadas:

i. complexidade estrutural – categorias marcadas tendem a ter uma estrutura mais complexa ou maior;

ii. distribuição da frequência - categorias mais marcadas são as menos frequentes e cognitivamente mais salientes;

iii. complexidade cognitiva - categorias marcadas tendem a ter estruturas cognitivas mais complexas. Considera-se para a análise o esforço mental, a atenção despendida e o tempo de processamento.15

Ao contrário do modo indicativo, o subjuntivo apresenta características de categoria [+] marcada e, quando está na oração independente, não apresenta dependência do contexto (cf. Câmara Jr., 1979:133), assegurando, quase sempre, a força imperativa da oração. A reanálise do você, que passa a integrar o sistema pronominal do português brasileiro como 2ª pessoa do discurso, e a neutralização das formas verbais de 2ª e 3ª pessoa também são fatores que podem ter contribuído para esse enfraquecimento da morfologia do imperativo associado ao indicativo.

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Para Givón, a noção de marcação está implícita na análise linguística e isto é refletido pela própria tradição ao investigar estruturas consideradas mais simples antes de estudar as mais complexas – ativas antes de passivas, afirmação antes de negação, oração principal antes de subordinadas.

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Há também uma outra noção de marcação que se refere a uma extensão do que Naro (1981) denomina saliência fônica na relação interna entre a forma verbal singular/plural para a concordância de número. Nestes termos, são menos salientes - menos marcadas - as formas que apresentam menor diferenciação interna nessa relação indicativo/subjuntivo (fala/fale; venda/vende) e são mais salientes - marcadas - as formas que envolvem maior diferenciação nessa relação (faz/faça; vê/veja).

Além dos aspectos sintáticos citados – em particular a correlação com a realização nula do sujeito e com a ocorrência em orações independentes (ou orações raiz) –, outro aspecto relevante é a relação entre a expressão do imperativo gramatical e a sintaxe da negação. Essa relação é particularmente interessante no caso do português brasileiro, que apresenta características singulares na sintaxe de negação, quando comparado a outras línguas românicas. Esse aspecto será analisado no capítulo 6, quando será analisada a variável independente polaridade da estrutura e presença/ausência e tipo de pronome no contexto discursivo.