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Traços que caracterizam o sujeito e o vocativo na estrutura imperativa

1. OBJETO DE ESTUDO – O ESTATUTO DO IMPERATIVO GRAMATICAL NO

1.3 Aspectos sintáticos e semânticos que caracterizam a expressão do imperativo

1.3.1 Traços que caracterizam o sujeito e o vocativo na estrutura imperativa

Associada ao contexto discursivo, a realização nula do sujeito na frase pode ser vista como uma forma de codificação gramatical do modo imperativo no português brasileiro, conforme ilustrado em (22). Diferentemente, o sujeito com matriz fonológica (isto é, o sujeito com realização lexical), geralmente, permite uma leitura assertiva, conforme ilustrado em (23).

(22) ∆ FAZ o dever!12 (23) Ele / Você faz o dever.

É interessante notar que a construção com sujeito expresso realizado pela forma pronominal ‘você’, em (23), produz um resultado ambíguo em relação a uma leitura assertiva ou diretiva, conforme veremos também no exemplo (27).

Segundo Chierchia (2003:222), a força assertiva equivale a “afirmar que o mundo satisfaz suas condições de verdade”. Os imperativos, por sua vez, “podem ser analisados em termos das condições de verdade das proposições que descrevem a execução adequada da ordem que eles expressam”13. Em (23), o objetivo do ato de fala é associar o sujeito ao valor expresso pela proposição; já em (22), esse objetivo é o de fazer com que o destinatário realize no futuro a ação verbal da proposição que está sendo proferida no presente (cf. Mateus et al., 2003:74).

A ausência do tempo é outro aspecto que se evidencia nas orações imperativas (cf. Bárbara, 1975:75). Podemos confirmar essa característica gramatical do imperativo, discutindo os exemplos em (22) e (23). Em (23), há a presença da marca de tempo no verbo, caracterizando o presente do indicativo, situando o momento da asserção referida ao sujeito. Já em (22), a ação proferida em um momento qualquer, será ou não executada unicamente em um tempo posterior, não definido pelo verbo, que, no caso, não tem desinência temporal. A presença de um advérbio pode situar o conteúdo do ato diretivo em um futuro mais próximo ou não, conforme veremos no exemplo (27). Isso não significa que o imperativo tem um tempo futuro, mas sim “pressupõe posteridade em termos de execução da ação que ordena” (Bárbara, 1975:84).

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Os exemplos de (22) a (25) são dados da intuição. Os exemplos de (26) a (28) são exemplos da língua escrita

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O imperativo, por ser ato diretivo, pode assumir valor de ordem, conselho, súplica ou pedido.

Mateus et al.. (2003:457) observam que o sujeito, nas frases imperativas, designa o ouvinte, conforme exemplo em (22), em que a morfologia desinencial do verbo remete à 2ª pessoa do discurso. O sujeito também pode englobar o locutor, no caso do imperativo na primeira pessoa do plural, como ilustra (24). O constituinte ‘Joana’, por sua vez, em (25), é interpretado pelas autoras como uma expressão nominal pré-verbal ou pós-verbal correferencial com o sujeito, mas realizada como vocativo.

(24) Façamos o dever. (25) Joana, faz o dever.

Para Barbara (1975), o sujeito de orações imperativas é um pronome de segunda pessoa. Nesses termos, na estrutura imperativa em (25), o sujeito é nulo e corresponde ao pronome você. Ocorrem, também, no português brasileiro, casos em que o sujeito da oração imperativa tem matriz fonológica, conforme se ilustra nos exemplos (26), (27) e (28). As propriedades do sujeito do imperativo e do vocativo são interpretadas por Mateus et al. (2003) em função de sua posição na oração. Em posição periférica pré ou pós-verbal, as autoras chamam a expressão nominal de ‘vocativo’, no caso do exemplo em (25), em que o nome ‘Joana’ encontra-se separado pela pausa expressa pela vírgula. Nos contextos em que a expressão que designa o sujeito está em posição não-periférica, sem pausa alguma, as autoras dizem que o sujeito está focalizado, conforme ocorre nos exemplos de (26) a (28).

(26) VOCÊ ESPERE aí que eu vou dar uma lição nele - disse Domício e saiu correndo atrás do investigador. (Veiga, 1997)

(27) - Agora VOCÊ FAZ uma garrucha e VIRA caçador - disse eu, apenas para continuar a conversa.(Veiga, 1997)

(28) Não PENSE O SENHOR que eu estou duvidando de sua palavra - concluiu ele. (Veiga, 1997)

Para as autoras, apenas pronomes pessoais e de tratamento podem ocupar essas posições. Em (26) e (28), o uso da forma subjuntiva assegura, de maneira inequívoca, a leitura imperativa da oração. Em (27), consideramos que o uso do advérbio ‘agora’, em composição com o uso do imperativo associado ao indicativo e do sujeito focalizado,

assegura a leitura imperativa da frase, situando o ato diretivo em um tempo mais próximo, já que a forma imperativa do verbo não contém tempo.

Diferentemente, Faraco (1986:5-6) diz que a ausência do sujeito superficial é uma das características das sentenças imperativas. Para ele, o exemplo “Você canta essa música agora” ilustra um ato de fala impositivo em uma sentença declarativa; não se tratando, portanto, de sentença imperativa. Ele cita também o exemplo de um ato de fala impositivo em uma sentença interrogativa “(Você) canta essa música agora?”, mostrando que a ausência do ‘você’ não traria uma interpretação imperativa à sentença, em função dos padrões entoacionais.

Para Portner & Zanuttini (2003), a força imperativa da oração reside no valor semântico do sujeito, que, diferentemente dos outros tipos frasais, como declarativas, interrogativas e exclamativas, está centrado no ouvinte. Para que sejam satisfeitas as condições de leitura imperativa, o sujeito deve ser aquele a quem se dirige o ato diretivo, sendo que este sujeito está na situação de acatar ou não o conteúdo semântico e pragmático dessa oração. Os autores citam dois componentes de significado que devem estar presentes na formação do imperativo: um semântico, que se refere ao indivíduo, ao ouvinte; um sintático, constituído de elementos que garantem o estatuto do tipo frasal por meio de uma combinação de características gramaticais.

Alguns autores consideram que o vocativo e o sujeito do imperativo são duas instâncias do mesmo fenômeno (Thorne, 1966: apud Jensen, 2004). Contudo Jensen (2004) identifica critérios que os diferenciam, baseando-se nos critérios definidos por Potsdam (apud Jensen, 2004). No português brasileiro, o vocativo e o sujeito do imperativo apresentam características distintas. Não há uma marca fonológica e morfológica que os diferencie, mas há uma entonação especial no caso do vocativo, ou seja, a prosódia é responsável por assegurar a diferença entre sujeito e vocativo. Em termos semânticos, nas estruturas aqui ilustradas, podemos afirmar que tanto o vocativo quanto o sujeito se referem apenas ao destinatário. Para o autor, outro traço que marca a forma imperativa é a concordância. O verbo concorda com o sujeito nas declarativas e na frase imperativa, não há, necessariamente, concordância de pessoa entre o verbo e o vocativo.

A seguir, discutiremos outros traços que caracterizam o imperativo no português brasileiro.