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SELEÇÃO E TRATAMENTO DOS DADOS

A desafiante e complexa ação de proceder com a seleção de dados e de propor formas particulares de tratamento destes dados é auxiliada pelos objetivos que conduzem a pesquisa. Conforme já referenciado na seção 1 (Introdução) desta tese, o objetivo geral é compreender como se dá a constituição letrada de alunos ingressos do curso de Letras da Unifebe (Brusque-SC), em práticas de letramento na esfera acadêmica. Auxiliam no andamento da pesquisa e nas respectivas análises dos dados, os objetivos específicos:

1) Traçar o perfil de letramento dos alunos ingressos no curso de Letras.

2) Explicitar os modos de constituição letrada dos alunos ingressos em Letras na esfera acadêmica.

3) Caracterizar, nas linguagens sociais em uso pelos alunos e pelo professor, os modos de exprimir a constituição letrada na esfera acadêmica.

4) Identificar, através de eventos de letramento no curso de Letras, como os gêneros discursivos – objetos de ensino-aprendizagem nas aulas – participam na constituição letrada dos alunos na esfera acadêmica.

Dessa forma, com apoio desses objetivos, é apresentado a seguir o tratamento dos dados das alunas Renata, Beatriz e Sandra – sujeitos da pesquisa. De acordo com a subseção anterior (5.4), cada instrumento de coleta, por revelar informações diversas e complexas,

auxilia nas respostas buscadas com os objetivos da pesquisa. Para referenciar, mais visualmente, a forma de tratamento de dados, letras indicativas (de A a E) abrem as explicações a cada instrumento de coleta.

A) Questionário inicial.

São focos de análise alguns aspectos referentes às identidades socialmente situadas das alunas, ou seja, referentes ao perfil de letramento. Dados são expostos em um quadro (apêndice H), formulado após seu lançamento em um programa estatístico nomeado LHStat, produzido e cedido pelo Dr. Cláudio Loesch, professor e pesquisador do departamento de Matemática da FURB (Fundação Universidade Regional de Blumenau). Para operar com os dados neste programa, três tipos de variáveis foram utilizados: a) categóricas (seleção de modalidade da resposta é fechada, dentre um grupo de respostas pré-definidas pela pesquisadora, como a questão 1 – Entrada na universidade: ( ) vestibular ( ) processo seletivo); b) numéricas (respostas dos alunos são interpretadas como números reais quaisquer, a exemplo da questão 6 – Quais partes do jornal você lê prioritariamente? ( ) noticiários ( ) horóscopo ( ) esportes ( ) classificados ( ) quadrinhos); e c) de texto (respostas às questões abertas, como a de número 15 – Você conseguira realizar as leituras que os professores orientavam durante o período escolar? ( ) sempre ( ) às vezes ( ) raramente ( ) nunca Se não conseguia sempre, por quê? - cuja justificativa elaborada pelos alunos não é calculada estatisticamente pelo programa). Estas últimas variáveis – de texto - representam regularidades de ocorrências nas respostas dos alunos, conforme apêndice I, após serem identificadas por meio de transcrição e após a análise de todas as respostas obtidas com a aplicação do instrumento.

B) Observação participante e C) Diário de campo.

Para proceder com as análises de eventos de letramento, ocorridos nas duas disciplinas, de acordo com o apêndice B, foram escolhidos eventos que auxiliam o desenvolvimento de discussões mais intensas e aprofundadas. Um outro grande motivo contribuiu para a escolha desses eventos: desenvolver análises e discussões em torno de três tipos de eventos, nomeados e conceituados, por mim, com apoio do quadro teórico, como Eventos interDiscursivos, Eventos identitários e Eventos reflexivo-transformativos. Estes três tipos de eventos estão expostos respectivamente, por exemplificação, nos apêndices J, L e M.

Eventos interDiscursivos: são os que promovem a interface entre tipos de Discursos (primários e/ou secundários), conseqüentemente entre instituições sociais diversas, devido às orientações de letramento desencadeadas pelo professor. Estes eventos procuram

desvendar, negociar e/ou contestar fronteiras na intricada rede ou no continuum de Discursos existentes, em apoio à constituição letrada dos alunos de Letras. As ações viabilizadas através destes eventos simbolizam caminhos produtivos para o enquadramento crítico tanto da parte dos participantes (alunos e professor) quanto das atividades propostas. Estes eventos contribuem também para que o conhecimento acadêmico-científico, na inter-relação com conhecimentos de outras esferas sociais, auxilie os alunos-professores na recepção, compreensão e produção de atividades no Ensino Superior e na Educação Básica, de forma mais reflexiva e crítica.

Eventos identitários: são os que posicionam os alunos como insiders em práticas acadêmico-escolares de trabalho. Estes eventos realçam a posição socialmente situada de professor, que impulsiona os alunos a se assumirem produtores de conhecimentos, habilitando-os a responder a várias propostas de trabalho com apoio do conhecimento desenvolvido na esfera acadêmica. É valorizado o uso da linguagem especializada, contextualizada em domínios acadêmico-escolares de letramento. Representam, também, formas de marcação de poder aos alunos, em virtude da posição socialmente assumida, e pelo uso das linguagens sociais características destes domínios de letramento.

Eventos reflexivo-transformativos: são os que, valendo-se do letramento crítico ou do Discurso reciclado, têm as funções de libertação – de estruturas fechadas, impositivas de poder – e de emancipação – das práticas sociais em que os alunos de Letras participam e das próprias identidades assumidas por eles nestas práticas. Estes eventos são meios de permitir a estes alunos o desenvolvimento do controle no uso de Discursos secundários e da metalinguagem que os constituem. Através da participação dos alunos nestes eventos, abrem- se possibilidades para que eles analisem e questionem letramentos de maneira reflexiva e crítica, com o propósito de transformá-los, ao mesmo tempo em que transformam as suas próprias identidades sociais.

Esses três tipos de eventos representam as regularidades observadas durante minha permanência em Letras. São muito particulares, singulares na forma de orientação do letramento pelo professor e característicos de um trabalho apoiado na perspectiva dialógica da linguagem. Ainda, estes eventos são comprovações formais de referências tecidas pelos sujeitos da pesquisa, em depoimentos escritos ou em dizeres orais, durante as entrevistas que com eles realizei, indicando o diferencial das aulas do professor Tiago.

Vale realçar que os três tipos de eventos não estão dissociados entre si e nem ocorrem isoladamente, um distante do outro. Eles estão integrados nos seus funcionamentos. Por exemplo, um mesmo evento de letramento do ano (análise conjunta de um artigo de

opinião pertencente a aluno da Educação Básica) poderia ser analisado sob o enfoque dos três tipos de eventos aqui propostos por mim. No entanto, como escolha metodológica de apresentação e análise dos dados, eventos diferentes irão integrar as discussões de cada um dos três tipos de eventos.

No interior desses três tipos de eventos (interDiscursivos, identitários e reflexivo- tansformativos) serão também analisados movimentos dialógicos das alunas Renata, Beatriz e Sandra. De acordo com minha elaboração conceitual, movimentos dialógicos são formas de interação verbal, que indicam especificamente os modos de participação dos alunos nos eventos de letramento, na relação com os o(s) outro(s) – os interlocutores da situação enunciativa – e com o conteúdo temático. Esses movimentos são decisivos para indicar, dessa forma, os modos de constituição letrada dos três sujeitos da pesquisa. Através dos usos das linguagens sociais, em sala, vão se caracterizando os movimentos dialógicos, os quais podem ser de sete tipos: a) indagatório; b) confirmativo; c) exemplificativo; d) contrastivo (por oposição); e) avaliativo; f) metalingüístico; g) expositivo.

Cada um desses tipos de movimentos aponta os sentidos situados em determinada situação enunciativa, em que assumem papéis centrais o(s) outro(s) e o conteúdo temático. Vários são os sentidos ao se darem tais movimentos, como se expõe a seguir:

a) movimentos indagatórios: pedir confirmação sobre resposta e/ou juízo de valor proferidos, mostrar incompreensão explícita ou implicitamente, revelar discordância a um dizer anterior, pedir esclarecimento (acréscimos de informações) diante da concordância ou discordância com um dizer anterior;

b) movimentos confirmativos: acrescentar informação ao ponto de vista apresentado anteriormente e ao qual se afilia, apresentar apoio ao projeto didático9 do professor da disciplina, à fala de algum colega da sala de aula, reforçar as próprias ações e escolhas quanto ao uso da linguagem;

c) movimentos exemplificativos: confirmar, acrescentar um dizer anterior, utilizando de informações televisivas, leituras e produções já realizadas, dizeres já proferidos em sala de aula, para proceder com alguma explicação, na falta de metalinguagem apropriada;

d) movimentos contrastivos (por oposição): indicar resistência a um dizer anterior (por não ser familiar e/ou por ser desconhecido), apontar uma experiência (comportamental) prévia

9 Projeto didático é compreendido nesta tese como o conjunto de ações planejadas e conduzidas pelo professor

Tiago em vista de sua formação teórico-metodológica, apoiada na abordagem bakhtiniana dos gêneros discursivos. Entram em jogo, então, concepções conceituas diversas como as de sujeito, de língua, de linguagem, de texto, de interação entre tantas outras que apóiam as escolhas nomeadas aqui como didáticas, ou seja, escolhas na elaboração didática para as aulas no curso de Letras.

diferente da apresentada em sala, destacar a sua posição e opinião (discursivas) diversas diante da temática em discussão;

e) movimentos avaliativos: revelar dificuldades, indicar oposição a um dizer anterior, sugerir alguma suposição, a partir de certo conhecimento sobre o funcionamento da linguagem; f) movimentos metalingüísticos: responder adequadamente a perguntas do professor (repetindo normas gramaticais e/ou conceitos da perspectiva dialógica da linguagem), pedir confirmação ao professor sobre a informação nova em discussão;

g) movimentos expositivos: participar, indefinidamente, das discussões temáticas.

Os sentidos referidos a cada tipo de movimento são regularidades encontradas durante as análises dos dados, relativos a todas às aulas do ano, em que participaram com dizeres as alunas Renata, Beatriz e Sandra. Nem todos esses sentidos, necessariamente, serão explorados durante as análises específicas dos dados, os quais integrarão posteriormente a subseção 6.3, uma vez que foram escolhidos apenas alguns dos eventos totais do ano. Cabe aqui destacar que esses movimentos e sentidos, assim como os três tipos de eventos, são particularidades da presente pesquisa em Letras (Unifebe/SC) no ano de 2005.

Diante da escolha de determinados eventos, algumas produções escritas de gêneros, realizadas pelos sujeitos da pesquisa, integrarão também as análises, conforme expostas nos Anexos desta tese. Não se tem o objetivo de fazer uma análise exaustiva do gênero, considerando conteúdo temático, forma composicional e estilo. Alguns aspectos desses elementos dos gêneros poderão contribuir nas discussões. O que merece destaque é que essas produções das alunas são tratadas como reações-respostas aos elos anteriores da situação enunciativa – o já-dito – e aos elos posteriores – o pós-dito.

Outros materiais coletados durante as observações participantes foram os depoimentos escritos elaborados pelas alunas a questionários entregues pelo professor Tiago. Respostas às indagações presentes nesses materiais funcionaram como diagnósticos ao professor, tanto no início, quanto no final de cada semestre. Logo, dos depoimentos das alunas são destacadas informações complementares a dados advindos de outros instrumentos como o questionário inicial, entrevistas e questionários aplicados por mim durante o ano de 2005. Dessa forma, são privilegiadas descrições e juízos de valor das alunas sobre eventos de letramento escolar (antes do ingresso em Letras) e de letramento acadêmico (durante as aulas em Letras), os quais contribuem para caracterizar identidades socialmente situadas destas alunas.

Das observações participantes destacam-se ainda dizeres dos sujeitos da pesquisa, em sala de aula, os quais indicam marcas de escolarização, no período anterior ao ingresso em

Letras, pois contribuem também para se caracterizar as identidades socialmente situadas das alunas Renata, Beatriz e Sandra.

D) Entrevistas orais e diretivas.

Duas entrevistas foram realizadas com os alunos, em momentos diferentes, o que também determina tratamento diferenciado. Das informações advindas da entrevista realizada no início de 2005 (apêndice C), com Renata, Beatriz e Sandra, serão privilegiados aspectos constitutivos das identidades socialmente situadas destas alunas antes de ingressarem em Letras. Incluem eventos de letramento na esfera escolar e fora dela, focando na leitura e na produção escrita, e os juízos de valor dessas alunas sobre estes eventos.

Da entrevista realizada no final de 2006 (apêndice D) serão realçadas as perspectivas dos sujeitos da pesquisa sobre o valor social do(s) letramento(s) acadêmico(s) – dos Eventos interDiscursivos, identitários e reflexivo-transformativos, seja na vida pessoal e/ou na profissional.

E) Questionários.

Os questionários aplicados aos alunos, ao final de 2005 (apêndices E e F), de forma muito semelhante ao tratamento da entrevista final de 2006, também terão enfatizados dados que indiquem as perspectivas dos sujeitos sobre contribuições e lacunas, para as suas formações letradas, dos Eventos interDiscursivos, identitários e reflexivo-transformativos. Acrescem-se, mudanças de concepções destas alunas, quanto ao trabalho com a linguagem nas escolas, considerando a formação anterior as duas disciplinas em Letras.

Os dados advindos do questionário ao professor (apêndice G) serão analisados sob os seguintes aspectos: a) perspectiva dele sobre os modos de constituição letrada dos alunos de Letras nas duas disciplinas, especialmente sobre a expansão de identidades e as práticas transformadas/transformadoras; b) encaminhamentos teórico-metodológicos - orientação de letramento – por ele conduzidos, que contribuíram na constituição letrada desses alunos; c) limitações na constituição letrada dos alunos e no trabalho desenvolvido por ele durante 2005. Os diferentes aspectos mencionados no tratamento dos dados comprovam a complexidade do objeto desta pesquisa - a constituição letrada de alunos ingressos em Letras em práticas de letramento na esfera acadêmica. Conforme André (2003), em pesquisas dessa natureza, o pesquisador recorre muito as suas intuições e percepções – advindas de estudos aprofundados – para explorar, ao máximo, os dados obtidos. O uso da sensibilidade ajuda a saber ver mais que o óbvio - o aparente. É na concordância com essa observação de André (2003) que os dados serão apresentados, analisados e discutidos nas seções posteriores,

sempre revelando o aparente – o singular e o comum em um espaço dialógico e acadêmico de letramento.

6 A CONSTITUIÇÃO LETRADA DOS ALUNOS INGRESSOS EM LETRAS: PERCURSOS EM ANÁLISE

Para além do discurso do déficit ou da crise do letramento, o objetivo que direciona a apresentação, análise e discussão dos dados desta tese é compreender como se dá a constituição letrada de alunos ingressos do curso de Letras da Unifebe em práticas de letramento na esfera acadêmica.

Cinco são as subseções desta seção 6 da tese, organizadas de forma a atender a esse objetivo central e aos objetivos específicos direcionadores do trabalho de pesquisa e, especialmente, de análise dos dados.

A subseção 6.1 é centrada na análise de aspectos relevantes das identidades socialmente situadas dos sujeitos da pesquisa - Renata, Beatriz e Sandra -, no período anterior ao ingresso em Letras.

A subseção 6.2 abre-se para analisar os motivos que levaram essas alunas até o curso de Letras, bem como as escolhas e os propósitos do professor para as disciplinas por ele conduzidas em 2005, na construção de seu projeto didático.

Essas duas primeiras subseções visam a responder ao primeiro objetivo específico, que se propõe traçar o perfil de letramento dos alunos ingressos no curso de Letras. Instiga-se, dessa forma, a compreensão de quem são esses sujeitos, já que a defesa nesta tese é por considerar e não negar as identidades socialmente situadas dos sujeitos, quando ingressam em Letras, para que se possa expandi-las gradativamente.

A subseção 6.3 atende ao segundo objetivo específico da tese: explicitar os modos de constituição letrada dos alunos ingressos em Letras na esfera acadêmica. Serão apresentadas análises dos movimentos dialógicos das alunas, em eventos nomeados nesta tese como interDiscursivos, identitários e reflexivo-transformativos. Entende-se que as alunas se constituem sujeitos letrados nas interações, em situações enunciativas concretas de sala de aula, que determinam formas particulares de uso da linguagem. Nas interações é que se observam as reações-respostas (os movimentos dialógicos) dos sujeitos na relação com o(s) outro(s) e com o conteúdo temático em vigência. Nessa direção, os sentidos são socialmente situados e vão marcando os modos de constituição letrada de cada uma das três alunas – sujeitos da pesquisa.

A subseção 6.4, em atendimento ao terceiro objetivo específico da pesquisa, vem caracterizar, nas linguagens sociais em uso pelas alunas e pelo professor, os modos de exprimir a constituição letrada na esfera acadêmica. O motivo é analisar as perspectivas de

Renata, Beatriz, Sandra e do professor Tiago sobre as (des)construções ocorridas nos eventos de letramento acadêmico durante 2005. Tomam lugar depoimentos desses sujeitos, dizeres advindos de entrevistas ou questionários que retratam juízos de valor sobre esses eventos e auto-avaliações deles sobre o letramento acadêmico.

A subseção 6.5, por final, é elaborada em consonância com o quarto objetivo específico: identificar, através de eventos de letramento no curso de Letras, como os gêneros discursivos – objetos de ensino-aprendizagem nas aulas do professor Tiago – participam na constituição letrada das alunas na esfera acadêmica. Considera-se que, se as orientações de letramento em Letras, conduzidas pelo professor Tiago, foram apoiadas na perspectiva dialógica da linguagem, relevante é discutir o papel do gênero discursivo no percurso de constituição letrada dos sujeitos da pesquisa.

Dados, semelhantes e/ou complementares, de diferentes instrumentos de coleta, os quais serão referenciados a cada subseção, sustentam as análises que se apresentam e se discutem. Em virtude da grande quantidade de dados, opta-se por trazer exemplificações relevantes - trechos10 de transcrições e/ou depoimentos das alunas ou do professor -, originados em diferentes situações de produção do conhecimento. Outros dados, muitos dos quais também em caráter exemplificativo, serão expostos nos apêndices e nos anexos, a fim de que se possa, da melhor forma, contextualizar o objeto de análise nesta tese: a constituição letrada dos alunos na esfera acadêmica.