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SER LETRADO (DES)CAMINHOS REVISITADOS

As identidades socialmente situadas de Renata, Beatriz e Sandra, no período anterior ao ingresso em Letras, são o foco desta subseção. Inicialmente serão abordadas informações mais relevantes advindas da aplicação do questionário inicial (apêndices A), organizando-as de forma a ressaltar elementos comuns e singulares na constituição letrada desses sujeitos da pesquisa. Posteriormente, serão abordados dados que provêm de outros três instrumentos: a) entrevista com essas alunas, no início de 2005 (apêndice C); b) depoimentos escritos da primeira aula das duas disciplinas em questão; e c) dizeres dos sujeitos, durante as aulas de 2005, referentes às marcas da escolarização básica. Regularidades que marcam a ocorrência

10 Esses trechos e/ou depoimentos são nomeados também ao longo das seções como “exemplos” e “seqüências

de eventos de letramento”. No interior desses trechos há intervenções dos alunos de Letras e do professor (dizeres indicados por números), que possibilitam referência mais exata quando da apresentação e discussão dos dados.

desses dados serão privilegiadas, bem como alguns dos dizeres, presentes nestes três diferentes tipos de instrumentos, que as exemplificam.

Opta-se por tratar os dados advindos do questionário inicial (cf. quadro no apêndice H), em separado dos demais, pertencentes aos outros três instrumentos, pois são mais objetivos e foram fornecidos em uma relação mais distante entre pesquisadora e alunas. Os dados dos outros três instrumentos, por sua vez, foram coletados em situações de observação participante e no diálogo direto com as alunas, como no caso da entrevista. Esses dados permitem que se apresentem dizeres, elaborados pelas alunas, para melhor explicar as perspectivas delas em relação ao foco de análise.

Essa opção de exposição dos dados encontra apoio em discussões de Street (2003). Esse autor defende que não basta descrever de quais eventos de letramento participam os indivíduos – dado este obtido por meio da aplicação do questionário inicial. O essencial é compreender e explicitar as relações de poder que constituem estas práticas, bem como as vozes que procedem destas práticas. Estas ações de compreender e explicitar relações de poder e vozes são possíveis, nesta tese, com a análise dos dados decorrentes dos três instrumentos de coleta referenciados em a), b) e c) no primeiro parágrafo desta subseção.

Do questionário inicial procedem dados dos quais serão aqui referenciados apenas alguns aspectos mais relevantes, referentes ao perfil de letramento dos sujeitos da pesquisa, quando do ingresso em Letras.

Ao adentrarem em Letras, Renata tinha 30 anos, Beatriz, 21 anos e Sandra, 26 anos. As três alunas ingressaram neste curso por meio de processo seletivo, ou seja, por avaliação do currículo escolar. Beatriz e Sandra haviam anteriormente ingressado na universidade em outros cursos através do Vestibular. Apesar de as três alunas estarem em Letras no início de 2005, a 1ª opção de curso universitário foi diferente para cada uma delas: Beatriz escolheu Administração, Sandra queria cursar Educação Física e apenas Renata optou por Letras. Atuações profissionais distintas também são indicadas por elas no início de 2005: Renata trabalha na área financeira de uma empresa, Beatriz desempenha o cargo de assistente de vendas de aparelhos celulares e Sandra dedica-se à função de mãe. Quanto à formação escolar dos pais (pai e mãe) das alunas, a escolaridade máxima é a 4ª série do Ensino Fundamental, com exceção apenas do pai de Beatriz, que concluiu um curso de Especialização. No tocante à escolarização básica das três alunas, Renata e Beatriz concluíram a Educação Geral, aos 18 e 17 anos respectivamente, sem ter havido parada de estudo entre os Ensinos Fundamental e o Médio. Sandra, por sua vez, após nove anos afastada do ensino formal, retornou a ele, via Supletivo, no 2º ano do Ensino Médio, finalizando-o aos 24 anos.

Quanto às práticas de leitura, que caracterizam a constituição letrada destas alunas, destacam-se, como prioridades de Renata, as revistas (Veja, Isto É, Época) e a literatura (romance e crônica). Beatriz não indica prioridades ou afinidades de leitura, pois não faz menção ao que sempre lê. Menciona que às vezes lê revistas, livros religiosos e dicionários. Sandra, em virtude das aptidões pelos esportes, referencia que lê sempre jornais (seção de esportes) e livros de auto-ajuda. Esta afinidade pelos esportes também é mencionada por Sandra, quando indica sua prioridade de leitura na internet. A respeito do uso desta nova tecnologia, as três alunas possuem computador conectado à internet em suas casas e fazem uso, principalmente, na leitura de e-mails e no levantamento bibliográfico, ou seja, na busca temática em sites, que nas palavras delas é nomeada como pesquisa.

No tocante a práticas de leitura anteriores ao ingresso na universidade, Renata e Beatriz respondem que sempre conseguiam realizá-las no período escolar. Somente Sandra menciona que às vezes conseguia ler e os motivos mencionados são falta de tempo e de interesse. A respeito do período atual de suas vidas – início de 2005 – Beatriz e Sandra apontam não ter nenhuma dificuldade de leitura no meio acadêmico. Apenas Renata reconhece ter alguma dificuldade e o motivo indicado é a dificuldade de compreensão. Quanto à produção textual escrita, Renata e Beatriz apontam ter alguma dificuldade e as justificativas respectivas são: problemas de textualidade e planejamento do texto. Sandra indica ter grande dificuldade neste tipo de produção e o motivo é a falta de incentivo nos Ensinos Fundamental e Médio.

Conforme se verifica com a apresentação destes poucos dados, decorrentes de respostas das três alunas ao questionário inicial, elementos singulares e comuns marcam a constituição letrada delas. De acordo com Vóvio e Souza (2005), apesar dos aspectos comuns, há variações nas possibilidades de ação, de mobilidade social, de tomar parte em práticas culturais, bem como capacidades e repertórios construídos. A esta observação se afiliam dizeres de Lopes-Rossi (2002): a competência dos sujeitos para atuarem ou não efetivamente em práticas de letramento varia de acordo com as oportunidades de experiências sócio- culturais de cada um.

Com o intuito, então, de ampliar os dados que marcam as identidades socialmente situadas de Renata, Beatriz e Sandra, no período anterior ao ingresso em Letras, apresentam- se e discutem-se outros dados, muitos dos quais semelhantes e complementares aos anteriores. Esses dados são advindos de outros instrumentos de coleta, como já referenciados no início desta subseção. São eles: entrevista inicial, depoimentos escritos e dizeres em aulas, que indicam marcas da escolarização básica.

Como introdução a estes outros dados complementares, é preciso destacar que muitas lembranças e descrições proferidas pelas alunas advêm da posição social atual – a de alunas de um curso de Letras, destinado à formação de professores. Alguns dizeres, elaborados durante a entrevista inicial, reforçam este posicionamento das alunas:

(1) A gente lia os textos do livro didático aquelas coisas impostas, aquelas perguntinhas e deu. Não se analisava nada e não se sabia nada também. [...] Não nos sentíamos incentivados. Eu sinto falta de maiores explicações, né. Tanto é que agora a gente tem outra visão. (Renata)

(2) O professor dizia: tema atual, geralmente os temas mais normais, né: aborto, drogas, esses assuntos que a escola cobra desde a infância, nada de política, nada do que tá acontecendo no teu país, de repente pra tu teres um ponto de vista. A gente fala sobre um presidente da Câmara e nem sabe o que é que é isso, porque não é acostumado ler jornal e revista. (Beatriz)

(3) Acabei voltando pro Supletivo, coisa que eu me arrependo até hoje, se eu pudesse eu voltava e fazia de novo o 3º ano na escola comum. É complicado, quem tá passando por isso sabe o quanto é difícil. Olha a Samanta, também fez o Supletivo, tem dificuldade. (Sandra)

O posicionar-se como alunas de Letras condiciona a elaboração de juízos de valor sobre o processo de escolarização básica, sejam eles positivos ou não. Conforme o exemplo (1), Renata reconhece que nas aulas de Letras já há uma outra visão sobre o estudo da língua, neste caso, sobre a forma de proceder com atividades de leitura, que não sejam apenas símbolo de reprodução de textos. Beatriz, no exemplo (2), em virtude de não ter conhecimentos suficientes para realizar uma discussão temática no curso de Letras, opõe-se aos procedimentos de produção textual escrita na escolarização básica. Sandra, no exemplo (3), indica sua dificuldade em se inserir nas atividades diversas propostas no curso de Letras, em virtude de ter cursado o Supletivo. Ainda, mostra identificação com outra colega de classe, que também realizou o mesmo curso, o que aponta um distanciamento dos demais colegas, os quais concluíram um curso de Educação Geral.

Estas marcas de identidade das três alunas também permitem afirmar que para se tornarem e/ou se considerarem insiders nas práticas de letramento acadêmico, necessitam, gradativamente, compreender o funcionamento deste tipo de letramento. Um motivo decisivo é que a orientação de letramento, pelo professor, dá-se com apoio da perspectiva dialógica da linguagem, a qual não é marca da escolarização básica. Por conseguinte, conflitos de identidades (cf. GEE, 1999) são comuns, como se vêem nas palavras de Beatriz e Sandra, em (2) e (3) respectivamente, pois há muitas diferenças entre quem são, no período escolar

anterior ao ingresso em Letras, e quem são solicitados a ser e a desempenhar na esfera acadêmica.

Como se comprova pelos três exemplos já expostos, um aspecto comum e muito forte nos dizeres das alunas é o discurso da crise de letramento - o discurso do déficit (cf. GEE, 1999). Enfatiza-se, na voz das alunas, um modelo cultural fixo (cf. HALL, 2002), impositivo, não muito incentivador na escolarização básica, em que o letramento dominante – o escolar – e os Discursos secundários constituintes deste tipo de letramento se apresentam com a função de (en)formar e não emancipar identidades.

Explicitando o discurso da crise do letramento, estão as atividades escolarizadas (leitura e produção textual escrita) e as críticas negativas e diretas ao funcionamento do Ensino Médio.

Quanto à leitura, é unânime nos dizeres das alunas, o privilégio dado a atividades de interpretação de textos, com a função de recuperar, repetir informações, seja por meio de questionários, de resumos e/ou de fichas de leituras, de cunho avaliativo. Estes dados reforçam a ocorrência de atividades que não as auxiliavam a reconstruir as situações sócio- discursivas dos gêneros. Como afirmou Sandra, em dizeres orais durante a aula 3 de 2005/1, a gente levava o livrinho pra casa, lia e não sabia o que era crônica.

A produção textual escrita é referida pelas três alunas de maneira diferenciada entre elas, mas que caracteriza, mesmo assim, uma atividade escolarizada e não situada socialmente em necessidades reais de uso da língua. Renata afirma que os temas eram geralmente impostos. Beatriz indica que fazia bastante produção de textos na escola, mas nunca tinha um tema assim, era bem livre assim. Pra ter idéia até demorava um pouco, mas eu escrevia demais. Eu escrevia, escrevia e não parava de escrever. Sandra, da mesma forma que Renata, lembra que pediam redação, o professor dava o tema e os alunos tinham que produzir. A estas informações se acrescem lembranças que marcam as instruções formais/estruturais para produção de tipos textuais (narração, descrição e dissertação); a apresentação de modelos (produtos) de tipos textuais, para melhor conduzir estas produções; o tempo determinado, em sala, para entrega dos textos produzidos; a atribuição de notas e a não-socialização das produções escritas realizadas.

Segundo essas enunciações das alunas, quanto à leitura e à produção textual escrita na escola, os enfoques recaem apenas sobre: a) o assunto dos textos (questões de interpretação na leitura, imposição do assunto ou tema livre na produção escrita); b) indicação do gênero proposto para leitura e escrita (não presente nas orientações de sala de aula); c) construção da forma composicional do texto (por modelos); e d) condições de produção (restritas – tempo

determinado, não reflexão e não socialização). As denominações gerais, como texto ou redação, constantemente presentes nos dizeres das alunas, também reforçam um trabalho restrito com leitura e produção escrita, que não as possibilitava compreender a função social e o funcionamento dos gêneros discursivos, para então explorá-los e usá-los.

O Ensino Médio, nomeadamente, é também alvo de críticas negativas, por parte das três alunas, sob diferentes aspectos, muitos dos quais já mencionados até o momento. Não tinha incentivo nenhum, conforme Renata, quando se refere à produção escrita. Ela acrescenta que havia explicações superficiais, que não auxiliavam os alunos na identificação de um texto, ou seja, apoio do professor em relação a marcas lingüístico-discursivas capazes de mostrar a diferença entre gêneros, como a crônica e o artigo. Beatriz coloca em evidência a repetida atividade de interpretação de texto. As menções de Sandra recaem sobre o Supletivo: a gente estuda em casa, vai até lá fazer a prova e deu, né [...] tu não aprendes nada [...] numa faixa de 1 a 10, tu aprendes 2.

Apesar de serem apresentados tantos aspectos negativos, relativos à Educação Básica, uma lembrança positiva é mencionada, tanto na voz de Renata quanto na de Beatriz. Ambas tiveram uma professora que as incentivou na leitura. No caso de Renata, mesmo em meio à atividade de produzir resumos de leituras de livros, ela incentivava sempre [...] tanto é que tinha uma biblioteca na sala, de livros dela, que ela emprestava pra ler. Beatriz destaca como bem produtivo o direcionamento de uma professora com uma mesa redonda para contar o que havia sido lido no livro. Estes dizeres denotam o quanto o incentivo do professor é determinante, ou seja, a importância de uma relação interlocutiva que revele comprometimento e decisão intencional do professor. Ainda, reforçam que viabilizar a voz aos alunos, fazendo-os se assumir sujeitos de seus dizeres, estimula-os na participação de atividades no meio escolar.

Para além do discurso do déficit do letramento, outros dizeres de Renata, Beatriz e Sandra apontam para particularidades na constituição letrada destas alunas.

Renata, durante a entrevista inicial, ressalta sua iniciativa e interesses próprios pela leitura e pela produção de textos, tanto na escola, quanto fora dela. Afirma que sempre gostava de escrever, mesmo sem estímulos: quando a professora solicitava, eu geralmente escrevia. Mas a maioria da turma não produzia. Não tinha estímulo. A opinião dela se mostra contrária à imposição do gênero e do tema (assunto), pois quem gosta de escrever, não gosta que se imponham regras. Em ambiente extra-escolar, gostava e gosta de escrever poesias, bilhetes e cartas. A leitura, fora do ambiente escolar, também foi sempre constante: lia bastante, revistas, jornais, livros. Ainda leio bastante. [...]. Geralmente tem um livro lá pela

metade que eu tô lendo. O incentivo do pai, conforme depoimento escrito na aula 1 de 2005/1, foi muito importante, o qual, apesar da baixa formação, gostava muito, de como se diz, ficar por dentro das coisas. No tocante ao uso do livro didático, segundo dizeres orais na aula 7 de 2005/1, reconhece que, na época, achava legal, mas, diante da posição de aluna de Letras, percebe que tem professor que tem preguiça, eles não têm vontade nenhuma de fazer uma atividade extra. Em relação às atividades gramaticais, Renata afirma, em depoimento escrito na aula 1 de 2005/1, que gostava de estudar conjunção, verbos, formação de frases, análises das palavras. No entanto, reconhece, na aula 8 de 2005/1, que tem dúvidas no emprego das vírgulas e quanto aos parágrafos.

Beatriz é incisiva durante a entrevista inicial, ao se referir ao tema livre para produção de textos escritos: se a gente nunca leu nada a respeito, como é que a gente vai ter idéias? Ao mesmo tempo, reforça que escrevia demais, não parava de escrever. Às vezes não tinha nem sentido o texto e quando ia ver, tinha que reescrever. Complementa estes dizeres, referenciando a grande influência da TV na formação discursiva dela: se a televisão te ensina uma coisa errada, tu és levado por aquilo ali. É uma fonte que tu tens, se tu não lês e só vês televisão.

De forma positiva, a televisão contribuiu para realização de práticas de leitura por ela realizadas: o último livro que eu li era Pássaros feridos, porque eu escutei falar que saiu na televisão. A iniciativa pela leitura de romances, tipicamente adolescentes, é mencionada em várias ocasiões por Beatriz. Esta destaca que, por volta dos 15 anos, fora do ambiente escolar, lia um livro em dois ou três dias e ia à biblioteca pública para retirar os livros. Lia porque gostava e tinha tempo, não trabalhava, segundo depoimento escrito da aula 1 de 2005/1. A iniciativa por leitura também é advinda da participação dela em curso de língua, o que a estimulava a pegar livrinho infantil em inglês para ver se conseguia testar os conhecimentos.

Outro aspecto, decorrente do depoimento escrito da aula 1 de 2005/1, marca a escolarização básica de Beatriz quanto à parte gramatical: [...] nunca me dei bem, só tirava nota pra passar sem exame que era pra não ter de estudar a tal gramática. Este depoimento exemplifica o estudo de língua como transmissão de conceitos gramaticais. Isso é reforçado em dizeres orais de Beatriz, durante as aulas 1, 7, 9 e 11 do 1º semestre de 2005, quando afirma não saber usar o acento indicador de crase, não saber procurar algumas palavras no dicionário, quando demonstra ter memorizado os verbos de ligação, quando caracteriza os alunos como adestrados, por apenas repetirem o que era transmitido pelos professores.

Fora do ambiente escolar, as produções escritas envolviam assuntos da vida pessoal, em semanários, em bilhetinhos e em cartões, os quais ela não enviava a ninguém, apenas os guardava. Nas palavras de Beatriz, sempre fui bem fantasiosa, quando tinha uns 14 ou 15 anos, o que explica o não envio das produções escritas a alguém.

Sandra, de forma diferente de Renata e Beatriz, como já mencionado anteriormente, deixa evidente o pouco acesso aos livros e o não incentivo, no ambiente escolar, à leitura. Uma causa, apontada por ela durante a entrevista inicial, é o trabalho: quando a gente tava na escola, a gente já trabalhava. Então era difícil. Sandra justifica o não hábito de leitura ainda de outra maneira: e depois eu praticava muito esporte e não lia, não tava acostumada. Esta aptidão encontra lugar na família, pois seu filho e seu marido são esportistas e, conforme Sandra, a gente acaba sendo. Outras explicações que marcam a não leitura e produção escrita, estão apoiadas em motivo exterior a ela, como na falta de tempo ou simplesmente na falta de idéias, de costume. Fora do ambiente escolar, diferentemente, mostra que as leituras realizadas – de revistas, jornais e livros – são motivadas pelos filhos: é porque é difícil educar os filhos hoje em dia e a gente acaba se apegando aos livros.

Sandra deixa evidenciar a não afinidade com a disciplina de Língua Portuguesa em Letras, especialmente em virtude da nota e da avaliação do professor: eu tô tendo dificuldade na Língua Portuguesa, nas outras eu tô me saindo bem, pelo menos as notas são boas. Este posicionamento atual guarda grande relação com as experiências prévias de escolarização, fornecidas oralmente durante as aulas 7 e 13 de 2005/1: não podia perguntar nas aulas e o ensino era centrado nas regras da Gramática Normativa. No entanto, a este respeito, posiciona-se assim, no depoimento da aula 1 de 2005/1: sobre a gramática, acho que tenho muito a aprender, pois gosto, porém não me recordo muito do que aprendi. De forma semelhante a Renata, Sandra diz gostar da gramática, porém nada menciona de conteúdos gramaticais que a agradem. O desconhecimento das normas é por ela reconhecido na aula 10 de 2005/1, quando se refere à acentuação: eu sempre tive dúvida em item, mas eu sei que não tem.

Como se pode acompanhar pelos dizeres das três alunas, as marcas de escolarização são recorrentes apenas na disciplina de 2005/1 – “Estudos da Língua Portuguesa I: conhecimentos básicos” e não na disciplina de 2005/2 “Leitura e Produção Textual”. Este fato se explica devido aos tipos de intervenção do professor nas aulas de 2005/1, quando motiva as alunas a falar sobre suas experiências com leitura, produção textual e estudos gramaticais na Educação Básica. Como constatação ao professor, o trabalho com a língua-sistema prevalece nos dizeres das alunas. Logo, partindo deste dado, o professor justifica a elas que o trabalho

desta natureza na escolarização básica representa uma questão histórica e cultural e não um déficit de aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa. Ele, por sua vez, revela sua intencionalidade explícita sobre a escolha de trabalho dele com a língua-discurso em Letras e não mais com a língua-sistema unicamente, em virtude de mudanças nos documentos oficias do ensino brasileiro. O propósito desta escolha é também uma reação-resposta às marcas mais evidentes da constituição letrada das alunas. Simboliza, conforme ele, uma forma de inverter