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SUJEITOS E AMBIENTE DA PESQUISA

Três alunas do curso de Letras do Centro Universitário de Brusque (Unifebe), localizado em Brusque, Santa Catarina, assumem a posição de sujeitos da pesquisa. São elas: Renata, Beatriz e Sandra, nomes fictícios usados para preservar a identidade das mesmas. A escolha destas foi realizada após o término de coleta de dados, o qual decorreu durante todo o ano de 2005. Os motivos pelos quais foram escolhidas estas e não outras(os) alunas(os) são:

diversidade de experiências sócio-culturais, singularidades em suas trajetórias de aprendizagem na educação formal, propósitos distintos que as impulsionaram a ingressar em Letras, diferentes reações em determinadas situações de interlocução em sala de aula e no uso da linguagem. Apesar dessas diferenças ou singularidades, não se pode ter a ilusão, conforme alertam Vóvio e Souza (2005), de que ao examinar percursos singulares, situando-os sócio- historicamente, inexistem elementos comuns, os quais constituem as ações, formas de ser, pensar, agir, valorar, acreditar dos sujeitos da pesquisa.

É válido afirmar que, se as condições de vida e participação social distribuem-se de modo desigual para os sujeitos e grupos que formam uma dada sociedade, seja ela a brasileira ou outra, as suas possibilidades de ação, de mobilidade social e de tomar parte em práticas culturais, bem como capacidades e repertórios construídos, devem variar. (VÓVIO; SOUZA, 2005, p. 46)

A preocupação em destacar as singularidades, mesmo não omitindo marcas comuns de pertencimento ao grupo social do curso de Letras e/ou a outros grupos, é deixar de lado estereótipos sociais, nos quais são enquadrados muitos sujeitos e que não permitem reconhecer ou identificar possibilidades individuais trilhadas em um campo social compartilhado. Este é o grande diferencial desta tese, que não tem a pretensão de, mais uma vez, reforçar, unicamente, o modelo dominante do discurso do déficit do letramento, o qual reproduz que os alunos apresentam dificuldades com a linguagem quando ingressam na esfera acadêmica. Fácil a muitos professores e pesquisadores é tecer julgamentos estereotipados quanto à constituição letrada dos sujeitos e lhes impor conteúdos por si considerados necessários. Desafiante é investigar, propor encaminhamentos dentro dos limites impostos em um curso de graduação, considerando quem são esses sujeitos, seus anseios, propósitos e dúvidas. Ainda, disponibilizar meios de eles se assumirem co-responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem, em uma perspectiva dialógica, crítica, com vistas à transformação deles próprios e de suas práticas de letramento.

Por estar inserida, como observadora participante neste processo desencadeado no curso de Letras, em 2005, conduzido pelo professor cujo nome fictício é Tiago, é que optei por trazer para as análises discussões em torno de três alunas. Da mesma forma, como sugerem Vóvio e Souza (2005), uma pesquisa apoiada nas abordagens sócio-culturais do letramento e da linguagem não tem o intuito de realizar comparações e julgamentos valorativos sobre a constituição letrada dos sujeitos, nem mesmo tomar como homogêneas as práticas de letramento, manifestadas em eventos observados. Cada caso – o da Renata, o da

Beatriz e o da Sandra –, mesmo que contendo semelhanças, apresenta marcas singulares na sua constituição.

Como uma das polêmicas das pesquisas qualitativas reside no enfoque da representatividade, destaco que as análises dos dados, em torno das três alunas, podem e certamente encontrarão lugar em tantos outros casos de alunos ingressos em um curso de graduação. No entanto, tornam-se perigosas generalizações demasiadas, visto que cada sujeito trilha caminhos próprios, o que caracteriza sua constituição letrada. Quanto a este processo, defendo e apóio o posicionamento de Martins (2004, p. 295):

Não cabe, a meu ver, no uso da metodologia qualitativa, a preocupação com a generalização, pois o que a caracteriza é o estudo em amplitude e em profundidade, visando a elaboração de uma explicação válida para o caso (ou casos) em estudo, reconhecendo que o resultado das observações são sempre parciais.

A autora acrescenta que o que sustenta e garante a validade desses estudos é o rigor que se estabelece entre as abordagens teóricas, que sustentam a pesquisa, e os dados empíricos em discussão.

Opto por não trazer, nesta seção, características do perfil de letramento de cada uma das alunas, pois estas serão mencionadas durante as análises dos dados (subseção 6.1), em consonância com um dos objetivos específicos que é traçar o perfil de letramento dos alunos.

O direcionamento da pesquisa, especificamente com alunas do curso do Letras e não de outro curso de licenciatura, com vistas à formação de professores, justifica-se por este enfocar diretamente o estudo das línguas portuguesa e estrangeira, no caso desse curso de Letras da Unifebe. Assim, o objeto de estudo é a língua, o qual exige dos alunos a realização de leituras e produções escritas críticas e reflexivas. Esse objeto de estudo, em virtude das propostas de trabalho presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e na Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC), é compreendido a partir de uma concepção dialógica da linguagem (BAKHTIN, 2003 [1952-1953/1979]) no processo de ensino-aprendizagem no meio escolar. Logo, compreender esses parâmetros e propostas, por parte dos alunos, requer estudo, reflexão e trabalho, e não apenas uma aceitação passiva, ouvinte e distante de práticas de letramento em uso por eles nas diversas esferas sociais onde circulam.

O acompanhamento das três alunas – sujeitos da pesquisa - ao longo do ano letivo de 2005, restringe-se a duas disciplinas curriculares que adotam diretamente práticas de letramento em torno da leitura, produção escrita e análise lingüística como objeto de ensino. A primeira disciplina, “Estudos da Língua Portuguesa I: conhecimentos básicos”, ocorreu no

primeiro semestre letivo do ano (fevereiro a julho) e a segunda, “Leitura e Produção Textual”, no segundo semestre (julho a dezembro) de 2005. Ambas, coincidentemente, foram ministradas pelo mesmo professor, em vista de ele ter sido aprovado em concursos da Unifebe, tanto ao final de 2004, para assumir a primeira disciplina, quando em meados de 2005, para ministrar a segunda disciplina.

Apesar de os alunos serem nomeados como os sujeitos da pesquisa, não se pode descartar a presença do professor Tiago como um dos sujeitos do processo de trabalho. A influência desse profissional, através das escolhas didáticas ao longo do ano e através de seus modos de participação nos eventos de letramento, é decisiva para que se compreenda como se dá a constituição letrada dos alunos ingressos em Letras.

O professor Tiago é graduado em Letras (1987), concluiu a Especialização em Língua Portuguesa (UFPR), em 1988, e o curso de Mestrado em Lingüística (UFSC), em 2005, especificamente na área da Lingüística Aplicada, por meio da sua dissertação que adotou como objeto de pesquisa o trabalho com os gêneros discursivos na Educação Básica. Este profissional atua há 20 anos na Educação como professor. Já lecionou em todas as séries do Ensino Fundamental e Médio, tanto em escolas do setor público, como do setor privado. Atualmente trabalha com turmas de alunos de 5ª a 8ª séries e de Ensino Médio em uma escola estadual, na cidade de Nova Trento (SC). Também já lecionou em cursos técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em disciplinas de Leitura e Produção Textual e Português Instrumental. Além disso, em 2005 e 2006, atuou como professor na Unifebe (Brusque/SC), nas duas disciplinas já mencionadas do curso de Letras.

Cabe aqui a informação de que o curso de Letras da Unifebe, o qual passou a ser oferecido a partir de 2004/1 na instituição, apresenta como base de seu projeto pedagógico a concepção dialógica da linguagem. Este projeto pressupõe um trabalho conectado com as práticas socialmente situadas. Partindo dessa abordagem, o perfil profissiográfico proposto para o aluno, que concluir o curso de Letras, é o seguinte:

O curso de Letras - Licenciatura - da Unifebe prevê a formação de profissionais compromissados com o conhecimento e o desempenho eficiente na área das línguas, sujeitos interessados em lidar com as relações sociais mediadas pela linguagem de forma renovada e coerente com as demandas mais atualizadas. Assim, pretende-se que os licenciados egressos do curso de Letras sejam educadores com formação cultural ampla, arrojada e diferenciada, conforme está a exigir a contemporaneidade. À formação consistente em Língua Portuguesa, Línguas Estrangeiras (LEs), Literatura e disciplinas afins terá o acadêmico da Unifebe formação em produção, investigação e crítica das linguagens.

Além da preparação para o exercício do Magistério - Ensino Fundamental e Médio - a construção desse profissional diz respeito ao desempenho de todas as funções relacionadas às competências das línguas, especialmente as que exigem habilidades

em produção oral e escrita, seja em Língua Portuguesa, seja em Língua Estrangeira de opção do acadêmico.

Relativamente à formação para o Magistério, espera-se que, além do conhecimento na área específica de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Língua Estrangeira, seja o profissional compromissado com a qualidade da educação e do ensino, com a pesquisa dos fatos da língua, articulador da teoria e prática, e atento à ética e à responsabilidade que convém a um educador. [...] Assim, o perfil traçado para o acadêmico licenciado em Letras da Unifebe fundamenta-se nos seguintes aspectos: conhecimento lingüístico, atitude positiva de leitor, de redator, de pesquisador e responsabilidade ético-profissional. Esse perfil profissional permitirá ao egresso o exercício não apenas do Magistério, mas também o desempenho de atividades relacionadas à linguagem oral e escrita em Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Língua Estrangeira. Dessa forma, poderá ele atuar como produtor e revisor de textos na imprensa, na indústria, no comércio, em empresas e instituições públicas e privadas, em criação, crítica e estética literária, teatral, televisiva, como tradutor, tradutor oficial, intérprete, ou ainda na docência e pesquisa universitárias. (UNIFEBE, 2005)8

Esse perfil profissional pretendido exige, sem dúvida, muito trabalho e comprometimento por parte de professores e alunos do curso. Este dado reforça ainda mais a necessidade de um trabalho, na graduação, comprometido com as exigências atuais do mercado de trabalho, bem como de atuação consciente e crítica na sociedade como um todo.

Diante dessas escolhas em relação aos sujeitos e ao curso ao qual pertencem, é válido explicitar brevemente o porquê da escolha da Unifebe como local de realização da pesquisa.

Essa instituição, em agosto de 2003, passou por um processo de consolidação e ampliação de seus cursos, visando a sua transformação jurídica e institucional em “Centro Universitário”, o qual adquire status de universidade. Os benefícios primeiros recaem sobre a difusão e a consolidação dos trabalhos dos cursos de graduação da Unifebe, seja no ensino, na pesquisa e/ou na extensão.

Diante desses benefícios, fica evidente que para a comunidade em geral, a Unifebe passa a representar uma instituição com mais representatividade na busca de recursos que viabilizem projetos voltados ao desenvolvimento social e da qualidade de vida. A grande intenção é cada vez mais interagir com a comunidade, oferecendo um espaço de produção de conhecimento aplicado às necessidades reais da região.

Estando demarcadas as justificativas quanto às escolhas dos sujeitos e do ambiente de pesquisa são apresentadas, na subseção seguinte, explicações mais específicas sobre a trajetória e as condições de produção da pesquisa.

8 O curso de Letras da Unifebe, conforme notícia no site www.unifebe.edu.br, em 18/09/2007, foi reconhecido

pelo Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina na sessão plenária do dia 4 de setembro de 2007. O reconhecimento do curso foi aprovado pelo período de cinco anos, prazo máximo estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB).