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4.2 UNIDADE TEMÁTICA I – FORMAÇÃO

4.2.4 Sentidos dos princípios do SUS

4.2.4.1 Sentidos feitos na graduação

Ao considerarmos os sentidos que os princípios do SUS fizeram, no momento da graduação, as falas nos revelam que o contato com os princípios, quando lembrados, deu para ter uma base, uma noção, porém, mais uma vez, não tiveram muita relação com o contexto prático, não surtiu muito efeito, foi uma coisa mais citada, meio superficial, muito teórica, idealizada, bonita, difícil e complicada de ser posta, sistematizada na prática.

[...] Eu acho que, eu sempre tive muito interesse assim por Saúde Pública. Eu acho que de início, ficou uma coisa muito teórica assim, sem, quer dizer, sem... você recebeu os conceitos lá, mas parece que ficou por ali, pelo fato ainda da gente não ter uma experiência, ainda não estar vivenciando os estágios. Então, ficou uma coisa muito teórica, assim não surtiu efeito imediato, não. Não teve muita relação com os contextos não. Girassol.

[...] Na teoria eu achava tudo muito bonito, né! Se for ver, é o que eu discutia com a professora, era muito bonito, é um ideal muito bom, mas que na prática é muito difícil deser seguido, algumas pessoas conseguem, não totalmente, segui-los totalmente, mas é muito complicado, ainda mais que a grande maioria das pessoas não sabem os princípios, né, e doutrinas. Então, fica mais complicado ainda. Achava bem complicado, porque como eu não estava atuando diretamente como enfermeiro, era só estagiário, então, a gente tinha uma outra visão, né. Então, eu achava assim, mas na teoria é uma coisa linda e na prática parece que ninguém faz. Azaléia.

[...] Serviu, esclareceu assim algumas coisas, eu me lembro que, a gente tinha assistido um filme sobre o início do SUS, a professora de Saúde Coletiva passou um filme muito interessante, como que surgiu, tal. Então, a gente tinha mais ou menos uma base. Depois ela explicou algumas coisas assim, como é o ideal, o real, porque tem uma diferença. Margarida.

Os sentidos dos princípios revelados, no momento da graduação, nos remetem a pensarmos que a abordagem metodológica trabalhada precisa ter

relação direta como a compreensão, o entendimento, o relacionamento entre teoria e contexto. Nesta direção, Feurwerker (2004) e Brasil (2004a) indicam que uma informação ou uma experiência pedagógica só faz sentido, tornando-se uma aprendizagem significante, quando dialoga com toda a bagagem anterior que as pessoas trazem consigo. Assim os autores sugerem que a transformação das práticas profissionais esteja baseada na reflexão crítica sobre as práticas reais, de profissionais reais, em ação na rede de serviços.

Estas falas apontam também para uma dicotomização, uma polarização entre teoria e prática, mostrando-se bastante complicado, difícil, quase impossível, sistematizar ações. Ramos (2004) coloca que visões estereotipadas são produzidas e disseminadas quanto à educação e ao trabalho, identificadas como a academia e os serviços. A academia é relacionada à teoria, num sentido de desvalor, como se toda intervenção dela prescindisse ou como empreendimento de reflexão teórica e produção do conhecimento fosse sinônimo de descompromisso com a realidade, inoperância ou, no mínimo conservadorismo e atraso em relação às demandas. Desta maneira a autora ainda argumenta que são negados os impactos da produção teórica no campo da saúde e seu forte envolvimento com a transformação social e com as conquistas alcançadas em termos de políticas de saúde.

Isto nos indica que para mudarmos, reorganizarmos modelos assistenciais devemos pensar em reestruturação de formas de intervenções educativas no processo de formação dos profissionais envolvidos no setor saúde.

Um outro sentido feito dos princípios do SUS, na graduação, foi a motivação para atuar na rede pública.

[...] Muito, muito tanto que como acadêmica eu fui trabalhar como estagiária na área ambulatorial, eu fui trabalhar no SUS, mas direto a... ao ambulatório. Tulipa.

Um último sentido encontrado no remete a revelação do contexto histórico vivido naquele momento, marcado pela crise do Sistema Previdenciário.

[...] Então, era uma coisa que... que eu achava que era pra pobre, né. Que ninguém tinha acesso. Rosa

4.2.4.2 Sentidos feitos após a graduação

Ao investigarmos os sentidos que os princípios do SUS fazem, atualmente, para os enfermeiros entrevistados verificamos que mesmo após algum tempo de atuação alguns não conseguem fazer relação de sentido e quando fazem aparece ainda, de forma relevante, à distância entre teoria (os princípios) e a dificuldade de operacionalizá-la na prática.

[...] Pra ser sincera, você pensar todo dia equidade, universalidade, né, é, é... descentralização, então, fica assim vago, mas quando você vê no dia a dia, o contato, o paciente, o cliente merece total respeito, que ele tem que ser visto como um todo é difícil, não é fácil, eu não vou mentir pra você, ah! eu trato sim, trato todo mundo igual, eu procuro tratar todos com igualdade, né! Eu falo assim todo mundo tem direito. Tulipa.

[...] Os princípios do SUS? Não, só os protocolos, né, que tá apresentado atualmente, né, para o secretário de saúde e do SUS não como... porque a gente acaba virando assim, máquina, né? Trabalha mais a parte prática e deixa essa parte de lado. Atua mais na prática. [...] É... atualmente, a gente, eu tenho assim sentido às vezes, até dificuldade, porque a população, que a gente trabalha, a abrangência, que a gente tem no bairro, nós somos cobrados e alguns pacientes que chegam na unidade até eles falam em questão de direitos, visitas domiciliares, as pessoas é, é... passam pra gente, né a respeito disso e tentam interrogar, a respeito dos princípios, né. Direitos. Violeta.

Para este grupo de enfermeiros, atualmente os princípios do SUS quando faz um pouco, ou um pouco mais de sentido, observamos que este sentido é estabelecido pelos próprios profissionais, após começarem a vivenciar os princípios em suas atuações, no serviço público, e que estes quando usados serve para nortear, referenciar alguns conceitos pessoais e modos de agirem e de pensarem o

que é certo ou errado, porém, afirmam, sem possibilidades de ação sobre o contexto vivido.

[...] Hoje em dia, então, já faz um pouco mais de sentido, porque a gente dentro do PSF a gente já vive bastante isso, a gente já começa a vivenciar bem os princípios, aí né, de atendimento igualitário para todas pessoas, atendimento para todos, eu acho que o PSF hoje em dia ele proporciona isso. Girassol.

[...] Hoje eu acho que modificou um pouco porque... a partir do momento que você aprende, né, você sempre, você vai tomar, sempre que possível, não todas às vezes, mas você para e fica pensando, não espera aí, onde que eu errei, eu acho que não é assim, que eu tenho que agir. Porque você começa a rever alguns conceitos pessoais até, né. Então, acho que melhorou. Azaléia.

[...] Faz, olha às vezes eu fico até... porque assim às vezes a gente sabe... por exemplo, alguma coisa tá errado, né, eu sei que aquilo tá errado e eu não tenho como tá impedindo que aquele fato aconteça, né, por conhecer as leis do SUS e por saber que num... num... é daquele jeito. Margarida. [...] Ah! Com certeza, principalmente agora que eu tô na rede pública, apesar que assim... não muito tempo, porque eu trabalhei mais na área hospitalar, mas quando eu trabalhei na área hospitalar não tinha SUS. Agora na rede pública assim, eu vejo assim oh, é... é um ótimo serviço. Orquídea.

Consideramos que mesmo havendo esforço, o que foi demonstrado por parte dos entrevistados, para revelar o sentido dos princípios dos SUS, está pautado em relações frágil e com pouca consistência para alicerçar iniciativas de mudanças na organização dos processos de trabalho nos serviços de saúde.

Isto nos leva a pensarmos em possíveis limitações nos processos de qualificação dos trabalhadores de saúde através de Educação Continuada, de cursos de graduação e de capacitação padronizados, quanto à carga horária, o conteúdo e as dinâmicas, definidas centralmente com uso de atividades educativas pontuais, fragmentadas e que se esgota em si mesma.

Assim, ao tomarmos a atualização técnico-científica como o foco central para a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho

deixando de englobar aspectos importantes como a produção de subjetividade, de habilidades técnicas, de conhecimento do SUS, através de experiências vividas ou vivenciadas, a possibilidade de construir sentidos para incorporação na prática cotidiana, se torna muito difícil, ou praticamente inexistente.

Brasil (2004a) afirma que a educação permanente propõe que para que tal processo se estabeleça é necessário tomar como referência às necessidades de saúde das pessoas (profissionais), das populações, da gestão setorial e do controle social em saúde.

Ao pensarmos as atribuições do enfermeiro dentro da ESF, enquanto instrutor, organizador, coordenador e ser compromissado com a implementação de políticas sociais públicas, bem como a acelerada transformação dos processos produtivos, acreditamos que se faça necessário pensarmos numa formação profissional, como capacitação ética, política e técnica, à plena conquista do direito constitucional à saúde, à solidificação de princípios e estratégias do SUS.

Nessa direção a Associação Brasileira de Enfermagem (2002) coloca que a orientação para a implantação de eixos que concretizam uma formação compatível com as demandas sociais, com um modelo de atenção à saúde, com a produção de conhecimentos e de serviços de qualidade, deve passar, necessariamente, pela articulação entre o projeto político em saúde e o projeto pedagógico para a formação, ou seja, a capacitação dos recursos humanos, vistos como sujeitos coletivos com atuação crítica e propositiva nos espaços sociais.