• Nenhum resultado encontrado

Sentidos sobre Modos de Planejamento/Definição do Currículo

4 A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO CAMPO DE CONSTRUÇÃO

4.3 EDUCAÇÃO INFANTIL, CURRÍCULO E PROPOSTA

4.3.2 Sentidos de Currículo nas Vozes de Professoras

4.3.2.2 Sentidos sobre Modos de Planejamento/Definição do Currículo

Nas sessões de entrevistas com professoras consideramos importante contextualizar os processos de definição de conteúdos da prática pedagógica, ou seja, buscamos investigar se existem propostas pedagógicas documentadas nas instituições em que trabalham e com base em que se define o que vai ser trabalhado com as crianças.

A análise dos dados construídos acerca dos modos de planejamento/definição do currículo é importante nesse trabalho, pois contextualiza um pouco o cotidiano pedagógico e os processos organizativos que envolvem, antecedem e norteiam o trabalho com as crianças, especialmente as decisões em torno do que ensinar. Nos fornece elementos para analisar e identificar aspectos da gênese dos processos que circundam/explicam seus sentidos acerca de objetos do conhecimento constitutivos de currículos para crianças de educação infantil.

Quando indagamos às professoras acerca da existência de uma proposta pedagógica/PPP nas instituições educativas, identificamos que não existe um documento formalizado na instituição, e quando existe, não é utilizado no planejamento. Esse, muitas vezes, é realizado com a coordenação e/ou grupo de professores, e definido anualmente a partir de temas gerais. Buscamos levantar informações sobre o que era fonte de consulta das professoras quando planejavam, definiam o que iria ser trabalhado periodicamente com as crianças. Indagávamos, nas

entrevistas, acerca da utilização das DCNEI, mas o que apareceu fortemente como instrumento de consulta foi o RCNEI.

Sistematizamos os dados construídos a partir de três campos de sentidos: a elaboração/existência do Projeto Político Pedagógico/Proposta Pedagógica; os tempos/modos de planejar/definir o currículo e os conhecimentos; os subsídios/fontes para o planejamento/construção curricular.

A elaboração/existência do Projeto Político Pedagógico/Proposta Pedagógica

Nos estudos de Veiga (2007) temos visto a necessidade de construção coletiva do projeto político pedagógico nas instituições educativas, como ferramenta de discussão e registro das ações educativas e compromisso sociopolítico com a formação de cidadãos.

Desse modo, o projeto político-pedagógico tem a ver com a organização do trabalho pedagógico em dois níveis: como organização da escola como um todo e como organização da sala de aula, incluindo sua relação com o contexto social imediato, procurando preservar a visão de totalidade. Nesta caminhada será importante ressaltar que o projeto político-pedagógico busca a organização do trabalho pedagógico da escola na sua globalidade. (VEIGA, 2007, p. 14).

As vozes das professoras deflagram a inexistência desse processo coletivo de construção e reflexão acerca das práticas educativas. O PPP não existe nas instituições nas quais as professoras atuam, e quando existe, não é consultado ou está em elaboração. No entanto, há um desconhecimento por parte delas, desse processo de elaboração e do conteúdo do documento. Como podemos observar nos seguintes trechos:

Existe uma proposta documentada, mas que não está é sendo aplicada. Um documento engavetado! Um PPP que não está atualizado... E que até o final de agora, ‘né’, desse ano, não foi feita nenhuma ação para atualizá-lo. Então, ele existe, mas a maioria dos funcionários não tem conhecimento. E, como a gente sabe, que é um processo dinâmico, né, então, ele tem que ser viabilizado todo ano porque são crianças diferentes, professores diferentes, gestão diferente; e então ele não pode ficar como está. Na realidade, ele é um documento que existe, mas engavetado sem uso e sem vida. Eu não tenho (acesso ao mesmo). Eu tive acesso a ele ‘pra’ tentar reformulá-lo quando fui coordenadora daqui, supervisora; mas, a gestão inviabilizou essa ação, então, eu realmente não peguei pra estudá-lo, porque eu vi que não tinha

como fazer, então eu realmente não me interessei em pegá-lo. (Professora Eva, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

Não, não tem uma proposta finalizada, pois é algo que vai se construindo no trabalho dos CMEIs. Um dos CMEIS tem a proposta, porém nós não tivemos contato com essa proposta, eu não tive contato. As professoras que vieram de outra escola conhecem, mas nós que éramos da outra não conhecemos. (Professora Dalila, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

A proposta ainda não ‘tá’ pronta não, ‘tá’ em processo de construção, ‘aí’ todo ano muda de diretor sabe? Um começa ‘aí’ o outro entra e não continua, ‘aí’ quando o outro entra já começa a fazer de novo, nunca termina. (Professora Rute, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

A diretora diz que lá tem, mas eu mesma nunca tive contato não. [...]afinal de contas é uma coisa que nunca está acabada. Mas tem. Agora mesmo ela está sendo reformulada. (Professora Isabel, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

Observamos que os sentidos das professoras acerca da proposta pedagógica e/ou PPP remetem para a compreensão de um documento com caráter meramente burocrático, desconhecido e, portanto, dispensável na organização de suas práticas. Pois, não há assunção por parte delas para a necessária responsabilização de professores e comunidade escolar na elaboração do documento. Não são explicitadas preocupações e/ou ações das professoras em relação ao seu envolvimento na elaboração/desenvolvimento do texto-proposta.

Percebemos nesse contexto, a necessidade de compreender como as professoras planejam – definem dia a dia o currículo experienciado na prática, considerando que não há uma proposta coletiva documentada.

Os tempos/modos de planejar/definir o currículo e os conhecimentos

A organização do currículo acontece por dois caminhos, aparentemente antagônicos, mas que aparecem como sentidos possíveis sobre os modos de planejar/definir o currículo pelas professoras pesquisadas. Há uma prática de definir inicialmente um tema geral para o ano de trabalho e temas específicos para as turmas agrupadas por idade para cada bimestre/trimestre. E, considerando essa definição geral, normalmente feita junto à coordenação e/ou direção da instituição, cada professora vai definindo subtemas e organizando os conteúdos por eixos de conhecimentos propostos no RCNEI, assim como, para as que atuam no município

de Natal, no Referencial Curricular Municipal de Educação Infantil – RCMEI, elaborado, por sua vez, em consonância com o RCNEI.

[...] em cima desse RCNEI que a gente usa do MEC no último planejamento que a gente fez a gente analisou alguns objetivos e a gente assim reformulou esses objetivos é... pra o que fosse realmente necessário pra gente, que a gente tivesse buscando desenvolver aqui no berçário, porque a gente viu que alguns objetivos, acho que ele não, não contemplava os alunos aqui do berçário então a gente reformulou algumas coisas, tirou algumas palavras e colocou, mas em cima daquela proposta que tá ali no RCNEI. (Professora Sara, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

A gente tem uma hora e meia por semana que a gente se junta com a coordenação da escola pra planejar dentro dos eixos temáticos e o tema do projeto principal da escola.[...] Para o ano, a gente pode trabalhar também por trimestre. Fazer um projeto por trimestre, mas sempre derivado do tema principal, do projeto principal. [...] a gente tem o projeto anual que a gente faz todos os anos e o projeto é renovado, recebe novos planos, novos temas, mas sempre englobando a comunidade como um todo. (Professora Marta, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

Nós planejamos sob a orientação da coordenação, os trabalhos são ditos ou pensados em equipe e são adaptados para os níveis e dependendo da necessidade da criança a gente vai vendo e adaptando o projeto que é geral para a individualidade da turma. (Professora Eva, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

[...] quando a gente planejava, porque agora não tem mais o tempo ‘pra’ planejar. A gente usava o RCNEI. É o de Natal. [...] A gente planeja, é, dentro do RCNEI, a gente divide por trimestre, em cada área de conhecimento que vai ser trabalhado durante o ano. (Professora Maria, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

[...] eu organizo de acordo com o RCNEI, na escola que eu trabalho, nós trabalhamos com projeto de pesquisa então a gente escolhe um tema central e dentro dele nós, é..., vamos encaixando os eixos temáticos na medida do possível e se torna um projeto interdisciplinar. (Professora Dalila, Primeira Sessão de Entrevista Individual) [...] a gente, inclusive, recebeu agora recentemente o Projeto Para lá ‘pra’ cá, também trabalhamos um material do projeto Trilhas e do projeto Natura. [...] a gente ainda é muito cobrada principalmente pela coordenação das escolas pelo RCNEI. Elas querem que a gente estabeleça assim claramente cada eixo que está sendo trabalhado naquele momento, não interessa se você ‘tá’ trabalhando vários eixos ao mesmo tempo entendeu? Se você ‘tá’ trabalhando linguagem oral e escrita e também tá trabalhando a questão do faz de conta entendeu? Elas querem que você especifique hoje nesse momento você vai trabalhar o que? É a linguagem oral e escrita? É a linguagem matemática? É natureza e sociedade? Entendeu? Elas querem que a gente delimite, aí a gente sente assim uma dificuldade em delimitar porque muitas vezes a gente trabalha vários eixos em uma atividade só. (Professora Marta, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

Observamos que as professoras mencionam o trabalho com projetos, bem como, a preocupação de definição de conteúdos/atividades organizados em horários/momentos para cada eixo/área de conhecimento. Os eixos/áreas de conhecimento as quais as professoras se referem são aqueles propostos no RCNEI. Mesmo não havendo um currículo documentado/materializado em proposta, há uma orientação curricular que regulamenta o trabalho de professoras de diferentes instituições. De um modo geral, podemos afirmar que há um distanciamento entre a organização curricular planejada – um tema coletivo para toda a instituição e as experiências e saberes das crianças. Muito embora, esse tema, seja definido tendo como base alguma referência da comunidade escolar.

Mesmo quando as professoras mencionam o trabalho com a pesquisa, identificamos uma preocupação maior em “encaixar” os conteúdos previamente definidos por áreas “dentro” do tema65.

Fomos observando que as DCNEI não eram mencionadas pelas professoras e fomos questionando acerca de quais são suas fontes para o planejamento – currículo em construção, em desenvolvimento.

Os subsídios/fontes para o planejamento/construção curricular

As professoras dizem sobre a utilização prioritária e exclusiva do RCNEI como instrumento de consulta nos planejamentos, pois o consideram um documento mais prescritivo e didático. Assim como verificado por Barbosa (2009; 2010), na análise das propostas pedagógicas em todo país. Observamos, no entanto, que o RCNEI é citado pelas professoras quando fazem alusão aos eixos de conhecimento que organizam o currículo e a rotina escolar: linguagem oral e escrita, matemática, movimento, artes visuais, música e natureza e sociedade. Todas as professoras fazem referência a esse documento, como nos exemplos que seguem:

Eu gosto muito de trabalhar em cima dos PCN’S (a professora refere-se ao RCNEI). Na realidade, as diretrizes curriculares estou tomando conhecimento agora sobre esse documento, então eu me baseio muito nos PCN’S. (Professora Eva, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

É mais através do RCMEI que chama de Natal, olha mais através dele e é baseado pelo RCNEI. (Professora Rute, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

[...] porque na escola a gente se baseia mais pelos RCMEI, pelo o de Natal que já vem bem separados por eixos, linguagem, linguagem oral e escrita, matemática, natureza e sociedade, as artes, músicas, movimentos. (Professora Rute, Segunda Sessão de Entrevista Individual)

Eu me baseio muito no RCNEI, eu contemplo os eixos, eu procuro contemplar todos os eixos, inclusive eu programo os dias da semana é... respeitando um dos eixos né? Pra cada dia. (Professora Ester, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

Eu organizo a minha prática pedagógica primeiro através das teorias que eu estudei. Durante a graduação e também pelos documentos, que, que, agora me fugiu a palavra. Que orienta a Educação Infantil. Como os parâmetros, os PCN´S e também o RCNEI que é o mais importante, a gente trabalha muito mais com o RCNEI que é mais direcionado ‘pra’ Educação Infantil. (Professora Sara, Primeira Sessão de Entrevista Individual)

Verificamos a ausência de estudos sobre as DCNEI, apesar de sua distribuição nas instituições educativas. É um documento, conforme já explicamos no capítulo dois, pouco utilizado e pouco conhecido pelas professoras. Os sentidos construídos pelas professoras acerca das DCNEI relacionam-se ao seu caráter mais abrangente e menos didático que o RCNEI. Como podemos ilustrar nas seguintes transcrições:

Na verdade eu vim ter conhecimento desse documento, mais, através de você. Na verdade, a gente peca muito, em não conhecer esses documentos, em não se aprofundar nessas documentações, e realmente ter esse olhar crítico, talvez assim, pelo cansaço do dia a dia, não sei. Eu acho ótimo você está fazendo esse trabalho, porque vem a esclarecer o que tem nesse documento, ‘pra’ gente analisar melhor, compreender e até nortear melhor a nossa prática. Ou as vezes, até para nos acostumarmos, com esses documentos. Tanto esse, como... Nós utilizamos mais o RCNEI, e a gente acaba por se acostumar mais, a utilizar, na nossa prática do planejamento. (Professora Sara, Segunda Sessão de Entrevista Individual)

[...] Sinceramente, as diretrizes como eu disse é um documento que apesar de já está sendo estudado, é um documento que eu não tenho muito domínio. [...] As diretrizes eles não deixam claro o que eles precisam; eu acredito, que elas não deixam claro; tenho que aprender mais sobre as diretrizes, reconstruir meu saber; mas, eu acredito que elas não deixam claro até pelas discussões que nós tivemos em grupo e algumas pessoas falaram algo que faz com que a gente pense sobre isso, eles não deixam claro o que que a criança deve aprender. (Professora Eva, Segunda Sessão de Entrevista Individual)

[...] porque seguir, seguir realmente as diretrizes, ainda há um caminho muito longo que a gente ainda tem que percorrer, mas, assim, eu acho que ainda indiretamente, ainda segue algumas coisas, mas ainda precisamos caminhar muito. Porque, a gente ainda é muito acostumado..., sei lá, não sei explicar não. É.... você professor quando vai planejar, já ‘tá’ “taxado” (definido) todos os conteúdos, já separar pelo RCNEI. (Professora Maria, Segunda Sessão de Entrevista Individual)

No capítulo seis tratamos de analisar alguns sentidos possíveis às professoras acerca de conhecimento a partir de leituras feitas das DCNEI. Apesar de não utilizar ou não ter um conhecimento aprofundado acerca do documento, elas conseguem estabelecer algumas relações entre suas proposições e as práticas desenvolvidas. Ora, de modo mais distanciado, ou mesmo antagônico, ora de modo mais aproximado – contribuições que saltam da leitura.

Organizamos os dois capítulos que seguem, com as análises acerca de sentidos de conhecimento. No primeiro trazemos os sentidos de conhecimento no contexto das DCNEI, e no segundo, os sentidos das professoras. Para tanto, buscamos identificar suas raízes nos diferentes modos históricos como vem se instituindo os conhecimentos de currículos na educação infantil – nas abordagens curriculares e teóricas que fundamentam as políticas e as práticas educacionais.