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A Sq5 nomeada O Pássaro Incomum marca uma virada na narrativa. Maria perde a infância e é transformada numa linda moça, em idade de conhecer o amor. O amor será tema da Sq5, e é em nome dele que Maria terá de escolher entre o casamento com o príncipe ou obedecer a seu coração que palpita pelo Pássaro que está em perigo. Para entender esse novo ciclo que inicia, Maria escuta as palavras da santa de sua devoção:

É o mando da vida e as força do tempo. No córgo, corre sem desalento as águas do mundo. Em ocê, começô corrê as águas da vida. Ocê agora é parte do grande ciclo da vida! Ocê num sente como, dentro de ocê, o coração bate e retumba, diferente, querendo sartá da prisão do peito? O que vem não se adia e chegô: ri e celebra, purque o mundo pode se refazê em ocê! A menina morreu pro zóio do mundo mai mora dentro de ocê. Vai está le acompanhando. (Hoje é dia de Maria, 2005)

A análise estrutural da Sq5 será realizada a partir da observância de quatro vertentes narrativas: a do Pai, a de Asmodeu, a da Madrasta e a de Maria. As principais microsseqüências a serem analisadas são: o reencontro de Maria com a Madrasta e Joaninha, o encontro com o mascate Salim, a aceitação do casamento com o príncipe, a desistência do casamento e o encontro com o Pássaro Incomum. Serão analisadas, também, as catálises, os índices e os informantes relacionados à linha narrativa da Madrasta, uma vez que é nesta seqüência que ocorrerá o fechamento da msq aberta na Sq2, na qual a Madrasta parte juntamente com Joaninha com o intuito de tomar parte no tesouro de Maria.

Os informantes que aparecem no início da Sq5 apresentam um novo cenário, no qual atuam os trabalhadores da terra, os bóia-fria, ocupados na colheita do trigo15. A imagem abre para uma casa grande, toda fechada, e para as pessoas que

ali moram, vestidas de preto. Neste ambiente Maria encontra uma bóia-fria (catálise) que lhe explica o motivo do luto. A moça conta-lhe que ali não anoitece nem amanhece, é sempre entardecer desde que o príncipe desapareceu. É como se o tempo tivesse parado. As ações catalíticas e as informações apresentadas na

15 No roteiro da microssérie a colheita é da cana, mas, na transposição para a televisão, aparece trigo.

introdução do segmento narrativo da Sq5 marcam o espaço/tempo até a abertura da primeira msq – decisão de Maria em permanecer e trabalhar na fazenda.

A função núcleo – reencontro com a Madrasta – fecha a msq da Sq2 – Madrasta parte e apresenta-se sem ocorrência de funções catálises. Após um dia fatigante na colheita, Maria segue para a sua casinha, onde encontra a Madrasta e Joaninha já crescida. Após o fechamento do núcleo do reencontro, seguem informações e índices. A informação – Maria cozinha para a Madrasta e para Joaninha – tem significação imediata, é um dado concreto que identifica e situa o espectador. E índice: o fato de Maria continuar aceitando as ordens da Madrasta e brincar como uma criança com o Pássaro, o que revela traços da infantilidade de Maria. Enquanto ela brinca com o Pássaro, vê um homem jovem, seminu, dançando na floresta. Tal visão traz implícita a informação de que ele é o príncipe que retorna para casa.

Seguem-se ações menores (catálises) que preparam a situação para a abertura de nova msq – encontro com Salim -, está intercalada na que já está aberta – Maria decide ficar e trabalhar na fazenda. Quando Maria volta para casa, vê a Madrasta e Joaninha preparando-se para uma festa, na qual se comemorará a volta do príncipe. A Madrasta tenta impedir Maria de ir à festa, alegando que a enteada não tinha vestimenta de baile. Essa catálise aponta para uma carência: Maria só poderá ir ao baile se conseguir uma roupa e sapatos adequados, necessidade que prepara a abertura da nova msq - Maria encontra o mascate Salim (auxiliar mágico) que a presenteia com um lindo vestido e sapatos encarnados. Salim avisa Maria que deverá estar em casa antes de soar meia-noite. Tal condição imposta por Salim traz imbricadas duas funções: um informante que aproxima os contos de fadas da atualidade da microssérie – o encanto quebra-se ao soar meia-noite –, e uma catálise, pois a ação de Maria – sair correndo quando for a hora prenunciada – ocasionará a abertura de nova msq.

Chegando ao baile, o príncipe escolhe Maria entre outras meninas e estende o braço chamando-a para dançar (núcleo de fechamento da primeira msq – Maria decide ficar e trabalhar na fazenda). As palavras do Mascate se tornam realidade no

momento em que Maria baila com o Príncipe. Ao ouvir as badaladas, a mocinha misteriosa corre e perde um dos sapatinhos encarnados (função núcleo de fechamento parcial da segunda msq). Após a perda do sapato, segue o imbricamento de duas funções na linha narrativa da Madrasta: uma catálise e um índice. O índice aponta para as intenções da Madrasta, ao apresentar sua filha Joaninha como sendo a dona do sapato perdido e tentar colocar o sapato na filha; e a catálise, a mentira da Madrasta impulsiona Maria a tomar a decisão de revelar quem é a dona do sapato encarnado. É pelo sapato encarnado que o Príncipe reencontra Maria e os dois preparam-se para o casamento (núcleo de fechamento total da segunda msq).

Outras ações catalíticas importantes para a história de Maria são as conseqüências das ações do Pai, cuja linha narrativa, que segue paralela à da filha, tem relações com a linha narrativa de Asmodeu. O Pai chega ao mesmo local onde se encontra Maria, no dia da festa, mas Asmodeu transforma-se em Asmodeu velho e convence o Pai a continuar a caminhada e a procura. Tal catálise traz implícito o indicativo de que está cada vez mais próximo o encontro do Pai com a filha.

A mesma função núcleo que fecha a msq de encontro de Maria com o Mascate – Maria é encontrada por meio do sapato e prepara-se para o casamento - abre nova msq, pois Maria aceita casar-se com o príncipe. Ações menores que decorrem da abertura da msq desaceleram o ritmo da narrativa e detêm-se no significado das provas pelas quais Maria deve passar. Na casa grande, uma mucama informa sobre as três provas: as provas da mesa, da cama e do banho. Tais ações catalíticas preenchem espaço/tempo até o dia do casamento com o príncipe. Nesse dia, Maria está tensa e triste. Seu coração palpita pois seu Pássaro protetor está la fora piando e batendo suas asas contra as janelas da casa para chamar sua atenção. O Pássaro Incomum é atingido pelas flechas disparadas pelos empregados do príncipe. Maria desiste do casamento e corre para casa, desfazendo-se do vestido e dos sapatos e entregando o traje nupcial para a Madrasta. Coloca sua roupa simples e corre em direção ao Pássaro. Tais ações fecham a msq – aceitação do casamento.

Seguem-se ações na linha narrativa da Madrasta que constituirão funções núcleo para a história de Maria. Enquanto ela vai ao encontro do Pássaro, a Madrasta trata logo de colocar a roupa de Maria em Joaninha e enfiar os sapatinhos em seus pés. Mas ao ajustar o vestido que está rasgando, espeta Joaninha com um alfinete, a qual parece um balão que se esvazia e sai voando por aí. O reencontro de Maria com a Madrasta fecha a msq iniciada na Sq2. O núcleo do castigo da Madrasta marca o fechamento do núcleo do reencontro, ações que até então se desenvolviam em linhas narrativas paralelas.

A desistência do casamento (fechamento de msq) provoca ações catalíticas que precedem a abertura de novo núcleo na história de Maria: ela corre em direção ao bosque e tenta arrancar a flecha do corpo do Pássaro. Inicia a msq, Maria assiste à metamorfose do Pássaro em homem, a quem chamará de Amado. Maria chora ao sentir que o Amado é a parte que lhe falta e os dois se abraçam, até surgirem os primeiros raios do dia, quando ele volta a ser Pássaro. A sina de Maria passa a ser ansiar pelas estrelas, quando a ave se torna homem novamente. Da mesma forma, o Pássaro ama Maria:

Sou aquele que velei seu sono e segui seus passos. E não vi encanto em voar livre no espaço, nem em estar perto do manto das estrelas, nem no canto dos pássaros nas manhãs. Quis andar .... pela terra .... (Hoje é dia de Maria, 2005).