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3.4 Análise: imagens verbais e imagens verbo-visuais

3.4.2 Alguns recursos reveladores da (re)construção intertextual do espaço

3.4.2.4 As seqüências e os espaços

No filme, a freqüente utilização de um só espaço em cada seqüência pode funcionar como elemento de continuidade entre os planos ou como alternância de seqüência, podendo engendrar significantes específicos, que contribuem para a composição do espaço, formalizado como componente de uma dada construção da identidade nacional, na ficção cinematográfica. Trata-se de um espaço que serve de abrigo imaginário para os acontecimentos narrados. É o que ocorre na primeira seqüência do filme, por exemplo, quando encontramos Peri em meio à natureza, definindo o ambiente da trama. Trata-se de um exemplo de metáfora visual capaz de expressar sentimento, natureza e subjetividade concernentes à visão romântica do paraíso. É também o que se passa durante todo o filme, pois a cada seqüência temos a apresentação de novo ambiente, composto pelo verde das árvores, por edificações rochosas ou por objetos determinantes do tipo de ambiente ou de personagem, um prolongamento das imagens apresentadas verbalmente no romance de

Alencar. É o que percebemos na cena descrita pelo narrador do romance quando Cecília, no capítulo “A prece”, lamenta a ausência de Peri:

Tudo nesta recâmara lhe falava dele: suas aves, seus dois amiguinhos que dormiam, um no seu ninho e outro sobre o tapete, as penas que serviam de ornato ao aposento, as peles dos animais que seus pés roçavam, o perfume suave do benjoim que ela respirava; tudo tinha vindo do índio, que, como um poeta ou um artista, parece criar em torno dela um pequeno templo dos primores da natureza brasileira (p. 46).

A descrição dos aposentos de Cecília compõe uma imagem verbal da sua vivência e de seus hábitos, contando com os recursos naturais associados a objetos provenientes da Europa para a retomada do exótico como sinônimo de brasilidade. Conforme Marco (1993, p. 31), “o branco colonizador deve ter a virtude de harmonizar em seu espaço vital elementos de seu mundo de origem e do mundo novo descoberto”, para conseguir o “entrosamento entre os dois mundos”. A partir das palavras do narrador, poderíamos dizer ainda que Peri compõe o espaço recriando a atmosfera da natureza local dentro dos aposentos de Ceci, para lhe apresentar as riquezas locais que a circundam. Assim, “tudo tinha vindo do índio”, que, “como um poeta”, cria “em torno dela um pequeno templo dos primores da natureza brasileira”. Por meio dessa composição do espaço mais íntimo da amada é que Peri lhe apresenta os elementos da natureza local como integrantes da própria existência, levando-a a integrar-se à cultura local, e a acreditar que é filha dessas terras. “A cidade lhe aparecia apenas como uma recordação da primeira infância, como um sonho do berço [...]”, pois “toda a sua vida, todos os seus belos dias, todos os seus prazeres da infância viviam ali, [...] seus hábitos e seus gostos prendiam-se mais às pompas singelas da natureza [...]” (p. 288). Uma comprovação de que o romance insere a personagem num cenário pitoresco e exótico, que compreende a união de elementos da natureza local e do mundo civilizado.

No filme, a visualização da arquitetura da residência dos Mariz e do seu entorno é possível, por exemplo, na seqüência 11 (18’ 38”), quando Cecília entrega a arma a Peri. A descrição da seqüência, priorizando a mudança de planos, é um artifício para a explicitação da tese de que recursos cinematográficos relacionados à filmagem e à montagem contribuem para a composição de um painel ideal do Brasil-colônia. No primeiro plano, oscilando entre o plano de conjunto, plano americano136 e plano próximo, usando o travelling137, a câmera sai de 136 “Corresponde ao ponto de vista em que as figuras humanas são mostradas até a cintura aproximadamente, em

função da maior proximidade da câmera em relação a elas” (XAVIER, 1984a, p. 19).

um canto do quarto escuro para receber Cecília, que entra juntamente com a luz. Ela vem em direção à janela, abre-a, olha com preocupação para fora, e depois de ouvir um assovio afasta- se, sorrindo. Vai então até o leito, levanta o travesseiro e deixa ver uma caixa, de dentro da qual retira uma pequena arma, que, depois de envolvida num xale, é levada para fora.

A cena descrita aqui mostra com detalhes a composição do ambiente interno da fortaleza, especialmente dos aposentos de Cecília, onde a rusticidade dos objetos é misturada à delicadeza dos trajes da heroína, permitindo-nos uma ampla visão dos móveis, das paredes, da janela e das portas dos aposentos, fazendo uma descrição minuciosa da arquitetura e do seu gosto requintado.

Na cena dois, plano dois, temos ainda um plano geral de Cecília saindo pelos portões da fortaleza em direção à câmera, mostrando-a do ponto de vista da floresta, posicionada no seu interior. Aqui percebemos, em primeiro lugar, que a fortaleza é envolvida pelo verde da mata, possuindo muros altos, portões pesados e exibindo uma bandeira branca com uma cruz vermelha no centro. Em virtude da posição da câmera, poderíamos inferir que a floresta recebe e acolhe a heroína quando esta se afasta do mundo do colonizador e se aproxima do mundo do indígena. Uma imagem ideal da junção de raças e de culturas.

Assim, a idéia de um lugar ideal para a realização da felicidade é instaurada no filme como extensão das descrições do romance e, por conseguinte, dos viajantes europeus. Conforme afirma Rouanet (1991, p. 71-2), “em suma, essa verdadeira felicidade só poderia realizar-se em outro lugar que não a Europa. E, a partir de então, a utopia americana estava definitivamente vinculada a uma noção que, ainda hoje, raramente se desliga desse continente: o exotismo”. O exótico, definindo-se como “aquilo que ‘tem o encanto ou a fascinação do não familiar [...]’”, leva a um resultado imediato. Nesse sentido, “para a Europa, ver a América equivalia a domesticá-la, através da adequação de uma realidade estranha aos parâmetros do conhecido” (ROUANET, 1991, p. 72).

O plano três, cena três, exibe um plano próximo de Peri, na mata, olhando ao longe e movendo-se lentamente, como se procurasse ou esperasse algo ou alguém. Temos aqui a visualização do índio em meio à natureza. Em plano geral o espectador vê ainda, na floresta, Cecília, que, baixando um pouco o dorso como se enxergasse alguém, exibe um sorriso matreiro. Ela caminha em direção à câmera, que se move com ela, atingindo um plano médio. Sorrindo intensamente, corre e sai do foco da câmera. A cada mudança de foco ou de plano o espectador tem a chance de vislumbrar o espaço em que as personagens estão inseridas. Poderíamos dizer que se trata de uma reformulação do locus amoenus, dada a beleza exposta e a sonoridade, que permite ao espectador saber da existência de pássaros gorgeantes. É o que

também testemunham as atitudes das personagens, que se movem em ritmo coerente com o balanço das árvores e com o tilintar dos pássaros.

A seguir, percebemos ainda um primeiro plano de Peri, em diagonal, encostado a uma árvore, como se olhasse para alguém que se aproxima. Ele se move e esconde-se atrás do tronco da árvore. Parece olhar para Cecília, que, em plano de conjunto, sorri e corre delicadamente. Ela pára, olha de lado e sai para a direita. A câmera em movimento mostra as árvores atrás das quais encontramos Peri, que volta a esconder-se novamente. É a natureza, mais uma vez, servindo de pano de fundo para a ação da ficção cinematográfica, como uma extensão do cenário da ficção verbal, de forma a provar que “a contemplação da natureza tropical não perdeu, em momento algum, a sua majestade [...]” (ROUANET, 1991, p. 233), como um dado do exotismo ainda vigente em certas produções da mídia ficcional.

Na seqüência, temos uma visão próxima de Peri na mesma atitude anterior. Nesse foco, a imagem do herói, em halo desfocado, permite descobrir a imagem de Ceci ao fundo, aproximando-se. Ele se esconde atrás de uma árvore, demonstrando desconfiança. Agora, próximos da câmera ela o descobre, e em primeiro plano os heróis tocam as mãos. Num gesto repentino Ceci retira a sua mão, demonstrando timidez e surpresa. Ambos apresentam as faces sérias e contrariadas, ao que se segue o diálogo dos protagonistas e a entrega da arma e do presente perdido.

Imagem 7: Plano próximo de Ceci e Peri juntos na floresta (20’34”) Fonte: O GUARANI (1996)

Atos e palavras associados a gestos e expressões faciais sugestivos dos sentimentos dos heróis são presenciados na terceira cena da seqüência 11. Vejamos a seguir o diálogo dos protagonistas durante o encontro na mata e a troca de presentes:

(Peri) – Ceci tá zangada?

(Ceci) – Estou muito zangada com você. – Por quê?

– Você arriscou a vida caçando uma onça. – Ceci desejou ter uma onça viva!?

– E se eu pedisse uma nuvem? Disse sorrindo. – Peri ia buscar.

– A nuvem?

– Nuvem não é da terra. Homem não pode tocar. Peri morre e pede ao senhor do céu pra dar a Ceci.

[Nesse momento, Cecília descobre a arma e, com semblante terno e docilidade na voz, diz]:

– Não desejavas ter uma, pois aí a tens. Nunca a deixará, não é verdade? Pois é uma lembrança de Cecília.

– O sol deixará primeiro a Peri, do que Peri a ela.

[Peri, nesse momento, mostra o colar retirado do fosso e entrega a Cecília, dizendo]: – Peri foi buscar o presente perdido que caiu da janela de Ceci. – É lindo! Mas não valia tanto sacrifício.

– Peri sente não ter presente tão bonito pra dar a Ceci.

– O colar, eu nunca usarei. Retirando a flor do decote continua: – Põe esta flor no meu cabelo e ficarei feliz.

[Peri obedece à amada. Nesse momento, ouvimos a voz de Isabel, chamando]: – Cecília! Quando Cecília ainda acrescenta a Peri:

– Obrigada, Peri! Vou dar essa jóia para quem vai ficar mais feliz com ela. No romance, as cenas em questão se passam nos capítulos “Ao alvorecer” e “O Bracelete”, em que o encontro ocorre na entrada da cabana de Peri, e a restituição do bracelete se dá sob as ordens de Cecília, caracterizando certa disjunção na transposição das cenas.

As palavras ditas na cena do filme também contribuem para a composição do quadro em que se encontram os heróis. Como continuidade do cenário exposto no romance, inferimos que a arma, o colar de esmeraldas e a flor são característicos do momento histórico, dos hábitos do local, dando ainda certo tom de romantismo ao ambiente e tomando a natureza e seus elementos como representantes de um lugar ameno, onde a felicidade pode se realizar. Segundo o conceito de Elias Saliba (1991), esse poderia constituir o mundo perfeito, “o bom lugar” onde os heróis podem concretizar o amor como sinônimo do nascimento da nação. Segundo Rouanet (1991, p. 73-4, grifo do autor), “tal realidade domesticada vai construir um quadro ameno, expresso pelo pitoresco e pela cor local, que servem tão bem à ‘exaltação das imaginações’, especialmente numa época em que esses valores vão merecer destaque dentro do ideário romântico”, visão que é retomada pela produção do filme, com a natureza servindo

de cenário e de apelo ao elemento exótico: uma dada reconstrução da natureza como um novo locus amoenus. Além disso, o colar de esmeraldas – elemento pertencente à cultura civilizada – é recusado por Ceci, que o destina à prima Isabel, num gesto de reconhecimento de sua aproximação à cultura do branco. De modo diverso da prima, Ceci deseja aproximar-se dos elementos da natureza. Por isso pede a Peri: “põe esta flor no meu cabelo e ficarei feliz”. Ainda a partir desse ponto de vista, diríamos que quando Ceci entrega a arma a Peri aproxima-o do mundo do branco. Nesse sentido, os heróis se aproximam da cultura do outro, reconhecendo valores, cultos e hábitos.

Assim, a seqüência descrita mostra o ambiente em detalhes, deixando ver as paredes altas e fortes da edificação, os móveis pesados, os detalhes dos objetos, como a arma e os véus da cama de Cecília, após os quais temos as árvores e as flores, ao som dos pássaros. Tudo isso é animado pela presença das personagens, ambientadas e vestidas com trajes representativos da época e do lugar. Além disso, fazem um retrato da arquitetura e do gosto requintado da heroína.

As cenas descritas pelo narrador nos capítulos “Ao alvorecer” e “O bracelete”, e equivalentes no filme, mostram ligeira diferença de espaço, o que, a nosso ver, deve-se à economia a que recorrem com freqüência as produções nacionais, mas que, neste caso, não implica perda para a caracterização do ambiente da trama como espaço pitoresco e exótico, retomado das descrições do narrador de Alencar.

Outro aspecto interessante da produção de Bengell que nos permite ampliar a análise do espaço, tendo em vista a retomada da identidade nacional, é o formato das alternâncias de seqüências. Aí, a retomada da descrição da “realidade americana”, condizente com a visão do estrangeiro sobre o Brasil e presente no romance de Alencar, é perceptível em todas as alternâncias de seqüência do filme, especialmente entre a 10 e a 11, quando se tem a passagem do espaço externo para interno e vice-versa. Assim, a transposição do romance para o filme traz à tona uma perspectiva romântica do exotismo local, que, segundo Rouanet, compõe-se a partir de “uma concepção de exotismo que, apesar de não excluir a idéia de ‘estanheza’, foi ‘domada’ pela impressão de coisa curiosa. E este exótico, que se vê como num museu ou num zoológico, não assusta; pelo contrário, atrai e encanta” (1991, p. 75, grifo do autor).

Além da freqüente mudança de cenário quando da alternância de seqüências, visível nas cenas expostas acima, percebemos que, em O Guarani, quando se tem um plano geral utilizam-se também as entradas e saídas de campo, com o uso de travellings, sem deixar o campo de ação vazio. É possível, assim, termos uma visão global da ação e do cenário. As

personagens, estando geralmente em movimento, vêm muitas vezes ao encontro da câmera até serem enquadradas em um foco central. Na finalização da seqüência, a personagem caminha para fora do ângulo central, deixando o espaço povoado por personagens não centrais à cena mas que podem dar continuidade à ação com atitudes físicas ou com expressões significativas.

Episódio elucidativo da questão é apresentado na seqüência 9 (17’ 07”), quando Cecília e Álvaro descem as escadas da fortaleza em direção à câmera, posicionada diante deles. No plano um, temos um plano de conjunto de Ceci e Álvaro surgindo detrás das pilastras, ao descer as escadas da edificação. A câmera, posicionada à frente das personagens, gira para a direita para focalizá-las ao centro. O casal pára diante do foco central da câmera fixa e continua a dialogar entre expressões de desagrado de Cecília e de arrependimento de Álvaro: (Álvaro) “– E gostaria de lhe pedir perdão em insistir em lhe dar o colar.” (Cecília) “– Fez mal! Não abrirei aquela janela enquanto ali houver um objeto que não veio de meu pai”. E, apesar da expressão de decepção do rapaz, Cecília continua: “ – Ora! Não fique assim, D. Álvaro! Faz com que eu me sinta culpada quando eu não sou”. Ele, então, move-se para a direita com expressão de tristeza. A câmera o segue, mantendo ambos sob seu foco. Movendo-se também, Cecília conclui: “ – Passe bem!”. E vai embora, deixando-o de cabeça baixa. Quando a moça já vai longe, ele segue por caminho diverso. A câmera gira então para a direita, encontrando Isabel, que os observa atrás de uma coluna, expressando desagravo e tristeza. A imagem da meia-irmã de Cecília sugere ao espectador a continuidade da trama amorosa.

Imagem 8: Plano americano de Ceci e Álvaro (17’12”) e plano próximo de Isabel (17’47”) Fonte: O GUARANI (1996)

A observação constante do casal dá vazão à idéia do sentimento de inferioridade da mestiça, tanto quanto possibilita ao espectador conhecer a tristeza de seu olhar, que, acompanhado de um longo suspirar profundo, revela o amor proibido. O resultado da

transposição do capítulo “A revelação” do romance conserva os acontecimentos, as interpelações e a expressão dos sentimentos das personagens, com as palavras do narrador sendo equivalentes a algumas imagens da câmera: “Álvaro vencendo enfim o seu acanhamento contou rapidamente o que tinha feito na véspera à noite”. Outras vezes supera a imagem visual: “Cecília levantou os olhos, e viu no rosto de Álvaro tanta amargura e desespero, que sentiu-se comovida” (p. 72).

Na seqüência em questão é a aproximação de Álvaro e Ceci da câmera que dá origem ao diálogo, e é o distanciamento dos dois que faz surgir Isabel, observando-os ao longe. No romance, a cena dessa observação de Isabel é trazida à tona quando “Cecília viu perto a Isabel que devorava esta cena com um olhar ardente” (p. 73). Assim, por meio da evolução de planos gerais para closes e de travellings, a tomada possibilita a apresentação da seqüência narrativa e, ao mesmo tempo, uma farta visualização da edificação da esplanada, mostrando as paredes altas e espessas e as escadarias feitas em pedra bruta, elementos característicos do período representado.

Na seqüência 10 (17’ 56”), posterior à citada, temos Aires Gomes e D. Lauriana do outro lado do pátio da fortaleza. Na seqüência 8 (12’ 21”), podemos ver os agregados na senzala. Assim vão se apresentando os ambientes componentes do quadro geral expostos na tela, à semelhança de como se apresentam espaços e personagens no romance de Alencar.

Essa animação do espaço off138, à maneira de Antonioni (em Crônica de um Amor),

com o prolongamento das saídas de campo, atribui animação ao espaço já desprovido da ação central. Dessa forma, poderíamos dizer que “desde que a personagem entra efetivamente no campo139, essa entrada propõe retrospectivamente a nosso espírito a existência do segmento de

espaço de que ele surgiu [...]” (BURCH, 1973, p. 30), dando uma noção maior do que é o ambiente “povoado” pelas personagens, e que, supostamente, compõe o cenário da ação.

De maneira geral, podemos dizer que os longos planos, as entradas e saídas típicas das personagens no filme, conservando quase sempre o aspecto humano e o movimento, associados à fartura de panorâmicas com alguns “sobrevôos” da câmera, especialmente nas primeiras e nas últimas seqüências do filme, de forma a reiterar a composição de um espaço geográfico local característico, propicia o desenrolar de fatos e a circulação de personagens descritos como típicos da nação.

138 Segundo Aumont e Marie (2003, p. 214), a preposição off, abreviação de off screen, significa literalmente

“fora da tela”, ou fora de campo, sendo “aplicada unicamente, no emprego corrente ao som [...]”, mas, segundo Burch (1973), é possível tratar do espaço usando o termo off.

139 “O campo é a porção de espaço tridimensional que é percebida a cada instante na imagem fílmica”

Os recursos em questão contribuem fartamente para a composição da descrição das florestas, assim como podem traduzir uma visão da arquitetura do Brasil colonial, trabalhando ainda para a manutenção da idéia de que “a realidade exótica do Novo Mundo é então um ‘quadro’ que, como obra de ‘pintores ou poetas’, destina-se a tocar a ‘emoção’ e a fazer ‘sonhar’ essa tão falada ‘imaginação’” (ROUANET, 1991, p. 76, grifo do autor). Vejamos, por exemplo, a seqüência 12 (22’ 20”), em que Isabel e Cecília caminham em direção ao rio. Nesse momento, além da expressa visualização do perfil das personagens, temos planos gerais que caracterizam o ambiente. A câmera posicionada num ponto fixo abrange, em plano geral, as personagens envolvidas pela natureza tropical, compondo o mesmo espaço privilegiado pelos românticos como “o invariável pano de fundo sobre o qual se poderão desenvolver os argumentos da caracterização nacional” (ROUANET, 1991, p. 243).

Nessa mesma seqüência, podemos vislumbrar ainda a beleza da cachoeira em que Álvaro é percebido pelas raparigas, cena que transpõe uma imagem do romance acontecida na esplanada: “Quando as duas moças atravessaram a esplanada, Álvaro passeava junto da escada” (p. 58). Ainda na seqüência 12, após o primeiro diálogo entre Ceci e Isabel, um novo plano apresentando uma panorâmica das árvores faz a câmera descer até encontrar as moças que vêm em direção ao olho da câmera. Elas acenam para alguém. Em uma nova panorâmica do lugar, Álvaro é focalizado diante de uma cachoeira, acenando para as moças. Numa outra panorâmica do ambiente, ainda com Isabel e Cecília focalizadas de frente, em plano geral, dispostas ao lado direito da tela, elas conversam.

Seqüências dessa natureza reafirmam ainda a composição de um painel da geografia tropical em que se passa a trama, de maneira a transpor a visão ideológica do romantismo alencariano, pautado na descrição da terra como símbolo da cor local, para o cinema, numa retomada da natureza como “uma das vigas mestras da construção do discurso romântico”