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Serviços e programas de saúde mental no Brasil

3. A política de saúde mental no Brasil

3.6 Serviços e programas de saúde mental no Brasil

O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)

Historicamente, o CAPS inicia-se no Estado de São Paulo, dentro de uma tradição em políticas de saúde mental que buscam alternativas ao modelo centrado no hospital psiquiátrico, que se desenvolvem desde 1970, e nas quais se destaca a influência de Luiz da Rocha Cerqueira, coordenador de saúde mental do Estado em 1973. Em 1983 Marcos Pacheco T. Ferraz assume esta função e estabelece com sua equipe as seguintes prioridades: “(a) implantar ações de saúde mental em centros de saúde, com uma equipe mínima composta por psicólogo, psiquiatra e assistente social; b) ampliar a rede ambulatorial; c) recuperar os leitos próprios; d) promover regionalização, hierarquização e integração dos serviços”. (Ferraz e Morais, 1985). Goldberg (1994), descrevendo o contexto da implementação destas medidas, observa que, apesar dos pacientes psiquiátricos terem mais possibilidades de tratamento que não a internação, “O paciente psicótico acabou surgindo como o grande índice de disfunção na estrutura da rede” (pg. 106), quer pelo investimento insuficiente nesta rede, que logo se mostra superlotada, quer pela falta de “elaboração de uma prática voltada para a clínica individual da psicose” (pg. 105).

Na mesma época é criado o “Programa de Intensidade Máxima” (PIM) em alguns dos ambulatórios de saúde mental, no qual o paciente em crise poderia ser atendido todos os dias, de segunda a sexta-feira, em atendimentos grupais ou individuais, visando resolução do quadro agudo sem recorrer á internação psiquiátrica. A lógica deste modelo seria seguida na gestão municipal da capital de 1989 a 1992, com a criação de Hospitais–dia e enfermarias em hospital geral para pacientes agudos, e acompanhamento dos pacientes estáveis nos ambulatórios e postos de saúde, além dos centros de convivência e cooperativas (Carreiro et al, 2009).

Em 1986, uma comissão designada pela coordenadoria estadual de saúde mental, desenvolveu uma nova proposta para atendimento de pacientes com transtornos mentais graves, no âmbito do “Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira – Projeto Docente-Assistencial Multicêntrico”, que passaria a funcionar no casarão da extinta Divisão de Ambulatórios da Coordenadoria de Saúde mental do estado de São Paulo (Goldberg, 1994). O nome Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) foi sugerido pela Professora Ana Pitta, inspirada na experiência de cooperação internacional entre o governo da Nicarágua e o italiano Istituto di Ricerche Farmacologiche Mario Negri (Kraudy et al, 1987, Saraceno et al, 1990).

O CAPS Luiz R Cerqueira foi inaugurado em março de 1987. A proposta do CAPS desde seu início vislumbrava a possibilidade de acompanhamento de longo prazo, em regime intensivo (de início o serviço funcionava apenas na parte da manhã, estendendo seu horário nos anos seguintes das 8:00 as 17:00, de segunda a sexta- feira). Os pacientes eram triados por dois profissionais, um dos quais passava a ser sua referência na instituição, e era contratado com este (e seus familiares, se fosse o caso) que ficaria por um período de 15 a 30 dias freqüentando as atividades do CAPS para observação pela equipe técnica. Essa equipe discutia nesse período a adequação do paciente ao CAPS (ao mesmo tempo em que o paciente era chamado a decidir se concordava com o tratamento proposto), caso contrário, era encaminhado a um outro serviço. Uma vez admitido, um projeto terapêutico individual era elaborado.

As principais referências teóricas citadas por Goldberg (1998) nesses anos iniciais do CAPS foram a experiência da reforma italiana, já citada, em especial a rede de serviços de Trieste; a psicoterapia institucional, como praticada na Clínica de La Borde, e no Hospital St. Alban; além da psiquiatria de setor francesa (a região portuguesa de Setúbal tinha na época um projeto nesta linha e trocou experiências com o CAPS). Nesses primeiros anos de funcionamento, oficinas de trabalho protegido são incorporadas ao projeto, bem como outras oficinas com objetivos diversos: expressão artística, promoção da auto-estima e cuidado de si, entre outras. A Associação Franco Basaglia, de apoio às iniciativas desenvolvidas no CAPS, é criada em 1989, com a participação de pacientes, familiares e técnicos de saúde mental.

Alguns princípios desenvolvidos nos primeiros anos do projeto permanecem como característicos do atendimento no modelo CAPS: a) a equipe multiprofissional, que divide a responsabilidade pelos casos (formado grupos menores de profissionais, as chamadas mini-equipes) e atividades do CAPS; b) o técnico de referência do paciente dentro da equipe (que guarda algumas semelhanças com o case mananger desenvolvido nos EUA (Mueser et al, 1998); c) a validação e estímulo às manifestações e reivindicações do usuário do serviço; d) o atendimento das necessidades do usuário vistas como um todo, para aspectos essenciais da inserção social do paciente, como moradia, renda, rede de relacionamentos.

Por todo o país, novos projetos, dentro desse modelo em desenvolvimento, serão criados, por exemplo, a experiência do município de Santos, a partir de 1989 (Nicácio, 2003), no qual que o modelo CAPS (lá batizados de Núcleos de atenção psicossocial – NAPS) absorve outro de seus elementos fundamentais: a responsabilização pela cobertura em saúde mental de todas as demandas em seu território de ação.

A incorporação definitiva do modelo CAPS à política de saúde mental, se dá em 2002. A portaria no 336 de 2002, do Gabinete do Ministro da Saúde (Brasil,

Ministério da Saúde, 2004), define os CAPS como “serviço ambulatorial de atenção diária que funcione segundo a lógica do território”. Os CAPS podem ser classificados em três modalidades, de acordo com sua complexidade: CAPS I, II ou III. O CAPS II pode, por sua vez, ser dirigido para o atendimento de adultos em geral ou para populações específicas, como infância e adolescência (CAPS i) ou para problemas ligados ao uso de álcool e outras drogas (CAPS AD).

As três modalidades de serviços cumprem a mesma função no atendimento público em saúde mental, devendo estar capacitadas para realizar prioritariamente o atendimento de pacientes com transtornos mentais graves e persistentes, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo e não-intensivo. A portaria também especifica as tarefas esperadas do CAPS, para além do atendimento clínico:

“a) responsabilizar-se, sob coordenação do gestor local, pela organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental no âmbito do seu território; b) possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido na Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), por determinação do gestor local;

c) coordenar, por delegação do gestor local, as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas no âmbito do seu território;

d) supervisionar e capacitar as equipes de atenção básica, serviços e programas de saúde mental no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial;

e) realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes que utilizam medicamentos essenciais para a área de Saúde Mental regulamentados pela Portaria/GM/MS no 1.077, de 24 de agosto de 1999, e medicamentos excepcionais, regulamentados pela Portaria/SAS/MS no 341, de 22 de agosto de 2001, dentro de sua área assistencial.”

As diferenças entre as três modalidades estão no seu horário de funcionamento e tamanho da equipe (tabela 1), além de se presumir que, nos municípios menores, as demandas deveriam ser menos complexas. Define-se como atendimento intensivo aquele destinado aos pacientes que, em função de seu quadro clínico atual, necessitem acompanhamento diário; semi-intensivo é o tratamento destinado aos pacientes que necessitam de acompanhamento freqüente, fixado em seu projeto terapêutico, mas não precisam estar diariamente no CAPS; e não-

intensivo é o atendimento que, em função do quadro clínico, pode ter uma freqüência menor.