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Sexto horário – Mais que um horário a mais

5.4 Condições funcionais para o trabalho no REM

5.4.1 Sexto horário – Mais que um horário a mais

Inserido em contextos que mantêm semelhanças, Bairro Tupi e Bairro Taquaril, o Projeto foi destinado a “jovens” que apresentam elementos comuns e de diferenciação, mas vivenciam essencialmente a mesma condição de aluno nas escolas, dentro dos tempos que são estabelecidos por um único sistema na Rede Estadual de Educação.

Uma das condições, aqui entendida como exigência do REM, foi a extensão (obrigatória) do turno escolar a todos os alunos, com a inserção do 6º horário somente para as turmas do 1º ano, o que provocou reação de toda a comunidade escolar. Essa extensão de carga horária, embora tenha interferido de forma mais evidente na rotina dos estudantes e de suas famílias, provocou desestabilizações também na rotina de trabalho do professor com reflexos que ainda haveriam de ser sentidos mais à frente, caso o Projeto se efetivasse como uma política pública.

Em relação aos estudantes e suas famílias, insatisfações com a extensão do horário foram explicadas por motivos justificáveis, como o perfil de trabalhador assumido por alguns alunos, pela indisponibilidade dos pais que buscavam os filhos de diferentes turmas na escola, e por diversas circunstâncias familiares específicas.

Nas observações dos professores e coordenadores das escolas pesquisadas, a reação sentida na escola, conforme relatos, foi assim descrita:

Do ponto de vista operacional foi uma luta, eu diria uma guerra, no sentido assim de que, era um controle físico para o aluno não ir embora no sexto horário. Nós fazíamos uma barreira humana no corredor da escola porque a gente convivia com a situação do aluno 2º ano que saía mais cedo. E do 1º. que, na cabecinha dele, ele era obrigado a ficar. Então do ponto de vista operacional foi desgastante. Foi sofrido, manter esse aluno aqui com uma carga horária maior. (Depoimento de Júnia, 2015).

É uma situação que a gente atende uma clientela muito boa. Uma clientela que tem condição sim, mas que dentro desses ainda há os que têm muita necessidade. E tinham que sair mais cedo, pra almoçar, pra poder se preparar pra chegar no emprego, que geralmente começava a partir das 13 horas. Então a gente teve que dar autorização especial pra esses saírem. Porque quando foi implantado no primeiro ano, os meninos que já estavam no segundo ou terceiro saiam no horário de 11:30h e os outros, que estavam entrando no primeiro ano tinham que sair no horário de 12:20h. (Depoimento de Morgana, 2015)

O aluno queria sair porque não admitia. Era o primeiro ano e eles tinham vindo da Prefeitura. Eu acho que lá era diferente. Parece que era diferente. E ainda chegam aqui com seis horários. Eles reclamaram muito. (Depoimento de Carlos Antônio, 2015)

Em relação à alteração na vida dos estudantes e suas famílias, um fato me chamo u muito a atenção e foi relatado pela coordenadora Glória, da “Tancredo Neves”. A reação contrária ao sexto horário estaria ligada a um detalhe importante, não previsto no Projeto, mas que só pôde ser compreendido pela presença e experiência docente:

A princípio porque eles reclamavam, porque estavam com fome, não estavam acostumados. Eles não tinham o hábito de merendar na escola. Tanto que esse problema nós herdamos. Porque a merenda hoje na escola, a gente tá tendo que nos virar pra ter a merenda. Porque antes a gente fazia era, turno da manhã são 600 alunos. Nem 200 alunos merendavam. Eles tinham vergonha de merendar. De sentar lá com os outros. Então, a partir dali, por eles ficarem mais tempo e quantas vezes eu sentava com eles no refeitório, na hora da merenda, eu sentava no meio deles lá, vou merendar aqui com vocês hoje. Sentando junto com eles lá. Então, hoje praticamente todos os alunos merendam. Então, nós estamos com um problema que a gente puxou pra escola. Porque hoje a gente tem que ficar assim, regrando a merenda, não pode ser o tanto que eles querem é o tanto que dá pra gente fazer. Igual eu falo, é um lanche, não é um almoço e a princípio a gente fazia isso. Começou dando um leite entre o quarto e quinto horário. Tentamos adequar aqueles que trabalhavam, aqueles que trabalham, nós fizemos uma adequação com eles, com o trabalho. Dois dias eles saíam mais cedo, dois dias o patrão deixava eles chegarem mais tarde. Então, a gente combinou isso aí pra gente conseguir. (Depoimento de Glória Regina, 2015)

O REM condicionado ao 6º horário, assim se manteve nos três anos de implementação. A adequação dos estudantes e suas famílias a essa nova regra foi favorecida também pela solução dos problemas que essa mesma exigência provocou. A solução para

situações inusitadas, imprevistas, mas diria melhor, impensadas, só poderiam ser viabilizadas pela experiência docente.

E soluções teriam que ser pensadas para os próprios professores, pois também sua rotina diária de trabalho, embora não tenha havido aumento de jornada de trabalho, viveu situações extraordinárias, não previstas pelo Projeto. Menciono como exemplo:

Foi criado um sexto horário, e não estávamos preparados pro sexto horário. Então, é... Teve que ser negociado, com o corpo docente essa questão de mais um horário. Porque muitos professores dobram. Foi um aspecto assim, terrível para adequação. Porque foi engolido de uma hora pra outra pra nós. Vai ter sexto horário e pronto. Tá? Aí, reorganizou e não colocaríamos as aulas da empregabilidade nos últimos horários. (Depoimento de Morgana, 2015).

Essa dupla jornada muitas vezes é cumprida em escolas de outra Rede. Portanto, era preciso pensar solução para várias circunstâncias, situações, características funcionais docentes.

Outros reflexos do 6º horário na organização da grade de horários das escolas foram observados. Um deles, em especial, diz respeito às disciplinas que têm carga horária semanal reduzida como Filosofia e Sociologia. A montagem dessa grade exigia atenção a fim de não causar prejuízo para o aluno. O professor Renato me expõe a situação do horário a partir de seguinte diálogo:

Pesquisadora: Quantas aulas de Filosofia para o primeiro ano, por semana? Renato: Uma aula por semana...

Pesquisadora: E a sua aula era no sexto horário?

Renato: É, justamente porque o REM entrou na grade assim, em horários diferentes, não só nos últimos horários. Aí...

Pesquisadora: Mas a Filosofia com um horário só...

Renato: ...no sexto horário. É o que eu achei também que acrescentou muito por causa disso porque você joga filosofia para o sexto horário, os meninos já ficavam enfurecidos por causa do sexto horário. Essa ideia de sexto horário. E tinha problema com isso.