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Sexualidade e a construção das identidades

No documento marildadepaulapedrosa (páginas 98-100)

3 MODELAGENS: VASOS PERFEITOS E IMPERFEITOS SEXUALIDADES,

3.1 Sexualidade e a construção das identidades

Gostaria de iniciar esta parte esclarecendo o meu entendimento quanto ao uso do termo sexualidade. Entendo sexualidade como um conjunto de construções discursivas realizadas no campo social em cada cultura. Como afirma Giddens (1993), sexualidade é tudo que se produz, via linguagem, sobre os desejos, emoções, vivências, práticas, pensamentos. Ampliando essa discussão, Foucault (2006), chama de sexualidade não somente o discurso produzido sobre o corpo, o desejo e os comportamentos sexuais dos sujeitos, mas vai demonstrar como foi se constituindo um campo prolongado do poder, como algo produzido e produtor de numa sociedade originada a partir do século XVIII, que investe incansavelmente na construção de saberes e de discursos sobre aspectos fundamentais da vida e dos sujeitos. Assim, a maneira como o sujeito vivencia sua sexualidade está intimamente vinculada “[...] a inúmeros fatores como geração, raça, nacionalidade, religião, classe, etnia [...]” (LOURO, 2001, p.9), e tantos outros.

As formas de se vivenciar as possibilidades de prazer, de tornar-se homem ou mulher são sugestionadas socialmente e neste âmbito são continuamente renovadas, reguladas, condenadas ou negadas (LOURO, 2001). Butler (2001), argumenta que: “O ‘sexo’ é, pois, não simplesmente aquilo que alguém tem ou uma descrição estática daquilo que alguém é: ele é uma das normas pelas quais o ‘alguém’ simplesmente se torna viável, é aquilo que qualifica um corpo para a vida no interior do domínio da inteligibilidade cultural” (p.154-155). Desta maneira, a sexualidade configura-se também na Modernidade como uma das normas construídas que servirá de parâmetro para análise do sujeito a ser produzido para a sociedade. Juntamente com a anatomia do corpo vem se estabelecendo modelos, parâmetros, nos quais os corpos poderão ser medidos, comparados, rotulados, corrigidos, enquadrados.

A colocação da sexualidade em discurso, durante o período moderno, e as tentativas de sua ocultação e controle parecem ter proporcionado, ao contrário da idéia de repressão e segredo, uma visibilidade e uma explosão discursiva, parecendo promover uma exposição das inúmeras identidades sociais:

Novas identidades sociais tornaram-se visíveis, provocando, em seu processo de afirmação e diferenciação, novas divisões sociais e o nascimento do que passou a ser conhecido como política das identidades. [...], a sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas social e política; [...] a sexualidade é “aprendida”, ou melhor, é construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos (LOURO, 2001, p.11).

Olhando por este viés, é possível perceber que a sexualidade não tem nada de natural, de fixo, de determinado, pois ela:

Envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções... Processos profundamente culturais e plurais. Nessa perspectiva, nada há de exclusivamente “natural” nesse terreno. [...] As identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade (LOURO, 2001, p. 11).

Assim sendo, nesta pesquisa, a sexualidade pretende ser compreendida como “dispositivo histórico”:

A sexualidade, afirma Foucault, é um “dispositivo histórico” (1988). Em outras palavras, ela é uma invenção social, uma vez que se constitui historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo: discursos que regulam, que normatizam, que instauram saberes, que produzem “verdades”. Sua definição de dispositivo sugere a direção e abrangência de nosso olhar: “um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais e filantrópicas (...) o dito e o não dito são elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos” (FOUCAULT apud LOURO, 2001, p. 11-12).

Desta forma, parece possível supor que as identidades sociais são definidas no âmbito da história e da cultura. Mas a construção das identidades se dá de maneira relacional, múltipla e distinta para cada sujeito, possibilitando uma pluralidade de processos de identificação, em constante produção (LOURO, 2001). Porém, em um mesmo sujeito diversas identidades se constroem: de filho(a), de pai ou de mãe, de estudante, de professor(a), de namorado(a), e tantas outras. Esta pluralidade de identidades relaciona-se entre si às vezes de forma harmoniosa, às vezes de forma contraditória:

Essas múltiplas e distintas identidades constituem os sujeitos, na medida em que esses são interpelados a partir de diferentes situações, instituições ou agrupamentos sociais. Reconhecer-se numa identidade supõe, pois, responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de referência. Nada há de simples ou de estável nisso tudo, pois essas múltiplas identidades podem cobrar, ao mesmo tempo, lealdades distintas, divergentes ou até contraditórias. Somos sujeitos de muitas

identidades. Essas múltiplas identidades sociais podem ser também, provisoriamente atraentes e, depois, nos parecerem descartáveis; elas podem ser rejeitadas e abandonadas. Somos sujeitos de identidades transitórias e contingentes. Portanto, as identidades sexuais e de gênero (como todas as identidades sociais) têm o caráter fragmentado, instável, histórico e plural (LOURO, 2001, p. 12). Assim, é possível supor que o desconhecimento ou o não reconhecimento do processo de produção de nossas múltiplas identidades e dos fatores que influenciam sua construção ou desconstrução é que nos levem a pensar nas identidades sexuais e de gênero como algo inerente ao sujeito, algo de sua natureza, e que “a admissão de uma nova identidade sexual ou uma nova identidade de gênero é considerada uma alteração essencial, uma alteração que atinge a ‘essência’ do sujeito” (LOURO, 2001, p. 13).

Talvez enxergar a sexualidade como uma construção histórica possa mudar a maneira de ver a constituição dos sujeitos e da sexualidade como algo natural e nos incite a questionar como foi construída esta forma de conceber a identidade de gênero e sexual como essência, ou a problematizar que modelos e/ou representações de identidades em torno da sexualidade foram construídos na Modernidade. Como a maneira de lidar com minha sexualidade interfere na sexualidade do outro? Como as sexualidades também estão servindo para capturar e enquadrar os sujeitos? Como elas interferem na construção das diferenças?

No documento marildadepaulapedrosa (páginas 98-100)