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CAPÍTULO 3 DIMENSÕES DO INTERESSE SOCIAL E “SHAREHOLDER VALUE”

4. RISCOS AO COMPLIANCE EMPRESARIAL E INTRESSE SOCIAL: LIMITES E

4.2 SHAREHOLDER VALUE E INFLUXOS DA CRIMINOLOGIA ECONÔMICA

4.2.1 Shareholder value, associação diferencial e influências no compliance

Antes de ingressar no tema propriamente dito, cabe advertir que a teoria do

shareholder value não serve de amparo à prática dos delitos corporativos

(FRAZÃO,2017d). Porém, ao ter como única preocupação o lucro obtido em curto prazo favor dos acintosas, é propícia ao isolamento moral na seara empresarial, dificultando maiores reflexões sobre as restrições ou barreiras éticas. O resultado disso é a geração de uma plataforma cultural favorável aos crimes corporativos, em facilitação da disseminação dos processos de associação diferencial reconhecidos por Sutherland (2016) e vinculados à criminalidade corporativa.

Conforme alisando no Capítulo 2, para Sutherland (2016, p. 351), o crime de colarinho branco tem sua gênese no mesmo processo geral condutor de comportamentos criminosos, resultando de uma aprendizagem em associação do indivíduo com aqueles que definem de forma favorável o comportamento criminoso e em isolamento com relação a quem define a prática de modo desfavorável.

Corolário disso, o engajamento com o crime corporativo ocorre porque os pesos das definições favoráveis ao delito excedem o peso das definições favoráveis ao compliance. Com efeito, o isolamento moral e a ausência de debate quanto aos aspectos éticos nos processos de deliberação negocial afastam os executivos e empregados das definições desfavoráveis às condutas ofensivas, principalmente, quando há um sentimento do caráter endêmico das práticas negociais antiéticas e ilícitas no mercado.

Portanto, trata-se de uma imunidade em relação às definições críticas que chega a ser reforçada pela ausência de um tratamento mais severo do ponto de vista persecutório face aos crimes corporativos e de menor indignação social, os quais resultam no

enfraquecimento das formas de controle social das condutas criminosas no âmbito das empresas.

Nesse contexto, o contexto organizacional torna-se um campo para a disseminação dos processos de aprendizagem, aptos a transmitirem para os agentes: (i) as técnicas de cometimento do crime, (ii) as motivações favoráveis às condutas ilícitas e; (iii) as formas de racionalização das condutas. Uma vez aprendido o comportamento desviante, a classe executiva e os empregados se apartam de contatos frequentes com atitudes de conformidade e do escrutínio crítico em relação às definições desfavoráveis ao crime.

Nesse cenário, os estatutos legais possuem pouca importância no controle do comportamento criminoso, até mesmo sob o ponto de vista da ausência de aceitação da legitimidade moral da regulação do comportamento empresarial. Não se pode olvidar que historicamente houve um grande espaço para a conservação de uma liberdade empresarial bastante agressiva, e que a regulação da atividade empresarial empresas apenas se iniciou efetivamente há pouco mais de um século. Assim, conforme notado por Sutherland (2016), é comum a retórica de amenização do poder moral da legislação pela crítica enfática à intervenção regulatória.

Por outro lado, a segmentação proposta por Milton Friedman (1970) entre a competência para a geração de lucros e a aplicação da ética nos processos gerenciais tem um resultado bastante perverso sob o ponto de vista de aplicação da teoria da associação diferencial. Isso porque o afastamento da empresa de seu papel social, especialmente pelo distanciamento dela em relação aos seus stakeholders, possibilita a alienação em relação às definições favoráveis aos objetivos de conformidade normativa e ética. Por outro lado, inibe-se o fortalecimento do controle social, tão necessário à formação de referenciais positivos de conduta.

Diante disso, um dos parâmetros de efetividade da autorregulação regulada, de atração dos stakeholders para galvanizar a conformidade das empresas, é duramente prejudicado pelo distanciamento entre a sociedade e a empresa, levando a efeito pela ausência de avaliação dos impactos sociais das ações empresariais e da inclusão procedimental das partes relacionadas na gestão.

Por isso, é acertada a análise de Leandro Sarcedo (2016, pp. 66-75), para quem a maximização dos resultados empresariais pode exercer uma força motriz em processos dos processos de aprendizagem no ambiente corporativo. Basicamente, existem choques e contradições quase inconciliáveis entre a maximização de lucros almejada pelas

empresas e os objetivos pró-sociais da estruturação das práticas de governança corporativa e de compliance, cujos efeitos são notados pela contínua disseminação dos processos de aprendizagem do crime.

Na verdade, a violação da lei muitas vezes decorre da necessidade de sempre auferir mais lucros137, e os obstáculos impostos legalmente a tal objetivo acabam por impulsionar o processo de aprendizagem de condutas antissociais (SARCEDO, 2016, pp. 72-73). Portanto, a maximização dos resultados empresariais é uma força motriz em processos de aprendizagem tão distintos quanto àqueles analisados pela teoria da associação diferencial (SARCEDO, 2016, p. 74).

Sem embargo disso, tais processos de aprendizagem, movidos pela maximização de ganhos, são contrários aos padrões e aos valores estabelecidos pela sociedade e propostos pelas boas práticas de governança (SARCEDO, 2016, p. 74). Assim, é no mínimo contraditório tratar o compliance como uma estratégia de enfretamento da criminalidade econômica eficiente quando o ambiente empresarial muitas vezes se estrutura em torno do primado da maximização de lucros para os acionistas.

De fato, o compliance pode explorar e irromper novas formas de aprendizagem na formação de definições desfavoráveis aos crimes econômicos e favoráveis ao comportamento conforme, sobretudo por ampliar os espaços de aproximação da empresa e stakeholders e diminuir o isolamento moral dos indivíduos reunidos na identidade complexa da empresa. Porém, para tal mister, é preciso redimensionar os propósitos da empresa – só a ótica do interesse social - e os deveres e as responsabilidades dos administradores perante a sociedade. Trata-se que uma questão primeira à efetividade dos programas de compliance.

Como resultado positivo, podem surgir novos modelos de liderança e de gestão alinhadores da maximização da riqueza para todos os stakeholders, englobando-se perspectivas de gestão atreladas aos objetivos de longo prazo. Logicamente, como pressuposto para um diálogo efetivo os stakeholders, a formação em ética negocial e o constante treinamento, em prol dos contatos frequentes com as definições favoráveis à conformidade, necessitam ser revigorados para transcender a perspectiva formalista e generalista de enfretamento dos dilemas éticos.

Na verdade, não há como identificar e sequer enfrentar os dilemas éticos se os propósitos empresariais forem estreitos demais, mormente diante da operação das

137Mesmo no campo da governança corporativa, a motivação primeira para o desenvolvimento das boas práticas de

técnicas de neutralização, aprofundadas a seguir. Portanto, o resultado do interesse social reduzido à maximização de lucros é a afetação dos juízos morais da classe executiva em relação aos impactos de suas decisões e a limitação da própria autocrítica, ampliando a influência das definições favoráveis aos crimes corporativos, e, por seu terno, desfavoráveis às iniciativas de compliance.

4.2.1 Anomia, oportunidades ilegítimas e subculturas delinquentes: