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Significados de Solidariedade na Modernidade

1 A SOLIDARIEDADE NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO

V, e a invasão de Constantinopla pelos turcos otomanos, no século X segundo Cáceres (1996).

2.3 Significados de Solidariedade na Modernidade

Ao longo da efusão dos acontecimentos da história que marcaram a Idade Moderna5, novas formas de solidariedade vão emergindo, acrescentando outros sentidos que vão se incorporando ou modificando os já instituídos.

Nesse período ocorreram fatos marcantes e mudanças significativas no pensamento e modo de vida das sociedades. A queda da economia feudal e o renascimento do comércio culminando com as grandes navegações, desenvolveram, no plano social, a burguesia; no político a ascensão do reinado e o declínio da igreja católica, surgindo uma série de movimentos que originaram a reforma protestante e a contra-reforma católica. No plano cultural surge o renascimento.

Este trouxe com o surgimento de novas condições de vida uma cultura humanística de valorização do homem e suas obras, embora, segundo Cáceres (1996), não se negue a existência de Deus. A ciência era a nova crença, na qual o misticismo e os livros sagrados foram substituídos pelo racionalismo e a experiência.

Mas foi nessa época que aconteceu uma das maiores demonstrações de des- solidarização da história. O poder religioso católico, em nome de Deus, reintroduziu com maior ênfase a Inquisição com o objetivo de restaurar o espaço perdido pelo catolicismo usando a força e a intolerância, instaurando a repressão as pessoas com idéias divergentes das preconizadas pela igreja.

Se essa era uma época caracterizada por mais liberdades e progresso, ao colocar o homem à direção do seu curso e ao promover novo processo econômico – capitalista – nela se afirmam, segundo Cambi (1999), comportamentos de autocontrole e de conformidade a modelos de “boas maneiras” (ELIAS, 1994) que revelam o nascimento de uma nova sensibilidade social. Amadurecem também atitudes de racionalização que origina uma ética da responsabilidade que se estende a toda a vida social, solicitando controle que é articulado em torno da institucionalização dos indivíduos com comportamentos sociais diferenciados, dando lugar, portanto, a uma vida radicalmente nova. Esta passou a exigir novas articulações na sociabilidade entre os indivíduos conclamando nova solidariedade.

5A modernidade tem início em 1453 com a tomada de Constantinopla pelos Turcos-Otomanos, terminando com

2.3.1 Solidariedades de família, urbanas e de corporações

Nessa época as formas tradicionais de solidariedade para Duvignaud (2000), que são o laço de sangue, as solidariedades urbanas e os agrupamentos técnicos ou de trabalho ampliaram-se. Foi dessa solidariedade imposta pela identificação com um antepassado mítico que provém a regra e a obrigação. A família como uma forma de sociabilidade tão universal, que alguns a chamam de natural, formou as imagens que as solidariedades de sangue impuseram à consciência dos homens, derivando a ética européia e a educação dos costumes.

Assim, vemos no sentimento de família nascidos do convívio na casa, indícios de elementos que caracterizam o conceito de solidariedade humana como o cuidado e a defesa dos laços de sangue. Ao mesmo tempo, nas relações urbanas o espírito cooperativo de ajuda e partilha era incentivado, originando o nascer de sentimentos de solidariedade entre as pessoas. A iconografia analisada por Ariès (1981, p. 223) permite acompanhar a ascensão de um sentimento neste período, o da família, que após o século XVI “[...] não é apenas vivida discretamente, mas é reconhecida como um valor e exaltada por todas as forças da emoção”.

A partir do momento que crescem entre si relações que não são de simples vizinhança, nem de dependência, mas de cooperação numa tarefa comum, o viver em conjunto, as solidariedades urbanas se estabelecem. Ressurge, assim o homem cidadão e a sociabilidade urbana pode ter sido a primeira das formas de solidariedade, sendo a invenção da cidade uma eclosão social, começando com a concessão da comuna6 aos habitantes de tal cidade.

Era no dia a dia, na face a face das pessoas reunidas no interior das cidades, na densidade social com as contradições passionais, na emergência da individualidade e na consciência de cumprir uma tarefa comum que estas solidariedades efêmeras surgem, possibilitando uma matriz de criação diversa, nova e que lhe sobrevivem. A sua apropriação pelas leis de um trabalho partilhado e pelas escolhas imaginárias ou sagradas abre-se em praças e em lugares de encontro, dando espaço para manifestações do artesanato, da política, do não fazer nada, emergindo um lazer pelo convívio das pessoas.

6 As comunas eram concessões feitas aos habitantes de um determinado povoado por um rei ou por um senhor,

desde o século XII ao XVI, que consistia na permissão de associação. Comuna tem o mesmo sentido que juramento comum: um contrato de solidariedade formado entre homens reunidos num mesmo lugar, a maior parte das vezes protegidos por muralhas. (DUVIGNAUD, 2000, p. 46).

Portanto, são as relações das famílias, do convívio urbano que nasceram do jogo, do poder e da cultura, que deram espaços para a liberdade e a criação dos laços afetivos em torno das pessoas e grupos de uma cidade.

Outros espaços de solidariedade que são apresentados por Duvignaud (2000) ressaltam os lugares de convivência nos quais se agrupam aqueles que partilham entre si uma atividade em comum, mística, mágica, uma prática de intervenção sobre o mundo, agregados pela busca do saber ou da criação das formas. Há uma distinção clara entre a solidariedade que une os sábios e a das pessoas comuns da cidade. Essa solidariedade era construída de acordo com os interesses comuns que os uniam e os moviam. Da mesma forma dos que unem os místicos e isotéricos, com seus rituais mágicos, reabilitando o mito Dionísio, trazendo consigo solidariedades ocultas e iniciáticas, solidariedades parciais para satisfazer pequenos grupos com objetivos comuns, de viver a sociabilidade – mesmo à custa de sacrifícios em alguns rituais. Era o que hoje Maffesoli (1997) chama de tribos, o sentimento coletivo e a emocionalidade partilhada, o estar junto necessário a toda vida social e atributos essenciais ao conceito de solidariedade.

A solidariedade que une as primeiras confrarias de operários nasce das novas necessidades que a vida urbana suscita, sendo o laço que une as particularidades de um trabalho. A sociedade que os agrega liga-se ao processo de fabrico que era mais ou menos secreto e exigia uma difícil iniciação, sendo, portanto, mais uma forma de solidariedade fechada com uma hierarquia rígida e punições severas para os que não seguiam as ordens à risca ou se rebelassem. Era um processo de interesses mútuos e cooperativos, sendo caracterizada como solidariedade de corporações, assim definida por nós.

Um agrupamento que surgiu foi o de estudantes vindos de todos os países da Europa, formando grupos de diferentes línguas que solidamente unidos aos mestres conseguiam o direito da sua existência em meio a conflitos do poder, constituindo uma forte solidariedade, mais consciente e mais poderosa. “É uma sociabilidade edificada sobre a utopia do saber e sobre o manejo das palavras” segundo Duvignaud (2000, p. 69). No entanto, a corporação universitária é ao mesmo tempo um empreendimento comercial: o comércio dos textos solidificando-se numa solidariedade ao mesmo tempo econômica e intelectual, a do saber, com mais autonomia que todos os outros corpos da sociedade civil.

Outra forma de solidariedade, segundo esse mesmo autor, que se faz presente nessa época é a dos artistas que não formam corporações nem defendem interesses comuns, mas que se agrupam entre meios efervescentes, e dessa convivência o artista extrai a sua força inventora. É nos espaços de convivência, ateliês, botequins, tavernas e cafés, que se dá forma

a uma convivência, partilhando o vinho, os prazeres e os jogos. É esse entretenimento intelectual de manipulações diversas que serve de laço e que ajuda à criação.

São essas diferentes formas de solidariedades que emergem da junção de pessoas ou grupos ao longo do processo civilizatório que lançam as raízes dos laços solidários entre os seres; sejam solidariedades da família, solidariedades urbanas, laços de saber, de magia e de criação, essas todas chamadas “naturais”, que se compõem, destroem-se e se recompõem ao longo das civilizações. Transformam, portanto, as mentalidades e silenciosamente vão mudando e emoldurando uma consciência que vem sendo construída na articulação de dois mundos, o antigo e o novo, deixando marcas na sensibilidade humana, formulando na memória afetiva do ser traços de uma solidariedade nascente que precisa se fazer presente nas demandas existenciais do presente-futuro, que é a emergência da humanização do ser pleno que requer o solidarizar-se.