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2. A TEORIA DOS CAMPOS CONCEITUAIS: CONTRIBUIÇÕES PARA NOSSA

2.3 SIGNIFICADOS E SIGNIFICANTES

Vergnaud (1996a) apresenta uma discussão sobre significados e significantes iniciando essa discussão com uma abordagem sobre sentido. Segundo Vergnaud, apesar de serem as situações que dão sentido aos conceitos matemáticos, o sentido não está nas próprias situações, mas nas relações do sujeito com as situações e os significantes, ou seja, o sentido se constrói na relação do sujeito com as situações e os significantes:

[...] são os esquemas evocados no sujeito individual, por uma situação ou um significante que constituem o sentido dessa situação ou desse significante para esse indivíduo. (VERGNAUD,1996a, p. 179).

Em outras palavras, o sentido de um conceito matemático para uma pessoa está no conjunto de esquemas que puderem ser colocados em prática no momento em que ela se depara com uma determinada situação. Ou seja, é uma construção pessoal e única, que depende da forma como o sujeito lida com as situações e as representações com as quais interage.

No entanto, nem todos os esquemas disponíveis são evocados para a resolução de uma situação em particular, mas um conjunto de esquemas, necessários para operar sobre os símbolos numéricos, algébricos, gráficos e de linguagem que a representam.

Na tríade (S, I, R) que define um conceito, conforme já explicitamos anteriormente, Vergnaud (1981) considera (S) a realidade e (I, R) a representação dessa realidade, que pode ser considerada como dois aspectos integrantes do pensamento: o significado (I) e o significante (R). Magina, Campos, Nunes e Gitirana (2001) exemplificam por meio dos números naturais a diferença entre a representação (significado, significante) e a realidade:

Quantas cartas estão representadas abaixo? Em termos matemáticos, o que significa 5 ? e V ?

Notamos aqui que temos dois signos (dois significantes) para representar uma mesma ideia (um significado) do número cinco. De fato ao longo da história, diferentes civilizações criaram diferentes signos para um mesmo significado. No caso acima, temos o algarismo arábico 5 (R – Significante) e o algarismo romano V (R – Significante) para representar o mesmo valor numérico cinco (I – significado), por exemplo, para representar a quantidade de cartas representadas (S- referente). Por outro lado, um mesmo signo (R – significante) pode ter vários (I – Significados). Por exemplo, o signo M pode ser usado para significar: o número mil (em algarismos romanos) como data em um monumento histórico, referindo-se ao seu ano de construção, ou o gênero masculino, quando se preenche um formulário de identificação de uma pessoa (MAGINA, CAMPOS, NUNES e GITIRANA, 2001, p. 10-11).

Observando o exemplo oferecido por elas, percebemos que, de fato, os significantes (símbolos e sinais) representam significados que são eles mesmos de ordem cognitiva e psicológica. O conhecimento consiste de significantes e significados: ele não é formado somente de símbolos, mas, também de conceitos e noções que refletem ao mesmo tempo o mundo material e a atividade do sujeito no mundo material (VERGNAUD, 1981 apud FRANCHI, 1999, p.173).

Coloca-se, desse modo, a necessidade de esclarecermos quais funções cognitivas têm os significantes na atividade matemática. Assim, considerando-se que a Matemática representa um conjunto de problemas práticos e teóricos com os quais nos deparamos, tornar clara a função da linguagem e dos outros significantes é um trabalho essencial. Esta função na Teoria dos Campos Conceituais é tripla e contribui para:

 a designação e, portanto, a identificação das invariantes: objetos, propriedades, relações, teoremas;

 o raciocínio e à inferência;

 à antecipação dos efeitos e dos objetivos, à planificação e o controle da ação (VERGNAUD, 1996a, p. 180).

Os significantes do tipo representações, priorizadas em nosso trabalho, assumem importante papel na construção do conceito de função linear, na medida em que são trabalhadas as diversas formas de representações das situações, como, por exemplo, a construção de tabelas, a representação gráfica e a elaboração da sentença algébrica que representa a situação.

Quanto às funções da linguagem, Vergnaud atribui a ela um papel de destaque. Para ele, é comum dizermos que estas funções compreendem a comunicação e a representação. Segundo Vergnaud, seria subestimar tais funções não considerar o auxílio da linguagem no pensamento, visto que o acompanhamento pela linguagem de uma atividade manual, ou de um raciocínio, não se origina apenas de sua representação.

O acompanhamento de uma atividade pela linguagem torna-se necessária para o sujeito quando, para ele, a sequência de ações não está suficientemente dominada. Dessa forma, a atividade da linguagem ajuda na realização da tarefa e na resolução do problema, além de assumir papel importante na implicação do

sujeito na tarefa, a sua avaliação da plausibilidade de uma hipótese ou de uma conclusão, ou ainda a relação destes elementos entre si.

A linguagem representa diferentes ordens de coisas, e a atividade da linguagem tem diversas funções. Como funções centrais, são destacadas por Vergnaud as informações pertinentes e as operações de pensamento, uma vez que elas representam, em linhas gerais, a atividade intelectual do sujeito.

 As informações pertinentes são expressas em termos de objetos (argumentos), de propriedades e de relações (funções proposicionais), de teoremas (proposições);

 As operações de pensamento em termos de seleção das informações; de inferência; de aceitação ou de anúncio das operações a fazer; dos resultados ou dos objetivos a atingir; da decomposição em etapas, da sequência de atividades a realizar (VERGNAUD, 1996a, p.181).

Segundo Vergnaud (1996a), o trabalho com situações novas é acompanhado por uma atividade linguística e simbólica. As representações simbólicas, além de ajudarem na resolução de problemas complexos, são também meios para identificar objetos matemáticos decisivos para a conceitualização, como por exemplo: as relações parte – todo, as relações estado inicial-transformação- estado final e a reciprocidade das operações de adição e de subtração, relação entre os coeficientes e as variações das variáveis no caso das funções lineares, entre outras relações.

Ao realizarem pesquisas com professores do Ensino Médio sobre o ensino de funções, Zuffi & Pacca (2000) verificaram que o uso da linguagem matemática é colocado como prioridade. As ideias inerentes ao conceito de função, tais como as noções de correspondência, domínio e imagem, a observação de “leis” ou “regras” como executante de transformações globais entre dois conjuntos, não ficava devidamente explicitada nas expressões utilizadas pelos professores.

Apesar de Vergnaud ter atribuído um papel fundamental à linguagem, tanto no que se refere à comunicação como no aspecto da representação, esta não pode ser considerada isoladamente ou de forma prioritária, visto que a linguagem (significante) é apenas um dos elementos da tríade por ele considerada como essencial para a construção de um conceito. Se a linguagem é priorizada, significa que as situações e os invariantes estão sendo colocados em segundo plano.

À luz da Teoria dos Campos Conceituais, na determinação do conceito, deverão estar presentes as situações, os invariantes operatórios e as representações. O conceito de função deve ser trabalhado a partir desses três elementos. Além disso, o aluno precisa desenvolver a capacidade de transitar entre os três elementos da tríade, ao invés de se ater a um ou outro elemento, como ocorre em várias situações.

Para facilitar essa compreensão, apresentamos um exemplo que elaboramos utilizando o conceito de função (Quadro 1), inspirado em um exemplo da Física, publicado por Carvalho Júnior (2008), ao apresentar o modo como poderiam ser trabalhados os conceitos de Calor e Temperatura, na perspectiva da Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.

Quadro 01. Exemplo de abordagem do conceito de Função CONCEITO: FUNÇÃO LINEAR

SITUAÇÕES PROPOSTAS INVARIANTES OPERATÓRIOS PASSÍVEIS DE SEREM CONSTRUÍDOS REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS Envolvendo relações Aritméticas Entre Grandezas

Variações iguais em uma variável correspondem a variações iguais na outra variável

Tabela

Expressão na linguagem usual Variável x em correspondência com

um único y

Diagrama de flechas Envolvendo relações

algébricas entre grandezas

Relação entre os coeficientes e as variações das variáveis

f (x) = ax + b

Envolvendo relações gráficas entre grandezas

As mudanças ocorridas no gráfico de uma função estão relacionadas com a alteração de seus coeficientes

Representação

gráfica da função (reta)

Fonte: adaptado de Carvalho Júnior (2008).

Apesar de termos apresentado apenas um exemplo visando identificar os três elementos em um conceito trabalhado, ressaltamos que o campo conceitual das funções envolve muitos outros conceitos, como o de variação e correspondência entre variáveis; de relação entre conjuntos, entre outros. Conforme o exemplo, uma função pode ser representada de diversas formas, que

correspondem ao que Vergnaud chamou de Representações (R): diagramas de flechas; tabelas; gráficos; expressão algébrica; expressão na linguagem usual.

Esse campo conceitual também envolve muitas situações da realidade que tornam o conceito significativo e constituem o conjunto de situações da tríade (S), como, por exemplo: a distância percorrida por um carro em velocidade constante é dada em função do tempo; o perímetro de um quadrado depende da medida do lado. Essas situações compreendem os contextos nos quais o conceito tem sentido para o aluno.

A preocupação excessiva com as apresentações formais desses elementos, como a ênfase em definições, na representação algébrica, por exemplo, quando o professor se propõe a trabalhar com os conteúdos, implica em negligenciar um aspecto fundamental no processo de ensino da Matemática que é a construção das ideias e de significado para aquilo que se aprende. Um exemplo desse equívoco é o reforço dado à definição de função apresentada pela maioria dos professores, principalmente do ensino médio, como um caso particular de relação.

Tal perspectiva tanto se apoia na organização de boa parte dos livros didáticos atuais quanto nos processos de formação inicial do professor. Para Lima, ao se definir função como uma relação em que a cada elemento x de A, faz corresponder um único elemento y de B, a definição tem “[...] o inconveniente de ser formal, estática e não transmite a ideia intuitiva de função como correspondência, transformação, dependência (uma grandeza em função da outra) ou resultado de um movimento” (LIMA, 2000 apud CARVALHO e CHAVES, 2004 p.06).

Além disso, é fundamental que o aluno compreenda o significado da representação gráfica das funções, ou seja, que ele perceba o movimento do gráfico de uma função como resultado da alteração de seus coeficientes. Nesse sentido, as OCEM sugerem que:

Sempre que possível, os gráficos das funções devem ser traçados a partir de um entendimento global da relação de crescimento/decrescimento entre as variáveis. A elaboração de um gráfico por meio da simples transcrição de dados tomados em uma tabela numérica não permite avançar na compreensão do comportamento das funções (BRASIL, 2006, p.72).

A partir daí, é necessário organizar um trabalho que leve o aluno a compreender que as representações nas linguagens usual, aritmética, algébrica e geométrica de uma função não são distintas, mas constituem diferentes formas de representar relações entre duas variáveis. Assim, os contextos aos quais podem ser associados os conteúdos poderão influenciar sua compreensão pelo aluno, aspecto sobre o qual iremos discorrer no Capítulo IV. Sobre as representações e seu papel na compreensão dos conceitos, trataremos no capítulo seguinte.