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2 DISCURSO, HEGEMONIA E POLÍTICA CURRICULAR

2.1 TEORIA DO DISCURSO: explicitando os operadores analíticos

2.1.3 Significantes vazios

O ato de significação que resulta da prática articulatória é o que se pode chamar, na perspectiva da Teoria do Discurso, de hegemonia. A hegemonia ocorre quando uma demanda particular passa a representar o conjunto das demandas articuladas, esta representação, porém, não é total nem transparente, mas é algo incomensurável em relação a essas mesmas demandas. A hegemonia, portanto, é uma particularidade que assume uma função de universalidade. Mas para cumprir essa função de representação universal, a

particularidade tem que se despojar de conteúdos precisos e concretos. Nesse sentido a demanda tende a se esvaziar de sua relação com significados específicos e vai se transformando num significante vazio. Um significante que perde a sua referencia direta a um determinado significado. Há uma proliferação de sentidos que tentam preencher o vazio.

Como lembra Laclau (2011, p. 75), o esvaziamento de um significante particular de seu particular significado é o que torna possível a emergência de significantes vazios como significantes de uma falta, de uma totalidade ausente. Nesse sentido, a emergência de significantes vazios é a própria condição da hegemonia.

O significante vazio na teoria laclauniana (LACLAU, 2011) é um significante que é entendido como vazio porque articula muitos sentidos diferentes e antagônicos. A articulação discursiva que consegue se impor, sempre de forma contingente e provisória a partir de um ponto nodal, é o que define uma hegemonia. Entretanto essa hegemonia contém em si mesma a sua possibilidade e impossibilidade de significação, posto que pela diversidade de diferenças que um discurso hegemônico articula é impossível que haja uma significação plena, capaz de abarcar todas as diferenças numa representação fiel e precisa de todas elas.

Para a Teoria do Discurso, o social é constituído por duas lógicas incompatíveis, mas igualmente necessárias: são as relações de diferença e equivalência. Nas relações de diferença expandem-se os antagonismos e as reivindicações democráticas, dificultando a centralização em torno de um só conflito. Nas relações de equivalência, as equivalências se expandem reduzindo os lugares do antagonismo, na tentativa de simplificar o terreno político, uma vez que os conflitos podem ser substituíveis; assim, os antagonismos podem se polarizar levando a um momento de ruptura radical (SOUTHWELL, 2008). Tanto num sentido como em outro, esta tensão constitui o social. A negociação entre essas duas lógicas é o que Laclau chama de o político. Assim, o político passa pela categoria de hegemonia porque é a hegemonia que explica a inversão de um conteúdo particular numa representação da totalidade.

Conforme discutido anteriormente, uma dada formação discursiva se torna hegemônica quando uma particularidade assume o papel de uma universalidade, de forma contingente e provisória, formando assim um ponto nodal na cadeia de significação, ou seja, quando as diferenças são esvaziadas, mas não anuladas, e a equivalência entre os elementos diferencias se unem numa totalidade discursiva capaz de representar as diferentes demandas em jogo no processo articulatório. No entanto, a formação de um ponto nodal numa cadeia articulatória depende da existência de significantes vazios capazes de articular a equivalência dos diferentes elementos de um discurso. Pela própria impossibilidade de representação plena

de demandas antagônicas num discurso consensual é que ocorre a negociação das diferenças na constituição de cadeias de equivalência.

Tal como discute Lopes (2011, p. 37) significantes vazios surgem pela própria impossibilidade de significação dentro de um dado discurso. Impossibilidade que não significa ausência de significação, mas é colocada pelo excesso e flutuação dos sentidos em circulação. Um significante se torna vazio quando seus conteúdos particulares vão se esvaziando até o ponto em que perdem a possibilidade de serem significados de forma plena e exata, pois a multiplicidade de sentidos que convergem para ele faz com que os antagonismos se articulem em torno de uma solução comum, possível de ser estabelecida em um determinado momento, com o consentimento dos sujeitos e grupos que participam da negociação.

Nesse sentido, um discurso hegemônico nunca é de forma alguma consensual, mas é uma resposta provisória a um problema que aglutina posicionamentos e interesses diferentes num determinado momento e que encontra unidade frente a uma diferença que é comum àqueles que participam do jogo político. A diferença proveniente de uma totalidade não homogênea e diferencial é um exterior contra o qual todas outras diferenças incluídas se antagonizam. É um opositor comum que todos desejam combater porque ameaça os seus interesses particulares. Esse opositor comum é denominado de exterior constitutivo.

Um significante, tendencialmente, vazio não pode ser concebido como um significante sem significado. Quando Laclau fala de significantes vazios tem em mente algo inteiramente diferente disso. O autor explica que existe um lugar no sistema de significação que é constitutivamente irrepresentável. Este espaço permanece vazio, mas é um vazio que pode ser significado pelo fato de estar se lidando com um vazio no interior da significação. Algo que Laclau compara com a análise do zero. Sobre isso diz o autor: “o zero é a ausência do número, mas ao dar um nome a essa ausência, estou transformando o zero em um”.

A partir deste raciocínio, o significante vazio não pode ser significado de forma fixa e transparente, mas ainda assim é um significante que continua fazendo parte do processo de significação, por isso mesmo não deve ser analiticamente apreendido como um conceito, mas como um “nome” no sentido antidescritivo que trata Laclau (2013), sem um conteúdo previamente definido. Isso se deve ao fato de que pela heterogeneidade da cadeia de equivalências, se não houver um esvaziamento (que nunca é completo) de sentidos precisos dos significantes que assumem a tarefa de hegemonizar um discurso, este se torna impossível. É nesse sentido que para Laclau a hegemonia é considerada um processo catacrético, ou seja:

Significantes que perdem seu sentido original, significantes que sem ter um conteúdo preciso, mesmo assim significam. Nomeia-se o que não se sabe nomear, o que é impossível nomear, mas torna-se necessário nomear. O que poderia ser apenas um fenômeno linguístico passa a ser entendido como a própria forma política de constituição do social. A importância do significante vazio está justamente em homogeneizar um espaço social essencialmente heterogêneo, vago e impreciso. (LOPES; MENDONÇA, 2013, p. 15)

Devo dizer que a Teoria do Discurso, enquanto sistema analítico que focaliza a produção da hegemonia discursiva, não estabelece nenhuma relação intrínseca com o campo da teoria curricular ou, mais especificamente, com o campo da política curricular. Laclau nunca se propôs a construir nenhuma teoria sobre educação ou sobre currículo. O seu sistema analítico está focado nos sistemas sociais e políticos, visto que se trata de um cientista político. A relação deste referencial com o campo do currículo é incorporada pelas pesquisadoras Alice Casemiro Lopes e Elizabeth Macedo nos seus estudos que se situam mais propriamente no campo da teorização curricular, conforme veremos a seguir.

É pela via do diálogo que estas autoras propõem entre a Teoria do Discurso e os problemas que emerge do campo do currículo e da política curricular que busquei me aproximar do referencial analítico de Ernesto Laclau. Defendo, portanto, que este referencial me possibilita analisar a política curricular do ensino médio enquanto um fenômeno, primeiramente, político, no sentido de que o político é compreendido como uma luta significativa que se trava pela construção do social. Com isso, deixo claro que não compreendo a política curricular como um objeto de estudos apenas de teorias pedagógicas ou curriculares, mas a partir da Teoria do Discurso, procuro entender a política curricular como um processo de disputa política pela fixação de sentidos hegemônicos para o currículo.

Um processo que envolve antagonismos, articulações, negociações entre diferenças e equivalências e a produção contingente de discursos que se hegemonizam sempre de forma precária e provisória, como forma de estabelecer orientações, acordos, diretrizes sobre o currículo num determinado contexto (histórico, político, social e cultural). Esta é lógica que assumo para investigação da política que elegi como objeto de estudo desta tese. Por este motivo, acredito ter sido importante caracteriza-la na seção inaugural deste trabalho. Cabe também dizer que no caso da pesquisa que busco realizar, reconheço que a Teoria do Discurso não me fornece todos os elementos necessários ao o meu intento. Portanto, é no estabelecimento de uma interação entre a teorização sobre currículo e a análise política do discurso de Laclau que busco os subsídios analíticos para o meu trabalho. Por isso, nos itens seguintes desta seção que caracterizo como uma seção eminentemente teórico-metodológica no corpo do trabalho me dedico a realizar uma discussão mais específica sobre currículo e

política curricular. Neste sentido, me aproximo, também, da teorização de Stephen Ball sobre o Ciclo Contínuo de Políticas e das incorporações que Lopes; Macedo (2011a; 2001b) fazem destes referenciais ao campo currículo. Assim, acabo fazendo um breve inventário das concepções que têm orientado os estudos na área, como também caracterizo o que compreendo como uma perspectiva discursiva de política de currículo, buscando demonstrar em que sentido tal perspectiva me auxilia na investigação dos discursos de integração no contexto da política de currículo para o ensino médio.