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Capítulo 1 Acerca do Teatro Tradicional Popular Transmontano

2.6. O figurino das figuras

2.6.7. Simeão, Nossa Senhora, São José e o Menino Jesus

Narrando o novo ciclo da Humanidade, Cristo será o Adão de uma nova era, porém será necessário que se introduzam anteriormente os primeiros passos dos mistérios da Virgem Maria: a educação de Maria no Templo, e o seu desejo de fazer voto de castidade ao Altíssimo; a primeira revelação a Simeão sobre as intenções supremas do casamento de Maria com José; a escolha deste por milagre divino, fazendo florescer açucenas no seu bordão; a visita da Virgem a sua prima Isabel e a profetização do Redentor; e o pranto de José, angustiado pela incompreensão da transcendência revelada. Toda a narrativa nos conduz até Belém, ao Presépio, ao nascimento.

Relativamente a este passo, todos os informantes revelaram tratar-se de um dos mais belos momentos, pela espetacularidade do mesmo, cheio de emoção, ao verem a Virgem montando um jumento. Estas personagens requeriam que se escolhesse para elas a melhor indumentária, com isso exteriorizando a beleza interior que o momento exigia.

Nas representações do Auto da Criação do Mundo ou Ramo, os acessórios usados - coroa de flores, auréola, manto azul e túnica branca – complementavam simbolicamente a

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pureza da representação. São José, em algumas representações, transportava acessórios de carpinteiro, mas também um bordão, um báculo digno da sua condição de patriarca, tal como as bárbaras brancas, refletindo não só a avançada idade, mas, sobretudo, como símbolo de conhecimento adquirido, conforme definira Adão na cena do Paraíso. Nossa Senhora, desde o palco até ao presépio de Belém, era transportada por um jumento, dispensado por um habitante da aldeia.

Apesar de não haver informações específicas sobre Simeão, deduzimos, a partir do cruzamento de dados e da sua condição de ministro de Deus, que a indumentária pertenceria ao pároco da aldeia, vestindo, por isso, uma alva(162), um cíngulo (163), uma mitra (164) e um pluvial (165), e por vezes transportando um turíbulo (166).

Registaram os informantes, que se procurava sempre fazer coincidir o nascimento de Cristo com o de um filho da terra, fazendo com que, por altura da representação, a criança nos braços de Maria representasse a figura autêntica de um Deus nascido. Esse mesmo ritual se procurou repetir nas representações de 19 de Agosto de 2011, em Urrós, e de 14 de Janeiro de 2012, na Aula Magna de Lisboa.

162Alva ou túnica (lat. alba), geralmente de tecido branco, este paramento cobre integralmente o corpo do oficiante.

Veste-se sobre a batina ou outra roupa ordinária e sobre o amicto (se for usado). “Simboliza a túnica branca vestida a Jesus Cristo em casa de Herodes. Além disso simboliza pela sua cor a pureza, candura e santidade de vida que deve ser apanágio do sacerdote; o linho, naturalmente impuro, mas embranquecido à custa de muitos esforços e trabalhos, completa o símbolo.” (Vasconcélloz 1900: 99).

163Cíngulo ou cordão (lat. cingulum, baltheus, zona) é um cordão comprido que se usa como cinto; serve para cingir

à cintura a alva.

164 A mitra é um tipo de cobertura de cabeça fendida, consistindo de duas peças rígidas, de formato

aproximadamente pentagonal, terminadas em ponta, por isso, às vezes chamadas corno ou cúspides, costuradas pelos lados e unidas por cima por um tecido, podendo ser dobradas conjuntamente. As duas cúspides superiores são livres e na parte inferior forma-se um espaço que permite vesti-la na cabeça.

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Pluvial ou capa de asperges (latim: cappa, pluviale, casula processaria) é um paramento litúrgico usado sobretudo no exterior, mas também dentro das igrejas para bênçãos e aspersões com água benta, casamentos sem missae para os solenes ofícios divinos.

166Turíbulo é recipiente onde se queima o incenso usado nas celebrações litúrgicas; deve ser feito de metal e

160 2.6.8. Rei Herodes e os Reis Magos

São parcas as informações recolhidas sobre a indumentária do Rei Herodes e dos Reis Magos. Muitos informantes recordam, sobretudo, o som do trompete utilizado, significando presságio, e dando sinal para a entrada em cena do maléfico “Rei Herodes que mandou matar os inocentes”. Em algumas localidades, este episódio pressupunha que os Magos entrassem a

cavalo, solicitando-se, por isso, o empréstimo ocasional dos animais à Guarda Nacional Republicana, criando uma grande uma maior espetacularidade ao Auto. O informante José Maria Marta, recitou excertos do papel de Rei Baltazar, que interpretou em 1949, e relatou alguns pormenores sobre a indumentária:

Era muito bonito… os cavalos bieram de outras aldeias e foram a buscá-los de madrugada para que estivessem aqui a tempo, depois iam para um curral onde lhe dabam comida e bebida. Tínhamos um pouco de medo porque não tínhamos ensaiado com eles, não os conhecíamos, e tínhamos medo que se espantassem e nos fizessem cair com tanta gente. A nossa vestimenta, uma era feita à mão e outra opas dos padres, as bermelhas que havia na igreja. Eu falaba meio Espanhol meio Português, porque este Rei vinha do Oriente.

A partir de fotografias disponibilizadas pela D. Especiosa Borges, de Nuzedo de Baixo, datadas de 24 de Dezembro, entre 1967 e 1969, relativas à representação do Ramo, a informante referiu que:

Os fatos para o Rei Herodes e os Reis Magos foram amanhados de acordo com a perspetiva que tinham. Foram comprados tecidos e uma costureira da aldeia disponibilizou-se a fazê-lo. Depois colocámos uma espada a cada um dos Reis e ao Rei Herodes, que estava num palanquim de maneira a que desse a impressão de ser o Superior. A acompanhar os Reis Magos iam os Pajens também. As coroas eram todas de cartão.

Encontramos uma outra referência a este passo da representação, na aldeia de Nozelos, em 24 de Dezembro de 1999, através do regrante Dinis Morais dos Reis, que referiu ter a Câmara Municipal de Chaves participado ativamente para que a representação do Ramo se realizasse na aldeia:

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Os fatos foram alugados em Braga numa casa religiosa e depois arranjaram-se espadas pedidas à Guarda Republicana. Era eu que fazia de Condestável; fazia uns três papéis; não havia mais ninguém e tínhamos que decorar aquilo tudo. Eu ia todo de vermelho para mostrar que era eu o Condestável e os outros levavam cores diferentes. Os Reis Magos levavam uma touca branca presa por um cordel e a minha coroa era também vermelha e parecia-se mais a uma coroa de um Rei verdadeiro. Foi muito bonito. Ia ao encontro deles e depois dizia-lhes que viessem trás de mim para os levar até ao palácio do rei Herodes.

Tal como referido anteriormente, muitas das vezes o povo tinha a tendência de secularizar determinadas figuras, vestindo-as de maneira atualizada, e utilizando indumentárias próprias de determinadas profissões: militares, polícias ou elementos da Guarda Republicana. Verificamos, pela fotografia disponibilizada por Dinis Morais dos Reis, na representação de Nozelos, que se encontram presentes duas figuras vestidas a rigor, com traje de polícia, que guardam o Palácio do Rei Herodes. Nada mais apropriado e eloquente para os olhos dos espectadores de então. Verificamos também que o rei Herodes ostentava umas longas barbas, uma espada e uma coroa, sinal do seu poder. Vestia um manto vermelho e uma espécie de fato preto, em consonância com o aspeto austero do seu palácio.