• Nenhum resultado encontrado

3. O CULTO E A LITURGIA SEGUNDO LUTERO E CALVINO

3.3 CALVINO E O CULTO REFORMADO

3.3.1. SIMPLICIDADE E SOBRIEDADE NO CULTO

A simplicidade da cerimônia que sugere é bem diferente daquelas da Igreja Romana, que, segundo Calvino no seu “Livro dos Salmos”, pareciam feitas para “ofuscar os olhos de Deus” (CALVINO, 1999, v. 2, p. 413). Ele descreve como deve ser o culto nas “Institutas” (CALVINO, 1989, IV, 17. 43):

...No início viriam preces públicas. Depois o sermão e então, postos na mesa o pão e o vinho, repetiria o ministro as palavras da instituição da Ceia; depois, reiteraria as promessas que nos foram nela deixadas; ao mesmo tempo, vedaria à comunhão todos aqueles que são dela barrados pelo interdito do Senhor; após isto, orar-se-ia para que o Senhor, pela benignidade com que nos prodigalizou este alimento sagrado, também a isto receber, em fé e gratidão de alma, nos instruísse e preparasse e, uma vez que de nós mesmos não o somos, por Sua misericórdia dignos nos fizesse de tal repasto. Aqui, porém, ou cantar-se-iam salmos ou ler-se-ia algo da Escritura e, na ordem que convém, participariam os fiéis do sacrossanto banquete, os ministros partindo o pão e oferecendo-o ao povo. Terminada a Ceia, ter-se-ia uma exortação à fé sincera e à sincera confissão dessa fé, ao amor cristão e a comportamento digno de cristãos. Por fim, ação de graças se daria e louvores se cantariam a Deus, findos os quais a congregação seria despedida em paz.

Mas isso não quer dizer, obviamente, que Calvino não se importasse com alguma ordem no culto. Suas indicações sobre liturgia não foram extensas porém ele se preocupa em

que sejam obedecidas. Nas partes determinadas do culto nenhum desvio devia ser permitido. Sobre isso escreveu Calvino (apud BAIRD, 2001, p. 23):

No que concerne a uma fórmula de oração e aos ritos eclesiásticos, concordo plenamente que haja uma certa fórmula, a partir da qual os ministros possam variar: que primeiro algo seja providenciado para ajudar a simplicidade e inépcia de alguns; em segundo lugar, que o consentimento e harmonia das igrejas umas com as outras possa aparecer; e, por último, que o capricho e leviandade daqueles que efetuem inovações possa ser prevenido. Com esse objetivo mostrei que um catecismo será útil. Portanto, deveria haver um Catecismo, uma fórmula de oração e celebração dos sacramentos afirmados.

É curioso o quanto Calvino adverte seus seguidores do perigo das novidades, das mudanças e das inovações. E assim, propõe uma estrutura básica de culto, com alguns elementos fixos e outros que podiam ser adaptados à realidade do local e do próprio oficiante. A partir de suas primeiras liturgias, como a vista acima, em comparação com a de Bucer, Calvino fez várias revisões e alterações dependendo do local e da circunstância.

Para o culto dominical, a liturgia básica, porém, deveria ser o que se segue: Inicia- se com uma leitura bíblica seguida dos Dez Mandamentos, que são feitos como introdução às orações. Após essa leitura, por um escrevente, o ministro sobe ao púlpito e inicia uma sentença de invocação, convidando o povo à oração. Segue-se a confissão de pecados e súplica pela graça. (Após a confissão Calvino desejava ter uma afirmação de perdão, o que nem sempre acontecia em Genebra, pois ali o povo não estava habituado a ela). Encerrada a oração, cantava-se um dos Salmos de Davi. Após outra oração, na qual o ministro invoca o benefício divino, vem o Sermão. O sermão, sendo instrução espiritual, é parte do culto de adoração a Deus e prepara o caminho para a Oração de Intercessão, que vem a seguir e que é a mais longa dessas fórmulas. O conjunto se encerra com a Oração do Senhor (Pai Nosso) e o Credo. O culto é concluído com a Benção. Um modelo para essa liturgia foi formulado por Calvino, que acrescentou informações de como utilizá-lo (ANEXO AD).

Para cultos com celebração da Ceia do Senhor – ele queria vê-la celebrada semanalmente57, e para isso lutou em Genebra até 1538, quando foi expulso da cidade – Calvino fez uma revisão de sua liturgia (Genebra, 1542, Estrasburgo, 1545) e publicou, em sua “Forma de Orações e Hinos da Igreja com o modo de se administrar os Sacramentos segundo o costume da Igreja Antiga”, o seguinte esboço (LEITH, 1997, p. 295-296):

Convite à adoração Confissão de pecados Sentença bíblica Absolvição

Decálogo (primeira parte) Oração

Decálogo (segunda parte) (Salmo na forma genebrina) Oração por iluminação Leitura bíblica e Sermão

Grande Oração (intercessão) e Paráfrase da Oração do Senhor Credo Apostólico

Preparação do Pão e do Vinho

Oração para recepção da Ceia, finalizando com a Oração do Senhor Instituição da Ceia do Senhor

Exortação

Distribuição dos Elementos Salmo

Oração de Agradecimento “Nunc Dimitis”

Benção Araônica.

57 “...o texto de 1535 das Institutas trazia as palavras de Calvino: ‘Esse costume de que os homens devem

comungar somente uma vez por ano é certamente uma invenção do diabo. A Ceia do Senhor deveria celebrar-se na congregação cristã pelo menos uma vez por semana’. Todavia, Calvino nunca conseguiu colocar em prática esta sua posição quanto à Ceia.” (KLEIN, 2005, p. 144).

Para alguns, esta, de 1542/1545, “segundo o costume da Igreja Antiga”, é a liturgia que melhor espelha o pensamento sacramental-litúrgico de Calvino. “Há uma oração para a recepção do pão e do vinho, terminando com o Pai Nosso, que se coloca na linha da tradição litúrgica maior da Igreja Cristã.” (KLEIN, 2005, p. 115). Esta liturgia, porém, não foi devidamente implementada nas igrejas calvinistas.

Em 28 de abril de 1564, algumas semanas antes de sua morte (ele faleceu a 27 de maio de 1564), Calvino, já enfermo, reuniu os pastores da cidade em sua casa pretendendo deles despedir-se. Nesse encontro disse (CALVIN, 1980, p. 260):

...Eu estava me esquecendo de uma coisa: peço que os senhores não façam mudanças, nem inovações. As pessoas às vezes querem novidades. Não lhes peço isso por mim mesmo, por minha própria causa, por alguma ambição pessoal, que conservem o que estabeleci, ou que as pessoas devem só conservar sem procurar alguma coisa melhor; mas sim porque mudanças são perigosas e, algumas vezes, más.

Não fica claro aqui a que mudanças, inovações e novidades Calvino se refere, mas o que nos importa é destacar o fato de que embora não deixasse uma liturgia fixa anotada, preocupou-se, por um lado com os excessos, com o “culto à liturgia”, mas por outro, em conservar aquilo que deixou como princípio: simplicidade não quer dizer desordem, falta de princípios e regras!

Calvino fala de um culto simples, portanto, onde os elementos essenciais, pré- fixados numa ordem litúrgica básica, viriam intercalados por cânticos de salmos, na ordem decidida pelo oficiante, numa liberdade usufruída e regulada à luz da Palavra de Deus. O essencial era a postura do fiel e sua verdadeira disposição ao cultuar. Lutero, de sua parte, produz uma ordem litúrgica modelo, mas não quer um “culto ao culto”. A liturgia leva em conta o fiel e deve ser maleável para atendê-lo em seus limites, sua disponibilidade e sua

capacidade intelectual de assimilação. Lutero e Calvino concordam que o culto cristão é uma espécie de diálogo da criatura com o criador, um encontro de Deus com seu povo. Para ambos, o culto, bem como qualquer sentimento religioso, deve ser direcionado pelo Espírito Santo através das Escrituras.

4. O CANTO GREGORIANO, O CORAL LUTERANO E O