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Simulação fotográfica paródica irônica

No documento Matheus Barbosa Emerito.pdf (páginas 122-127)

3 O FAKE FOTOGRÁFICO

3.4 Simulação fotográfica paródica irônica

Como afirmado anteriormente, toda simulação, por ter sua produção orientada

pelo dispositivo de um outro objeto, refere-se a um terceiro e caracteriza o

fenômeno da copresença, principal atributo da intertextualidade. Essa retomada de

outro texto ou autor se dá por meio de pistas, marcações criadas pelo enunciador

para que o enunciatário as identifique e processe os mecanismos da enunciação. O

enunciatário não é passivo, ele é convocado para construir a enunciação de acordo

com o seu repertório e torna-se uma espécie de coenunciador. O sujeito, ao ler o

intertexto, divide com o outro a competência de construção do sentido no discurso.

“Ler uma variante intertextual é compartilhar o prazer de desvendar o outro no um,

esse outro que se mostra, mas não se circunscreve, não se marca; é seguir pistas

dadas pelo texto para, numa negociação enunciativa sutil,[...]" (DISCINI, 2003 p.

227-228).

A paródia, como canto paralelo, possui referências a outros textos. A atividade

paródica é um tipo de intertextualidade que constrói um outro sentido para a mesma

"história" do texto base. Essa contrariedade simula que aceita o texto parodiado,

mas cria polêmica para provocar uma crítica ou comicidade. É por meio da ironia que

a paródia é avaliadora e contesta o texto referencial. O fake Not the Financial Times

representa um modelo de simulação paródica irônica porque simula ao se apropriar

de códigos, parodia ao apontar para um jornal específico (Financial Times) e é

irônico ao passo que insere a ficção num suporte originalmente criado para exibir

fatos, não ficção.

Assim como o jornal, a fotografia oferece possibilidades criativas para

promover a ironia reflexiva ou mesmo o humor. O fotógrafo David Lachapelle é um

dos artistas que utilizam a alusão para promover a ironia paródica dos valores entre

os textos. Em alguns casos, a ironia manifesta-se através do escárnio porque procura

distorcer o significado do texto parodiado. Na verdade, é uma estratégia crítica a

valores sociais promovidos pela obra base. As diferenças são acentuadas para que a

manobra seja apreendida.

Em 2006, Lachapelle criou Heaven to hell: paródia de uma das esculturas mais

famosas de Michelangelo, Piéta, que exibe Jesus morto no colo da virgem Maria. A

imagem produzida por Lachapelle explora a figura de Courtney Love, polêmica

cantora que ganhou fama por ser a viúva de um dos mais celebrados músicos de

rock, Kurt Cobain. A foto (Figura 45) tráz Courtney no papel de "Maria" e Kurt como

"Jesus", na escultura, paródia de Pietá. Cobain morreu nos anos 90, vítima do uso de

drogas, quando Courtney ganhou mais ainda destaque na mídia. Lachapelle procura

a polêmica ao comparar a figura religiosamente sagrada com a de um músico

conturbado e viciado em drogas. Essa oposição é, exatamente, a estratégia que

Lachapelle utiliza para criticar a idolatria à pop music ou à sacralização de Jesus

Cristo. Todavia, quando Lachapelle coloca, na mesma posição, a viúva

39

chorando

pelo marido e a mãe (também sagrada pela religião) velando seu filho, ele

"canoniza" Courtney e lhe tira o pecado. Por outro lado, o autor promove reflexão

quanto à iconografia religiosa que sacraliza seu personagem e a idolatria

sensacionalista da mídia. O texto provoca a ideia de que Maria e Jesus são

celebridades assim como Courtney e Kurt. Os valores são invertidos ou convertidos

para polemizar.

39 No contexto midiático e social, muitos podem considerar que a viúva se aproveita da fama do ex- marido para poder se tornar celebridade.

Em 2010, Lachapelle volta (Figura 46) a criar uma simulação paródica irônica,

relacionando celebridades a figuras religiosas. O mesmo texto-base, Pietá, é usado

para promover e relativizar o valor do que é sagrado. Um ano após a morte de

Michael Jackson, o cantor é retratado morto no colo de um Jesus com roupas, como

uma espécie de Cristo atual, com aparência de mendigo. Diferente da obra anterior,

Lachapelle não traz uma mãe para segurar o filho, Michael Jackson. Mas o próprio

Jesus o segura, lamentando a sua morte. Neste caso, especificamente, a intenção

não é de questionar ícones religiosos, mas de sacralizar, assim como Courtney, a

imagem da celebridade em questão. Michael Jackson foi muito censurado pela

imprensa por conta de acusações de pedofilia. Lachapelle quis demonstrar que ele foi

acusado injustamente assim como Jesus, no passado.

Figura 46 - Heaven to hell, 2006, David Lachapelle.

O enunciatário é convidado a buscar, no seu repertório, a obra de

Michelangelo e, ao mesmo tempo, considerar Michel Jackson tão sagrado quanto

Jesus, já que este lhe está dando o colo. O enunciatário torna-se ator da enunciação,

mas de forma ativa, como co-produtor. O enunciador tem como estratégia a

reorganização dos elementos de um contexto alheio ao texto-base, para promover a

reflexão moral junto ao enunciatário. Em entrevista, David Lachapelle revela sua

intenção de preservar ou até sacralizar a figura do cantor americano na simulação:

Eu acredito que Michael em um sentido é um mártir americano. Mártires são perseguidos e Michael foi perseguido. Michael era inocente e mártires são inocentes. Se você vai no YouTube e assistir entrevistas com Michael, você não vê uma rachadura na fachada. Há essa pureza e essa inocência que continuou. (FITZSIMONS, 2010)

Figura 47 - Imagem da exibição American Jesus, Lachapelle, 2010.

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Figura 48 - A ultima ceia na coletânea Jesus is my homeboy, 2003, David Lachapelle

Figura 49 - Clara referência a série de retratos de Marilyn Moroe, por Andy Warhol.

Figura 50 - Deluge , David Lachapelle, 2006 que faz referência ao "O dilúvio" de Michelangelo na Capela Sistina.

A simulação paródica irônica é também uma forma criativa de manifestação

porque se diferencia ao utilizar outros textos e inverte, ironicamente, os seus valores

para propor uma mensagem, seja de crítica, reflexão ou, ainda, humor. Lachapelle

utiliza-se de outras obras, além dessas citadas para trazer o enunciatário a

construção da enunciação. A apropriação de outro texto serve de convite ao

enunciatário para resgatar esta outra obra e seguir os aspectos difusos de destaque

que causam o estranhamento, despertando um novo significado para a obra, e, mais

uma vez, a paródia renova a arte. Nesse sentindo, Lachapelle revigora Pietá com

isotopias figurativas decorrentes de temáticas da mídia do presente.

No documento Matheus Barbosa Emerito.pdf (páginas 122-127)

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