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Sinistralidade e medidas para a sua resolução na Europa

No documento TD Manuel José Serra da Fonseca (páginas 35-39)

PARTE I – A sinistralidade rodoviária e as campanhas de prevenção

1.2. O contexto internacional

1.2.1. Sinistralidade e medidas para a sua resolução na Europa

A perceção da gravidade do problema a nível europeu tem vindo, ao longo da última década, a dar origem a um conjunto de iniciativas que visam o seu controlo e resolução. Disto são exemplos o Livro Branco dos Transportes em 2001, o Programa de Ação para a Segurança Rodoviária em 2003 e o compromisso da Carta Europeia de Segurança Rodoviária em 2005. Qual o atual cenário das políticas europeias de prevenção rodoviária?

Através de diretivas regulamentadoras no domínio da prevenção rodoviária e da promoção da corresponsabilização dos estados-membros na promoção de campanhas de sensibilização dos cidadãos europeus, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Conselho de Transportes têm protagonizado diversas iniciativas legislativas. Paralelamente, a cooperação transnacional no controlo, fiscalização e sancionamento dos infratores tem sido incentivada.

De acordo com a Comissão Europeia (2010), em 2009 morreram 35.000 pessoas nas estradas europeias e mais de 1.700.000 ficaram feridas em acidentes de viação. Para além das vidas, os custos associados a esta realidade correspondem a cerca de 130.000 milhões de euros. Paralelamente, em termos estatísticos, a cada acidente mortal correspondem ainda 4 acidentes que provocam incapacidades permanentes, 10 que dão origem a ferimentos graves e 40 que provocam ferimentos ligeiros. Não obstante o

sucesso do programa de segurança rodoviária da União Europeia de 2001 a 2010, que permitiu salvar mais de 78.000 vidas, bem como a redução progressiva do número de vítimas mortais assinalada desde 1991 é reconhecido que há necessidade de aumentar a segurança dos utentes, dos veículos e das infraestruturas (figura 1).

Figura 1 – Vítimas mortais na União Europeia - Evolução 1990-2009 (Fonte: Comissão Europeia, 2010)

A consubstanciar este sucesso está um conjunto de boas práticas, em matéria de prevenção rodoviária, praticadas por diversos Estados-Membros da União Europeia e destacadas pela Comissão Europeia (2007). A exemplificar estas práticas destaca-se o programa "TARVA" da Finlândia (análise custo-eficácia de medidas de segurança rodoviária), o "Fundo de Segurança Rodoviária" da Bélgica (processo de gestão de atribuição de verbas), as "Medidas de combate à colisão contra árvores" em França (reconstrução, construção e conceção de vias), o EuroNCAP (programa europeu de avaliação dos novos modelos de automóveis onde é aferido o nível de proteção oferecido aos ocupantes e peões), a "Campanha BOB" na Bélgica (campanha de comunicação contra a condução sob o efeito do álcool), a "Campanha Reclama!" da Noruega (campanha onde os passageiros são convidados a reclamar se o condutor não estiver a conduzir com segurança), entre outras.

Paralelamente a estes casos é ainda referida, a título exemplar, a Segurança Sustentável dos Países Baixos e a Visão Zero da Suécia, assentes no conceito de transformação do sistema de tráfego rodoviário existente, num sistema que elimine todas as oportunidades

0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000 70.000 80.000 1991 1996 2001 2006 2009 75.400 59.400 54.000 43.000 34.500

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detetáveis de erro humano e que reduza os danos físicos nos acidentes rodoviários inevitáveis (integrando todas as entidades interessadas: utilizadores, autores do sistema, autoridades, fabricantes de automóveis e todos os que direta ou indiretamente estejam relacionados com a questão da segurança rodoviária).

Pese embora o sucesso alcançado e as boas prática referenciadas, o Parlamento Europeu sublinhou, em julho de 20114, que na União Europeia, os acidentes de viação fazem anualmente vítimas equivalentes às da queda de 250 aviões comerciais de média dimensão e que o espaço da União está confrontado com um processo de alteração demográfica, em que as necessidades de mobilidade das pessoas idosas exigem abordagens específicas. Paralelamente foi apontado que do total de acidentes de viação mortais, 55% ocorrem em estradas nacionais, 36% em zonas urbanas e 6% em autoestradas e que, apesar de se ter registado uma diminuição substancial do número de mortos nas estradas do espaço comunitário, não foi atingido o objetivo expresso no 3º Programa de Ação (de redução em 50% do número de vítimas mortais na circulação rodoviária na UE até ao final de 2010).

É neste contexto que surge o Programa de segurança rodoviária para 2011–2020 da Comissão Europeia, assente numa lógica de cooperação nacional, de partilha de boas práticas, de desenvolvimento de estudos de investigação e da eventual criação e adoção de regulamentação. No âmbito destes procedimentos é feita igualmente uma referência explícita às campanhas de sensibilização.

O objetivo geral deste Programa consiste em reduzir para 50% o número mortos nas estradas da União Europeia, através de sete objetivos estratégicos: melhorar a segurança dos veículos, construir infraestruturas rodoviárias mais seguras, promover as tecnologias inteligentes, reforçar a educação e a formação dos utilizadores da estrada, melhorar a ação repressiva, estabelecer uma meta para o número de feridos e promover medidas específicas para os motociclistas (considerando que a probabilidade de morrer num acidente de viação é, por cada quilómetro percorrido, e em relação aos passageiros de um veiculo ligeiro, 18 vezes maior para um motociclista e que, contrariamente a outros meios de transporte, em que o número de mortos e de feridos graves tem vindo a

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diminuir, nos condutores de veículos motorizados de duas rodas essa diminuição tem sido acentuadamente reduzida ou mesmo estacionária).

A operacionalização destes objetivos assenta em varias medidas, com destaque para a obrigatoriedade de instalação de limitadores de velocidade, para a equidade no tratamento de todos os cidadãos europeus infratores, para a possibilidade de introduzir períodos probatórios após o exame de condução, para o alargamento às estradas secundária das normas de segurança em vigor para as vias principais, para o reconhecimento das inspeções técnicas em todos os países da comunidade, para uma maior proteção dos motociclistas e para uma melhoria dos instrumentos de recolha de dados e de análise de acidentes.

A necessidade de aferir a eficácia das campanhas de prevenção rodoviária é uma preocupação existente também a nível europeu (Comissão Europeia, 2010b). Um exemplo desta realidade é o projeto CAST (Campanhas e Estratégias de Sensibilização em matéria de Segurança Rodoviária), resultante da atividade de um consórcio de 19 instituições europeias (com a participação nacional da Prevenção Rodoviária Portuguesa e do Instituto Superior de Educação e Ciências), com competência na matéria em causa e coordenadas pelo Instituto de Segurança Rodoviária Belga (ISRB-BIVV). Este projeto de investigação, apoiado pela Comissão Europeia e desenvolvido entre 2006 e 2009, visou a criação e disponibilização de um conjunto de premissas de otimização das campanhas de comunicação – no que concerne à sua conceção, implementação e avaliação – junto dos profissionais responsáveis pela sua estruturação.

Paralelamente à definição de um faseamento específico no processo de conceção, implementação e avaliação deste tipo de campanhas de comunicação, o projeto CAST sublinhada a valia da segmentação, identificada em estudos descritivos e meta-análises, quer na ótica dos destinatários (seleção de um público específico), quer na das mensagens (definição e abordagem de apenas um tema). O conhecimento dos modelos teóricos que expliquem as motivações subjacentes ao comportamento é igualmente apontado como um fator crítico de sucesso, não só no auxilio à identificação do comportamento a alterar (problemático), como também na elaboração da mensagem da ação de comunicação.

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Os intervenientes no projeto CAST advogam que a integração de todos os elementos num quadro de marketing social, mais abrangente e não exclusivamente centrado na vertente comunicativa, permite alargar o espectro da capacidade persuasiva da estratégia, ao mesmo tempo que a colaboração e cumplicidade entre todos os intervenientes na campanha (profissionais, investigadores e decisores) deverá ser efetiva e sistemática.

As práticas de prevenção rodoviária levadas a cabo na Europa poderão servir de referência à sensibilização para a introdução de políticas similares nos Estados Unidos. Como sublinha Knapp (2005), nos Estados Unidos morrem nas estradas, por ano, cerca de 40.000 indivíduos. Como forma de minimizar este número que, segundo o autor não sendo dramático é elevado e corresponde a umas das prioridades dos departamentos de transportes daquele país, poderá estar a assunção de medidas semelhantes às adotadas por países europeus nos seus planos nacionais de prevenção rodoviária.

Assim, depois de no seu estudo ter observado as realidades da Suécia, Alemanha, Países Baixos e Reino Unido, o autor recomenda que nos Estados Unidos, tanto a nível local como nacional sejam aplicadas medidas diversas, tais como: recolha e análise sistemática dos dados da sinistralidade rodoviária, desenvolvimento de planos de prevenção rodoviária com objetivos bem definidos, criação de equipas multidisciplinares para avaliação, cooperação e controlo, entre outras. O autor refere ainda a importância que a sinistralidade rodoviária assumiu na Europa, a partir do momento em que foi maioritariamente classificada como um assunto de saúde pública.

No documento TD Manuel José Serra da Fonseca (páginas 35-39)