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1. Do inventário e da documentação museológicos ao sistema de informação de museu

1.2. Sistema de informação em museus

1.2.3. Sistema de informação e documentação em Portugal

A evolução dos sistemas de informação em museus deu-se de forma algo tardia em Portugal, com as primeiras tentativas pontuais de informatização dos fundos museográficos durante os anos de 1980, ainda que a introdução de meios tecnológicos, como computadores, só se viesse a concretizar mais tarde (Remelgado, 2008, p. 68), a princípio para tarefas de âmbito administrativo, pelo “seu carácter mais imediato e oficial”, sendo que o “inventário e gestão das colecções eram feitas em sistemas de arquivo manuais, completamente desajustados às necessidades e, em alguns casos, completamente desfasados das colecções que deveriam documentar” (Matos, 2007b, pp. 27–28). Assim, a informatização das coleções só se veio a concretizar e a alargar-se no tecido museológico nacional a partir dos anos de 1990.

Nesta década surge, pelo então Instituto Português dos Museus, um programa denominado Matriz53, com o objetivo de “dotar os museus tutelados pela administração

central com um programa que pudesse alcançar os objectivos de uma melhor inventariação e gestão das colecções das referidas instituições” (Matos, 2007b, p. 29). No entanto, para além de terem sido saltadas etapas, não tendo sido desenvolvido um trabalho de fundo de modo a conhecer as práticas usadas no terreno nem de uniformização de procedimentos e terminologias, como se viu no caso espanhol; não se tendo ouvido os profissionais, levando a problemas após a implantação da sua primeira versão, verificando-se a sua inadequação para algumas áreas patrimoniais (ou as chamadas supercategorias), como no âmbito da Arqueologia (Carvalho e Martins, 2001,

52 “El objetivo final del servicio de documentación y archivo en el museo, que consiste en la

implementación de un centro de conocimiento, ha de contar con los dos pilares fundamentales y únicos de cada institución: la colección – y la información que se genera a partir de ella y que recoge y procesa el servicio de documentación – y los documentos y gestión documental a partir del archivo. [… P]ara poder ser competitivo en un futuro inmediato hay que estar abierto, por un lado, al desarrollo de la gestión de la información y del conocimiento, como un todo, dentro de la institución, y, por otro lado, aunque en relación con lo anterior, a la bidireccionalidad de la información, con la incorporación del conocimiento del usuario” (Gutiérrez Usillos, 2010, pp. 190–192).

53 Vide também http://www.matriz.dgpc.pt/pt_evolucao.php [consult. 17 abr. 2018] para uma

p. 104); e outras limitações, como a falta de interoperabilidade com outros programas (Costa e Costa, 2010, p. 24), bem como a falta de recursos humanos com as competências necessárias e a inexistência de ações de formação (Carvalho e Martins, 2001, p. 105; Costa e Costa, 2010, p. 25), levou a que houvesse pouca adesão à informatização das coleções e a uma necessária evolução do software.

Disponibilizada em 2000, a segunda versão do Matriz passou a dispor de uma ficha específica para as coleções de arqueologia (Raposo, Martins e Correia, 2000, pp. 11–12), e veio acompanhado pela publicação de Normas de Inventário54, fruto do

capital de conhecimento que estes [museus] têm vindo a acumular no âmbito da utilização do MATRIZ, de acordo com as especificidades de cada tipo de colecção, revelando-se de indiscutível importância como suporte metodológico para o conjunto de procedimentos que configuram a cadeia operatória do processo de inventário, não apenas para os utilizadores do MATRIZ, mas também de softwares afins (Costa e Costa, 2010, p. 28).

Esta evolução foi também acompanhada da disponibilização on-line das coleções, através do MatrizNet55, em 2003, e de “espécimes fotográficos produzidos ou

geridos pelo [então] IMC” (Costa e Costa, 2010, p. 31) através do MatrizPix56, em 2008.

Em 2010, chegou a última versão, atualmente disponível, o Matriz 3.0, que trouxe uma ampliação das áreas patrimoniais passíveis de serem inventariadas e documentadas, englobando a Ciência e Técnica bem como a História Natural para além das já existentes Arte, Arqueologia e Etnologia, bem como a possibilidade de efetuar a documentação e gestão do Património Cultural Imaterial57 (Costa e Costa, 2010, p. 32),

assumindo-se “como um sistema de informação integrado para Inventário, Gestão e Divulgação de Património Cultural” (Instituto dos Museus e da Conservação e Departamento de Património Imaterial, 2011, p. 10). Este software, pela primeira vez

54 Foram publicados, até ao momento, 13 títulos dedicados às diferentes áreas patrimoniais: Arte – Normas Gerais, Cerâmica, Escultura, Instrumentos Musicais, Pintura, Mobiliário, Ourivesaria, Têxteis; Arqueologia – Normas Gerais, Cerâmica Utilitária; Ciência e Técnica – Normas Gerais; Etnologia – Alfaia Agrícola, Tecnologia Têxtil. Encontram-se também disponíveis para consulta em

http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/NormasInventario.aspx [consult. 24 abr. 2018].

55 Para consulta em http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Home.aspx [consult. 24 abr. 2018]. 56 Disponível em http://www.matrizpix.dgpc.pt/matrizpix/home.aspx [consult. 24 abr. 2018]. 57 Disponível para consulta em http://www.matrizpci.dgpc.pt/matrizpci.web/home.aspx [consult. 24

alojado num servidor central e sem necessidade de instalação, possibilitando o acesso através de qualquer computador ligado à internet (Instituto dos Museus e da Conservação e Departamento de Património Imaterial, 2011, p. 36), é usado por diversos museus, mas destaca-se o facto de ser usado por museus sob a tutela da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC).

Paralelamente ao Matriz, foram sendo desenvolvidas outras aplicações para gestão de coleções (Remelgado, 2008, p. 69), como as desenvolvidas pela Sistemas do Futuro58 desde 1996, de que se destaca o in patrimonium que permite “integrar e

combinar num único programa as diferentes aplicações (in arte, in domus, in doc, in natura e in memoria) permitindo uma melhor gestão e integração do património”, conforme o folheto disponível pela empresa59. Este software foi testado num museu de

arqueologia, o Museu D. Diogo de Sousa (Matos, 2012, p. 245), permitindo “a relação entre a informação sobre os objectos, com a informação sobre o sítio arqueológico de onde estes provêm” (Matos, 2007a, p. 42) por ser

uma base de dados relacional, ou seja, é uma única base de dados com diferentes tabelas interligadas entre si que diminuem a ocorrência de erros de introdução de dados, minimizam a duplicação de informação e permitem o estabelecimento de relações entre as diferentes tabelas (Matos, 2007a, p. 44).

Destaca-se também a adoção de outros softwares, como os desenvolvidos pela empresa francesa Mobydoc60. Escolhida a aplicação Micromusée, para gestão do acervo

museológico, pelo Ecomuseu Municipal do Seixal, em 2002, por não encontrar no mercado nacional uma solução que desse resposta aos seus critérios (Raposo, 2011, p. 369), esta foi sendo reforçada com outras aplicações para gestão documental, gestão de coleções fotográficas e mesmo para gestão de bens imóveis. Mediante o sistema de informação Mobydoc MUM, as bases de dados daquelas aplicações são relacionadas e, através do OPACWeb, disponibilizadas ao público (Braga, 2012, pp. 52–53; Raposo, 2011, p. 370).

58 Para os diversos produtos disponíveis vide http://sistemasfuturo.pt/ [consult. 24 abr. 2018]. 59 O folheto pode ser consultado em http://sistemasfuturo.pt/pdf/flyer_patrimonium_pt.pdf [consult.

24 abr. 2018].

Para além destas ferramentas, deram-se também passos fundamentais no âmbito legislativo, primeiro com a publicação da Lei de Bases do Património Cultural61 e

posteriormente com a Lei-Quadro dos Museus Portugueses que estabelece como uma das funções museológicas o inventário e documentação dos bens, sendo que

o legislador especificou o percurso e as condições de identificação e individualização de cada bem cultural, exigindo a respectiva documentação de acordo com as normas técnicas mais adequadas à sua natureza e características. Pretende-se uma relação exaustiva dos bens culturais que constituem o acervo próprio de cada museu, independentemente da modalidade de incorporação. A importância do inventário museológico demonstra-se, ainda, pela conexão que se estabelece com o inventário dos bens públicos e privados previsto na Lei n.º 107/2001, mas, sobretudo pela classificação ope legis como património arquivístico (Claro, 2009, p. 54).

Do ponto de vista institucional, foi importante a criação da Rede Portuguesa de Museus (RPM), em 2000, que tendo como um dos seus objetivos “a valorização e a qualificação da realidade museológica nacional, a cooperação institucional e a articulação entre museus”62, e por isso dotada de instrumentos para a credenciação de

museus, exige que as funções museológicas enunciadas na Lei-Quadro dos Museus Portugueses sejam cumpridas chamando deste modo a atenção para a importância desta função nos museus (Matos, 2007b, p. 31; Remelgado, 2008, p. 80).

Posto isto, tem-se verificado um aumento do inventário e documentação de bens, mas também da informatização e disponibilização de coleções, sendo que segundo o resultado do diagnóstico63 levado a cabo durante o ano de 2016, pelo Grupo

61 Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, disponível em https://dre.pt/application/conteudo/629790

[consult. 3 set. 2018].

62 Conforme http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-portuguesa/

[consult. 24 abr. 2018].

63 Com o objetivo de “promover o levantamento e caracterização dos museus no que diz respeito às

áreas de gestão da informação dos vários acervos para assim poder desenhar um quadro global desta realidade. Desta forma visa‐se conhecer a organização funcional do museu e a articulação entre os seus diversos serviços, os recursos humanos e materiais disponíveis no museu, a oferta e os públicos destinatários dos serviços prestados pelo museu, mas sempre tendo como horizonte primeiro a gestão dos sistemas de informação nos museus” (Santos, Serôdio e Ferreira, 2017, p. 11).

de Trabalho em Sistemas de Informação em Museus (GT-SIM)64, 86% dos museus que

responderam ao inquérito dispõem de bens museológicos inventariados. Destes, oito em cada dez dispõe de aplicação informática para a gestão daquele acervo, encontrando-se o processo de informatização em curso (Santos, Serôdio e Ferreira, 2017, pp. 49–52). Verifica-se ainda “que cerca de dois terços dos museus possuem pelo menos dois tipos de acervo, sendo o mais comum o museológico e bibliográfico” (Santos, Serôdio e Ferreira, 2017, p. 115), com o acervo arquivístico ou documental a estar presente em apenas 37% dos museus inquiridos, e que quando informatizados, no que à interoperabilidade diz respeito “confirma‐se a inexistência na maioria dos museus (74%)” (Santos, Serôdio e Ferreira, 2017, p. 116) e quando a interoperabilidade existe tal deve-se à

utilização de bases de dados comuns e a correspondência existente entre as fichas de registo dos bens das várias bases, mas também através de procedimentos mais fortuitos, indicando que essa interligação é feita apenas no momento da respetiva pesquisa da informação ou ainda, através de processos mais específicos, que obrigam a um esforço adicional e personalizado para que possa existir uma relação ou uma troca e uso da informação (Santos, Serôdio e Ferreira, 2017, p. 116).

Debruçando-nos sobre um museu de arqueologia, parece-nos relevante fazer ainda uma menção ao Sistema de Gestão e Informação Arqueológica – Endovélico65. Na

sequência de uma proposta de trabalho de Judite Cavaleiro Paixão, apresentada em 1980, para tratamento e armazenamento de toda a documentação e informação arqueológica, “tendo em vista, não apenas a recuperação e difusão, mas também o planeamento organizado das acções a desenvolver naquele campo” (Paixão, 1980, p. 13), foi desenvolvida, na década de 1990, uma aplicação para “conhecimento exaustivo

64 Este grupo de trabalho constituído no seio da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e

Documentalistas (BAD), “procura pensar o Museu como um centro de produção de conhecimento ao assumir o objeto de museu como documento e o acervo da instituição museológica, existente nas Reservas, Arquivo, Biblioteca ou Centro de Documentação como um todo unitário nas suas inter- relações informacionais. A visão integradora do acervo do Museu implica um maior enfoque nas potencialidades informativas do acervo, contribuindo assim para uma mais eficiente gestão de toda a informação sobre património produzida em contexto museológico” conforme

http://apbad.pt/Seccoes/Seccoes.htm [consult. 24 abr. 2018].

65 Vide também http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/11/o-sitio-n-1-do-endovelico-todos-os.html

[consult. 24 abr. 2018] e http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio- imovel/patrimonio-arqueologico/endovelico-inventario/ [consult. 24 de abril 2018].

da paisagem arqueológica nacional” (Divisão de Inventário do Instituto Português de Arqueologia, 2002) constituindo-se como que uma Carta Arqueológica de Portugal, inventariando todos os sítios arqueológicos nacionais, identificados através de um Código Nacional de Sítio (CNS), fundamental para uma correta identificação da proveniência de peças arqueológicas (Raposo, Martins e Correia, 2000, p. 27). Encontra- se disponível para consulta on-line, desde 2012, no Portal do Arqueólogo, “plataforma eletrónica de acesso à informação sobre o património arqueológico”, de acordo com o Regulamento de Trabalhos Arqueológicos66 e que pretende “facilitar e agilizar

procedimentos decorrentes da prática profissional da arqueologia no território continental e promover a dinâmica entre a tutela do património arqueológico” conforme o exposto no sítio da DGPC67.

Há ainda um caminho a percorrer, ainda que se vejam algumas boas práticas, nomeadamente na elaboração de manuais de procedimentos, como sejam o caso do Ecomuseu Municipal do Seixal (Braga, 2012, p. 52; Raposo, 2011) e a Rede de Museus de Cascais68, mas sendo ainda necessário reflexão, debate e partilha para se chegar,

como no panorama internacional, a uma maior uniformização de procedimentos e terminologias.

66 Decreto-Lei n.º 164/2014, de 4 de novembro, disponível em

https://dre.pt/application/conteudo/58728911 [consult. 24 de abril 2018]. Destaca-se também o facto de este documento legislativo considerar espólio arqueológico os “bens arqueológicos móveis, tais como artefactos, ecofactos e amostras, respetivo inventário e demais documentação produzida no decurso dos trabalhos de campo e de gabinete, indispensável ao manuseamento e compreensão da coleção e do seu contexto arqueológico”.

67 Vide http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/patrimonio- arqueologico/gestao-da-atividade-arqueologica/portal-do-arqueologo/ [consult. 24 de abril 2018]. A DGPC gere ainda o SIPA – Sistema de Informação para o Património Arquitetónico, disponível em

http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/Default.aspx [consult. 23 set. 2018], um sistema de informação e documentação sobre património arquitetónico, urbanístico e paisagístico português ou de origem portuguesa, onde se encontra também inventariado algum património arqueológico. Este sistema é “constituído por um conjunto de bases de dados interoperacionais (do inventário, carta do risco, paisagem, saberes e saberes fazeres, fontes documentais, no qual se inclui projectos de arquitectura e fotografias e, por fim, um thesaurus) integra as várias áreas de investigação realizada e disponibiliza informação estruturada sobre o valor arquitectónico, documental e simbólico dos imóveis e da paisagem humanizada” (Marques, 2012, p. 79).

68 De que tivemos conhecimento numa conversa com António Carvalho, atual diretor do Museu