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Antes de iniciar a exposição acerca da representação arquivística dos cinejornais no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) é importante retomar a questão da conceituação do que se denomina cinejornal para se conhecer melhor o nosso objeto de discussão. Um dos caminhos para dar início a esse esclarecimento é a verificação do significado do termo em dicionários e enciclopédias.

CINEJORNAL – Noticiário produzido especialmente para apresentação em cinemas. É geralmente um filme de curta-metragem. É geralmente um filme de curta-metragem, periódico, e exibido como complemento de filmes em circuito comercial. Diz-se também atualidades ou jornal da tela. (BARBOSA; RABAÇA, 1978, p. 94).

CINEJORNAL – Noticiário produzido especialmente para apresentação em cinemas. É geralmente um curta-metragem periódico, exibido como complemento de filmes em circuito comercial. Diz-se também. Atualidade ou jornal da tela. (BARBOSA; RABAÇA, 1991, p. 133).

NEWSREEL (Cinejornal) – Produção que contém uma diversidade de noticiários,

variando em conteúdo que vão desde estilo de vida até eventos internacionais. Os cinejornais normalmente tinham cerca de dez minutos de duração e eram exibidos duas vezes por semana nos Estados Unidos no período de 1911-1967. (LIBRARY

OF CONGRESS. MOVING IMAGE GENRE LIST). (tradução livre).

A partir das definições acima apresentadas podemos compreender que um cinejornal é:

1) Um noticiário para exibição em salas de cinema 2) Geralmente um curta-metragem

4) Geralmente exibido como complemento de filmes em circuito comercial

No contexto arquivístico compreendemos que um cinejornal faz parte do gênero audiovisual, possuindo características próprias em relação a outros tipos de imagens em movimento e gêneros cinematográficos. Logo, é possível perceber que, tanto no contexto cinematográfico quanto no arquivístico, os cinejornais possuem atributos singulares.

Como já foi relatado, os cinejornais da Agência Nacional, que estão depositados no Arquivo Nacional, integram um fundo arquivístico e possuem relação orgânica com outros documentos do mesmo fundo. No entanto, nem sempre o tratamento técnico dos diferentes gêneros documentais de um mesmo fundo é realizado de maneira integrada. Rodrigues (2003, p. 223) acredita que “a descrição arquivística deve considerar que um fundo de arquivo é geralmente constituído de diversas categorias de documentos (tipos e suportes) que têm características próprias”. Essas especificidades acabam refletindo na divisão das tarefas durante o tratamento técnico. No Arquivo Nacional, por exemplo, as esquipes de trabalho são divididas de acordo com o gênero e o suporte dos documentos. O fundo Agência Nacional no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) obedece ao seguinte sistema de arranjo:

• Documentos escritos: organizados [alfanumérica, assunto, cronológica, espécie/tipo, procedência].

• Documentos iconográficos: organizados em oito subséries: Aeronáutica, Estado-Maior das Forças Armadas, Eventos, Exército, Força Expedicionária Brasileira, Marinha, Pessoas públicas, Presidentes da República.

• Documentos sonoros: organizados em duas subséries: Discursos (totalmente organizados) e Música.

• Filmes: as películas acham-se organizadas em seis subséries, ordenadas cronologicamente: Cine Jornal Informativo, Atualidades Agência Nacional, Brasil Hoje, Documentários, Filmetes Institucionais e Programas de TV.

O conteúdo dos documentos está descrito na “ÁREA DE CONTEÚDO E ESTRUTURA” do SIAN:

Documentos de caráter administrativo, textos do programa radiofônico A Voz do Brasil e boletins diários distribuídos à imprensa, contendo divulgação dos atos governamentais, discursos do presidente da República e resumo dos principais acontecimentos nacionais e internacionais. Discos, filmes, fitas videomagnéticas e

fotografias referentes a eventos ligados aos presidentes da República, às Forças Armadas, a pessoas notórias relacionadas ao governo federal e à administração pública (reuniões ministeriais, revistas a tropas militares, recepção a autoridades, inaugurações e visitas oficiais, cerimônias de posse, celebração de datas cívicas). Filmetes de divulgação de atividades governamentais. Discos de programas musicais produzidos pela Agência Nacional e discos de música popular e erudita.

O tratamento técnico do Fundo Agência Nacional foi realizado de acordo com cada gênero documental. As áreas e campos do SIAN relacionadas com as imagens em movimento, por exemplo, foram preenchidas em uma primeira fase de acordo com as descrições já estabelecidas no Catálogo de filmes da Agência Nacional. Após algumas alterações e atualizações que se fizeram necessárias, as imagens em movimento foram relacionadas com os outros documentos do mesmo fundo na série “Filmes” e subdivididas nas seguintes diferentes subséries:

1) Atualidades Agência Nacional (1962-1964): 27 cinejornais

2) Brasil Hoje (1970-1979): 281 cinejornais. Brasil Hoje n. 102 (A e B). Subsérie incompleta, pois falta o Brasil Hoje n. 262.

3) Cinejornais (1960-1975): 60 cinejornais de outras produtoras. Como por exemplo Canal 100, Publicine, Visor Produções Cinematográficas, Primo Carbonari, Herbert Richers.

4) Cinejornal Brasileiro (1940): apenas 1 cinejornal da época do Departamento de Imprensa e Propaganda.

5) Cinejornal Informativo (1950-1970): subsérie incompleta com 406 cinejornais.

6) Documentários (1951-1977): 145 documentários. Produções da Agência Nacional e de outras produtoras como Brazilian Film, Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, Jaraguá Filmes Ltda etc.

7) Filmetes institucionais (1970-1979): 129 filmetes de mais ou menos 1 minuto cada. O conteúdo era sobre diferentes assuntos como “nacionalismo”, “patriotismo”, “amamentação”, “higiene”, “cultura”, “merenda escolar” etc.

8) Transmissões de TV (1974-1976): 12 reportagens que foram transmitidas em canais de TV, como, por exemplo, “Posse do Presidente Ernesto Geisel” e “1º Ministro de Portugal, Mário Soares, visita o Brasil”.

As informações sobre o Fundo Agência Nacional no SIAN estão detalhadas em diferentes níveis de descrição conforme a NOBRADE. As descrições são revistas e atualizadas quando os usuários e os profissionais das áreas de atendimento verificam alguma incongruência nas informações. Todavia, esse trabalho não é realizado de maneira sistemática e nem está incorporado à rotina das atividades.

A representação arquivística de um cinejornal deve levar em conta o que está estabelecido nas normas e recomendações da área. Para isso é de fundamental importância conhecer a NOBRADE (Norma brasileira de descrição arquivística), ISDIAH (Norma internacional para descrição de instituições com acervo arquivístico), ISDF (Norma internacional para descrição de funções) e ISAAR-CPF (Norma internacional de registro de autoridade arquivística para entidades coletivas, pessoas e famílias). A partir do conhecimento desses instrumentos normativos é possível saber como as imagens em movimento, especificamente os cinejornais, estão sendo abordados. Mais que isso, saber se são objetos de estudo e discussão no âmbito internacional.

Para os objetivos desse trabalho iremos nos deter mais à NOBRADE, que foi publicada pelo Arquivo Nacional no ano 2006, com a finalidade de oferecer diretivas para a descrição no Brasil de documentos arquivísticos,

A NOBRADE não é uma mera tradução das normas ISAD(G) e ISAAR(CPF), que já existem, e estão publicadas. Seu objetivo, ao contrário, consiste na adaptação das normas internacionais à realidade brasileira, incorporando preocupações que o Comitê de Normas de Descrição do Conselho Internacional de Arquivos (CDS/CIA) considerava importantes, porém, de foro nacional. Esta norma deve ser intensamente divulgada no âmbito das instituições arquivísticas e nos eventos ligados aos profissionais da área, de modo a possibilitar o seu aperfeiçoamento. (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2006, p. 9).

A NOBRADE estabelece uma descrição multinível, partindo-se do geral para o particular, onde o contexto e a estrutura hierárquica do fundo e suas partes componentes são representados. Considera que existem seis principais níveis de descrição:

– acervo da entidade custodiadora (nível 0) – fundo ou coleção (nível 1)

– seção (nível 2) – série (nível 3)

– dossiê ou processo (nível 4) – item documental (nível 5)

Além disso, admite os seguintes três níveis intermediários: – acervo da subunidade custodiadora (nível 0,5)

– subseção (nível 2,5) – subsérie (nível 3,5)

A NOBRADE também prevê a existência de oito áreas, onde estão compreendidos 28 elementos de descrição. Comparando com a ISAD (G), a norma brasileira

possui mais uma área (área 8) e dois elementos de descrição (6.1 e 8.1), ficando assim estruturada e sugerida (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2006, p. 18).

(1) Área de identificação, onde se registra informação essencial para identificar a unidade de descrição;

(2) Área de contextualização, onde se registra informação sobre a proveniência e custódia da unidade de descrição;

(3) Área de conteúdo e estrutura, onde se registra informação sobre o assunto e a organização da unidade de descrição;

(4) Área de condições de acesso e uso, onde se registra informação sobre o acesso à unidade de descrição;

(5) Área de fontes relacionadas, onde se registra informação sobre outras fontes que têm importante relação com a unidade de descrição;

(6) Área de notas, onde se registra informação sobre o estado de conservação e/ou qualquer outra informação sobre a unidade de descrição que não tenha lugar nas áreas anteriores;

(7) Área de controle da descrição, onde se registra informação sobre como, quando e por quem a descrição foi elaborada;

(8) Área de pontos de acesso e descrição de assuntos, onde se registra os termos selecionados para localização e recuperação da unidade de descrição.

Destacamos, para a representação arquivística da informação e sua posterior recuperação, as seguintes áreas:

(3) Área de conteúdo e estrutura, onde se registra informação sobre o assunto e a organização da unidade de descrição.

Área de conteúdo e estrutura (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2006, p. 39). Âmbito e conteúdo

Objetivo: Fornecer aos usuários informações relevantes ou complementares ao Título (1.2) da unidade de descrição.

Regra (s): Informe, de acordo com o nível, o âmbito (contexto histórico e geográfico) e o conteúdo (tipologia documental, assunto e estrutura da informação) da unidade de descrição.

(8) Área de pontos de acesso e descrição de assuntos, onde se registra os termos selecionados para localização e recuperação da unidade de descrição.

Pontos de acesso e indexação de assuntos (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2006, p. 59).

Objetivo: Registrar os procedimentos para recuperação do conteúdo de determinados elementos de descrição, por meio da geração e elaboração de índices baseados em entradas autorizadas e no controle do vocabulário adotado.

Regra (s): Identificar os pontos de acesso que exigirão maior atenção na geração de índices e realizar a indexação de assuntos de maneira controlada sobre elementos de descrição estratégicos para a pesquisa.

Essas duas áreas procuram contemplar o resultado da análise documentária, onde é possível descrever o conteúdo de um documento (3 – de conteúdo e estrutura) e também representá-lo por meio de termos de indexação (8 – área de pontos de acesso e descrição de assuntos).

A representação arquivística do Cine Jornal Informativo n. 118, por exemplo, pode ser visualizada da seguinte maneira no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN):

Figura 13: extrato do campo 3.1.1 – Especificação do conteúdo do Cine Jornal Informativo n. 118.

Figura 14: extrato do campo 7.1.1 Termos de indexação do Cine Jornal Informativo n. 118.

Fonte: Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN).

Conforme indicado no campo “2.3.3 – Especificação da história arquivística” do Fundo Agência Nacional no SIAN, a indexação das imagens em movimento foi realizada pelo setor com base no Vocabulário Controlado Básico do Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado Federal (PRODASEN), no vocabulário controlado em História do Brasil da Biblioteca do Arquivo Nacional, no volume 2 do Código de Catalogação Anglo-Americano (AACR-2) e nas entradas para “Nomes Geográficos, normas para indexação” do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Atualmente uma equipe especializada é responsável pela normatização e sistematização da descrição multinível integrada e pelo vocabulário controlado do SIAN. Todavia, não é objetivo desta pesquisa a abordagem dos aspectos concernentes as linguagens documentárias usadas no sistema.

Portanto, é possível perceber que o resultado da representação arquivística de um cinejornal pode ser realizada no SIAN, visto que o sistema oferece espaços destinados para a descrição do conteúdo e para sua representação com termos de indexação. Além disso, está em consonância com orientações arquivísticas internacionais, que foram plasmadas na NOBRADE. Todavia, isso não impede que avaliações sejam realizadas para saber se a representação arquivística da informação atual está de acordo com as singularidades dos cinejornais e se contribui para a recuperação da informação.

As imagens em movimento possuem orientações e regras próprias de catalogação. Conhecer essas normas pode contribuir para uma melhor descrição arquivística dos cinejornais, visto que, de acordo com Edmondson (2013, p. 174)

as normas são frequentemente adaptadas das regras de catalogação de imagens em movimento e de sons gravados elaboradas pela Fiaf, Iasa, Amia, Fiat e outras associações, em função das necessidades dos arquivos e de seus usuários, bem como da natureza dos acervos.

Entretanto, é importante ressaltar que as normas de catalogação não visam a representação de conteúdos dos documentos e sim sua descrição de natureza formal (elementos formais).

Foi criado no ano de 1989, no âmbito do Conselho Internacional de Arquivos (CIA), um Comitê de Normas de Descrição a partir da necessidade de uma normalização de descrição específica para os documentos arquivísticos. Desde 1968 a International Federation of Film Archives (FIAF) abriga e incentiva os trabalhos da Comissão de Catalogação e Documentação20, que tem dentre as suas responsabilidades o estudo de

catalogação e processamento automatizado de dados para os materiais de imagens em movimento.

A FIAF, felizmente, contempla discussões acerca dos cinejornais. Já foi realizado em 1993, na Noruega, um simpósio inteiramente dedicado aos cinejornais durante o congresso anual da federação. Além disso, os jornais cinematográficos são objeto de estudo, ainda que de maneira pouco exaustiva, em duas iniciativas da Comissão de Catalogação e Documentação: "FIAF Moving Image Cataloguing Manual"21, que está sendo discutido e

atualizado e “Glossary of Filmographic Terms”.

A maior contribuição dessas duas iniciativas está no fato de categorizar e definir os conceitos para que melhor sejam aplicados na descrição das informações de um filme. Os cinejornais, na maioria das vezes, apresentam diferentes blocos de notícias. A maneira como um jornal cinematográfico foi concebido acaba definindo como deve ser a sua representação para que aconteça a recuperação da informação de seu conteúdo.

Estar de acordo com o que tem sido estudado e estabelecido pelas entidades representativas dos arquivos, especificamente dos arquivos de filmes, parece ser um bom caminho, pois facilita o intercâmbio de informações e experiências nos âmbitos nacional e

20 Mais informações sobre o trabalho desenvolvido pela Comissão de Catalogação e Documentação podem ser

consultadas no site da FIAF. Disponível

em:<http://www.fiafnet.org/~fiafnet/es/commissions/com_cat_intro.html>. Acesso em: 12 abr. 2014.

21 O projeto de revisão das normas de catalogação mantém um documento de trabalho que pode ser acessado pela internet. Disponível em: <http://www.filmstandards.org/fiaf/wiki/doku.php>. Acesso em: 13 abr. 2014.

internacional. Os usuários dos arquivos também podem se beneficiar ao perceberem que o tratamento técnico de um arquivo audiovisual foi realizado consoante com metodologias claras e que explicitam respostas às seguintes perguntas: Quais foram as escolhas metodológicas? Quais fatores influenciaram tais escolhas? Qual era o contexto da época do tratamento técnico do acervo? Quais foram as limitações profissionais, de equipamentos e tecnologias durante a realização do tratamento técnico?

Um dos maiores problemas da recuperação da informação é não informar como o trabalho de descrição de um documento foi realizado. Um documento arquivístico não vai ser trabalhado da mesma forma que um documento bibliográfico ou museológico, ainda que possa existir pontos de contato e influências. O ambiente de reflexão e tratamento da informação precisa estar bem definido e explicitado. De acordo com a ISAD (G) (2000, p. 12) “as normas de descrição arquivística são baseadas em princípios teóricos aceitos”, destacando o princípio do respeito aos fundos22. Deve-se observar que os conceitos, metodologias e

práticas estão relacionados ao que foi construído em ambientes de discussão específicos. Ainda segundo Edmondson (2013, p. 147) “as obras audiovisuais não são produzidas no vácuo mas em uma época e em um lugar concretos. Como tais, só poderão ser apreciadas em seu devido contexto” O autor chama a atenção para a necessidade de contextualização do filme durante a apresentação. Com a internet parece que isso perde um pouco o sentido, visto que os documentos podem estar replicados em diversos sites, porém o esforço tem que ser feito e a NOBRADE prevê um campo onde as informações do contexto podem figurar.

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