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Do sistema financeiro mundial às suas crises financeiras: contradições estruturais e

No documento jonathanhenrisebastiaojaumont (páginas 66-69)

CAPÍTULO II – O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

2.2. Reordenamento político-econômico mundial: hegemonia estadunidense e financeirização da

2.2.4. Do sistema financeiro mundial às suas crises financeiras: contradições estruturais e

Com efeito, as sucessivas tentativas para a superação das crises e recessões por parte dos Estados Unidos, como vimos acima, do pós-guerra à década de 1980, e a retomada de sua economia, a partir da década 1980 até, pelo menos, os anos 2000, indicam, claramente, neste sentido, a orientação consciente das medidas que gestaram e consolidaram este novo padrão mundial de acumulação de capital.

A financeirização da economia mundial, portanto, está, na realidade, assentada nas imposições estadunidenses benéficas às frações de classes mundialmente hegemônicas, enquanto o próprio desmonte do pacto keynesiano, o remanejo do fundo público e a desregulamentação trabalhista que, a partir da década de 1980, empreendeu-se, denota a imperiosa necessidade de aumento da extração de mais-valor. As taxas de crescimento da economia estadunidense, aliás, estão conectadas, intimamente, com uma sustentada retomada de seu setor produtivo, a partir dos primeiros anos da década de 1980. Por outro lado, a desvalorização do dólar por parte dos Estados Unidos, de 1985, em nova inversão unilateral de sua política monetária, vai explicitar um salto qualitativo em relação à política de dominação mundial estadunidense. A depreciação de sua moeda para intentar um novo impulso ao seu setor produtivo, de fato, acaba com as concessões que sustentava aliados lucrando com as altas taxas de câmbio e indica uma nova posição hegemônica, praticamente, unívoca diante do enfraquecimento do Campo Socialista.

O atual sistema financeiro mundial, inicialmente, é, neste bojo, o produto das medidas de liberalização e de desregulamentação monetária e financeira de 1979-81. O fim do controle do movimento de capitais com o estrangeiro resultou, de fato, na articulação de um espaço financeiro mundial, interconectado em tempo real, pela integração dos sistemas financeiros nacionais existentes previamente. Para a emergência deste espaço, no entanto, foi necessário garantir a descompartimentalização destes mercados financeiros nacionais e a

reservadas aos bancos, a todo tipo de grande investidor financeiro. Estas medidas, na prática, só foram possíveis sob a pressão política dos grandes organismos financeiros internacionais – tais como o FMI e o Banco Mundial – com a tutela estadunidense. Estes processos, intimamente, ligados estruturaram um sistema, finalmente, fortemente hierarquizado pela dominação estadunidense e marcado pela completa ausência de instâncias de supervisão e controle.

Chega-se, assim, aos anos 1990-2000, com um padrão de acumulação do capital, firmemente, assentado sobre lucros fictícios, exploração brutal do trabalho, elevada rotação do capital e crescimento das transferências da periferia para o centro. Suas próprias contradições, no entanto, e, em especial, a impossibilidade, para o conjunto do capital, de converter capital fictício em investimento real, precipitam, sucessivas crises financeiras neste período. Para se ter dimensão da instabilidade real deste sistema, basta lembrar que, em 20 anos, destacam-se, pelo menos, seis crises significativas e interligadas pela financeirização de suas raízes estruturais: Japão em 1991, México em 1994, Sudeste Asiático em 1997, Rússia em 1998, Nasdaq em 2001 e subprime em 2008. Ou seja, uma crise, quase, a cada 3 anos.

Na interpretação de Chesnais (2004), se observarmos atentamente os níveis de crescimento mundiais no período da mundialização financeira, seria preciso constatar que, no geral, estamos diante do prosseguimento de uma redução tendencial destas taxas. Via de regra, se trataria, sem dúvidas, muito mais de um processo brutal de concentração da riqueza do que de uma suposta reversão da atual tendência econômica mundial. Diante deste cenário, a “insaciabilidade” da finança, segundo Chesnais, esbarraria numa realidade econômica incapaz de lhe entregar aquilo que não vem produzindo.

Nestes termos se explicaria a principal contradição colocada pela acumulação financeira atual:

contradição entre valorização financeira exigida e valorização econômica possível, com o supercrescimento financeiro cobrindo a diferença entre rentabilidade demandada pelo capital acionário e capacidade objetiva de lucratividade dos ativos econômicos subjacentes. (LORDON, 2000, p. 80 apud CHESNAIS, 2005, p. 61)

Não se trataria, obviamente, de apagar as contradições capitalistas clássicas, mas de perceber, para Chesnais, por um lado, sua contenção por estratégias industriais oligopolistas para evitar capacidades produtivas desproporcionais e por políticas estatais anticíclicas e, por outro, sua combinação com as contradições e antagonismos próprios da acumulação financeira. Neste sentido, as crises econômicas contemporâneas só poderiam ser explicadas a

partir do insaciável movimento financeiro que tenta, a todo custo, forçar o ritmo da

apropriação da riqueza suscetível de ser drenada para os centros financeiros (op. cit., p. 62).

No cenário atual, o baixo crescimento econômico não condiria, portanto, com as expectativas financeiras vigentes e seu comportamento altamente arriscado. O resultado seriam as graves crises provocadas por sua possibilidade de retirada abrupta das economias às quais se precipitaram num primeiro momento favorável. O espraiamento destas crises, para o autor, na realidade, só atestaria a artificialidade, degradação e fragilidade da estrutura financeira atual e seu descolamento relativo do sistema produtivo em nítida dificuldade. Nestes momentos, os Estados não poupariam esforços – com recursos públicos é preciso acentuá-lo – para garantir a liquidez necessária à fuga de capitais e ao salvamento das instituições financeiras. Assim mesmo, o tema central para o sistema capitalista atual seguiria sendo, fundamentalmente, sua incapacidade de recuperação econômica, subordinada, em geral, a situação estadunidense.

Com efeito, o recorrente tema da liquidez das instituições financeiras, neste quadro, nos leva, necessariamente, a encarar sua crônica insolvência. Há que, neste sentido, remeter- se à viabilidade do padrão diante de um cenário crítico em que a reprodução da arriscada lógica do capital financeiro depende, fundamental e estruturalmente, de permanentes e volumosos recursos estatais. A periódica cobrança por parte do capital financeiro de montantes estatais, sempre maiores, para o salvamento de suas crises, irresponsavelmente, contraídas, só atesta a condição supramencionada. Os astronômicos 10 trilhões de dólares da dívida atual estadunidense, indicados por István Mészáros, explicitam, claramente, assim, que “o papel direto do Estado capitalista no mundo parasitário das finanças é não só fundamentalmente importante (…), mas também potencialmente catastrófico”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 26).

De fato, a catástrofe, irremediavelmente, se anuncia se considerarmos a possibilidade que, concretamente, se aproxima, dos Estados Unidos não honrarem estes compromissos, contraídos mundialmente. O calote da dívida estadunidense, para Mészáros, é somente uma questão de tempo. Isto se deve à dinâmica própria do imperialismo estadunidense contemporâneo. O endividamento sendo premissa da modalidade financeira da acumulação capitalista atual, o imperialismo estadunidense lança mão de mecanismos mundiais de extração e sucção de excedente para sustentá-lo. Tais mecanismos penetram, obvia e brutalmente, os países periféricos do sistema mundial, mas não excluem os países centrais europeus e o Japão e vão da imposição unilateral de tratados comerciais ao favorecimento sistemático dos grupos econômicos estadunidenses mundo afora. A penetração econômica imperialista não se furta, portanto, do uso de sua hegemonia política e sua supremacia militar

atual.

Esta dinâmica, no entanto, efetua-se, também, por sua vez, apoiada sobre “novo” endividamento para viabilizar-se. A dívida estadunidense, neste sentido, para ser socializada

mundialmente depende de endividamento. É este endividamento maciço que se transformou,

com isso, numa das contradições centrais do imperialismo estadunidense contemporâneo. O calote, de sua parte, decorre da insustentável possibilidade do resto do mundo seguir viabilizando, indefinidamente, o pagamento da dívida estadunidense. Esta capacidade, aliás, já vem demonstrando, segundo o autor, fortes sinais de esgotamento.

Os limites estruturais que Mészáros apresenta, entretanto, estão longe de implicar um colapso automático e inelutável do capital num futuro próximo. Tampouco lhe parece que são sinais do declínio da hegemonia estadunidense. Mas indicam, sem dúvidas, a profundidade e a extensão da crise atual, assim como, as implicações desastrosas que o padrão de acumulação e reprodução estadunidense contemporâneo, por sua posição dominante e caráter profundamente interdependente, parece levar ao conjunto da economia global. Por isso, é que o autor é categórico em suas conclusões:

a crise estrutural do sistema do capital como um todo – a qual estamos experimentando nos dias de hoje em uma escala de época – está destinada a piorar consideravelmente. Vai se tornar à certa altura muito mais profunda, no sentido de invadir não apenas o mundo das finanças globais mais ou menos parasitárias, mas também todos os domínios da nossa vida social, econômica e cultural. (MÉSZÁROS, 2011, p. 17)

A nova geopolítica inaugurada pela Doutrina Bush, após o ataque às torres gêmeas, a capacidade da política de contenção de danos e socialização das perdas, após a crise de 2008, e a retomada do crescimento econômico dos países centrais, na última década, são, incisivas, ao demonstrar, neste sentido, que, sem dúvidas, estamos longe de uma crise final do capitalismo contemporâneo. Pelo contrário, nos dias atuais, parece mais vigente do que nunca a assertiva de que nenhuma ordem social se suicida. Ou seja, na ausência de alternativas societárias à altura do desafio de superar o modo de produção atual, este vai se reproduzindo e se regenerando, agudizando suas contradições e generalizando a barbárie para cada poro da vida social humana.

No documento jonathanhenrisebastiaojaumont (páginas 66-69)