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Sistemas de ciclo combinado (Rankine e Brayton)

Capítulo 1 Introdução

1.6 Conversão energética de combustíveis sólidos

1.6.2 Sistemas de ciclo combinado (Rankine e Brayton)

Actualmente ocorrem na literatura diversos trabalhos dedicados ao desenvolvimento e análise de novos conceitos para o aproveitamento de combustíveis sólidos, impelidos sobretudo pela necessidade de reduzir os impactos ambientais associados à conversão energética do carvão (nomeadamente em termos das emissões de CO2), aumentar a

eficiência de produção de electricidade e iniciar a produção de combustíveis sintéticos (p.e. Dry, 2001; Corti & Lombardi, 2004; Prins et al., 2004; Rukes & Taud, 2004; Levenspiel, 2005; Collot, 2006; Shoko et al., 2006; van Dyk et al., 2006; Beér, 2007).

Neste âmbito, os sistemas de ciclo combinado têm merecido bastante interesse, tendo sido já propostos alguns modelos de integração dos ciclos Rankine e Brayton, assentes em tecnologias de gasificação de combustíveis sólidos. De facto, a gasificação afigura-se um processo central para os sistemas energéticos do futuro, dado que permite diversificar as aplicações dos combustíveis sólidos (carvão, biomassa e resíduos); trata-se dum processo a alta temperatura onde, para além da desvolatilização/pirólise do combustível, ocorre ainda o ataque do carbonizado sobrante com agentes gasosos específicos (p.e. H2O), no sentido de produzir uma mistura gasosa enriquecida em H2 e CO (após

tratamento), conhecido por gás de síntese. Com efeito, as aplicações deste gás combustível são muito variadas e, no âmbito dos sistemas de ciclo combinado, pode servir o funcionamento duma turbina a gás (ciclo de Brayton). No geral, existem duas abordagens principais para os sistemas de ciclo combinado, consoante o processo de gasificação do combustível seja parcial ou completo.

Na primeira situação, a operação do gasificador é controlada no sentido de produzir simultaneamente gás de síntese e sólidos carbonizados, os quais são conduzidos para combustão numa turbina a gás e numa caldeira, respectivamente (Beér, 2007). Para o reactor de combustão serve um leito fluidizado pressurizado, dado que apresenta maior flexibilidade quanto ao combustível e permite uma redução efectiva da emissão de SO2

(especialmente no caso do processamento de carvão), tendo como objectivo (i) produzir o vapor destinado à execução dum ciclo de Rankine e (ii) oferecer o oxigénio necessário à combustão do gás de síntese na turbina (i.e. o oxigénio do efluente gasoso tratado). Para além disso, o calor sensível dos gases de exaustão da turbina podem ainda ser usados na produção de mais vapor. Thunman et al. (2007) propuseram também um conceito semelhante, mas aplicado à conversão de biomassa (i.e. combustíveis com elevado teor de voláteis). Neste caso, o combustível sofre uma gasificação parcial (i.e. desvolatilização, pirólise e gasificação indirecta) num leito fluidizado atmosférico, cuja extensão pode ser controlada através do caudal de biomassa admitido, produzindo também “gás de síntese” e sólidos carbonizados. Em série com o gasificador encontra-se um leito fluidizado circulante onde ocorre a combustão dos carbonizados, com o objectivo de produzir vapor (eventualmente destinado a uma máquina térmica) e ao mesmo tempo o calor necessário ao processo de gasificação (através da corrente de recirculação dos sólidos do leito capturados no ciclone). Trata-se dum conceito idêntico ao que deu origem à central térmica de 8 MWth instalada em Güssing (www.renet.at), em que os processos

de gasificação e combustão ocorrem em reactores de leito fluidizado separados, sendo o último responsável pela geração do calor necessário à gasificação indirecta da biomassa.

Efectivamente, a ideia fundamental deste tipo de abordagem parece ser evitar a presença de N2 na mistura gasosa que dá origem ao gás de síntese, já que a separação física dos

processos de gasificação e combustão não evita a presença de CO2 nessa mistura. De

facto, o CO2 é formado, entre outros, pela reacção heterogénea da água com o carbono

do combustível e pela reacção homogénea do CO com H2O (conhecida por water-gas

shift reaction).

Na segunda abordagem enquadram-se as novas centrais termoeléctricas de ciclo combinado conhecidas por IGCC (Integrated Gasification Combined Cicle), em que o funcionamento da turbina a gás (i.e. o único local onde efectivamente ocorre combustão) é suportado pela gasificação directa do combustível sólido à cabeça da central, no sentido do converter em gás de síntese. No contexto actual de incentivo ao controlo das emissões de GEE, estes sistemas têm sido sobretudo propostos para o aproveitamento de carvão (i.e. o combustível fóssil com maior produção de CO2 por unidade de energia),

dado os ganhos de eficiência resultantes do ciclo combinado equilibrarem a integração de tecnologias destinadas à captura de CO2. Segundo a Agência Internacional de Energia é

possível alcançar eficiências da ordem de 38-40 % em centrais IGCC equipadas para a captura de CO2 (OCDE/IEA, 2004), tratando-se da eficiência típica das centrais actuais

de ciclo simples (i.e. Rankine). De facto, o desenvolvimento de tecnologias de captura e sequestro de CO2 é claramente uma área com forte I&D na actualidade, tendo sido já

proposto um conjunto de tecnologias para o efeito, envolvendo p.e. absorção, adsorção, criogenia, carbonatação e membranas1. Actualmente encontram-se em operação pelo

menos três centrais IGCC à escala industrial, a carvão e sem captura de CO2, assentes

nas tecnologias de gasificação da Chevron Texaco, da Shell e da E-GasTM, e outras

encontram-se em fase de projecto (Collot, 2006).

A Figura 1.22 apresenta o diagrama simplificado duma central IGCC aplicada à conversão energética de biomassa, onde é possível observar o gasificador, o sistema de captura de CO2 e a articulação dos ciclos de Rankine e Brayton.

De uma forma geral, nestes sistemas a gasificação do combustível sólido é realizada com vapor e quantidades controladas de ar ou oxigénio (i.e. gasificação directa), no sentido de gerar in situ a energia necessária à gasificação; o processo é desenhado para alcançar a gasificação completa do sólido, envolvendo geralmente a recirculação do material retido no ciclone (cinzas e sólidos parcialmente gasificados) através do gasificador. Uma vez que o gás combustível gerado é bastante contaminado com

1 Existem ainda outras tecnologias desenvolvidas para a captura de CO

2 em sistemas de combustão,

partículas e apresenta uma composição gasosa bastante complexa, incluído CH4, H2,

CO, CO2, e H2O, H2S, etc., é necessária uma linha de tratamento de gás bastante

especializada, no sentido de proteger a turbina a gás, remover poluentes e melhorar o desempenho do sistema de captura de CO2. Neste sentido, para além dos órgãos de

tratamento do efluente gasoso (ciclone, torres de absorção de H2S, etc.), é necessário

ainda um reactor destinado a enriquecer o gás em H2 e CO2 (water-gas shift reaction),

cuja localização deve preceder a turbina a gás. Estas condições favorecem a captura de CO2 numa torre de absorção, dado a mistura gasosa apresentar uma concentração

apreciável do gás; para além disso, um sistema de captura do tipo pré-combustão evita a diluição do CO2 pelo ar de oxidação (i.e. pelo azoto do ar) admitido à turbina. Assim, o

ciclo de Brayton (aberto) realiza-se na presença dum gás bastante enriquecido em H2,

fazendo com que o processo de combustão decorra virtualmente sem produção de CO2.

Mais uma vez, o efluente gasoso da turbina a gás, a alta temperatura (> 500 ºC), é conduzido para um gerador de vapor destinado a produzir vapor em condições p-T adequadas ao ciclo de Rankine.

Figura 1.22 – Esquema simplificado duma central termoeléctrica de ciclo combinado (Rankine e

Brayton), com gasificador de biomassa integrado e sistema de absorção de CO2 (Fonte: adaptado

de Corti & Lombardi, 2004).