• Nenhum resultado encontrado

Sistemas e limites globais, interações complexas e cadeias de impactos

REVISÃO DA LITERATURA

2.2 ARCABOUÇO CONCEITUAL

2.2.4 Sistemas e limites globais, interações complexas e cadeias de impactos

O antigo International Geosphere-Biosphere Program (IGBP) já em 2004 alertava para o fato de que os impactos das atividades humanas no sistema terrestre não ocorrem de maneira isolada, nem possuem relação exclusiva de causa e efeito. Uma única mudança é capaz de acionar um grande número de respostas do sistema terrestre, que reverberam entre si ou cascateiam seus efeitos, frequentemente fundindo seus impactos às variabilidades naturais da Terra (STEFFEN e ELIOTT, 2004).

Mesmo que parte dos efeitos possam ser anulados, os impactos dos forçamentos humanos poderão ter suas consequências amplificadas pelas relações entre si e pelas respostas do sistema terrestre. Com base nesta interconectividade dos processos globais estabelecidos no Antropoceno, o Centro de Resiliência de Estocolmo se dedicou à influente pesquisa que busca identificar e quantificar limites planetários (Figura 2.3): processos do sistema terrestre que, uma vez ultrapassados, poderão causar mudanças ambientais irreversíveis que podem ameaçar a vida humana no planeta (ROCKSTRÖM et al., 2009).

Figura 2.3 - Limites planetários

Fonte: Criado por J. Lokrantz/Azote baseado em Steffen et al. (2015).

Os autores propõem uma abordagem que defina as pré-condições essenciais para o desenvolvimento humano na Terra, baseada em três questões principais: a escala da ação humana em relação a capacidade da Terra de suportá-la; a necessidade de se entender processos terrestres essenciais e a pesquisa da resiliência terrestre e suas interações dinâmicas e complexas, processos de auto regulação e seus limites (STEFFEN et al., 2015; ROCKSTRÖM et al., 2009). A pesquisa identifica nove limites planetários: fluxos biogeoquímicos, acidificação dos oceanos, carga de aerossóis na atmosférica, depleção do ozônio estratosférico, mudança global do clima, integridade da biosfera, mudanças no uso da terra, uso de água doce, além de novas entidades ainda não reconhecidas. O trabalho de quantificação destes limites se deu em duas frentes: primeiro, a valoração dos limites em si, que não devem ser ultrapassados dentro dos quais está o espaço seguro de operação da humanidade. Segundo, a identificação do quão longe (ou quão perto) o sistema terrestre está desses limites. Dois limites já foram ultrapassados e se encontram em zona de risco para a humanidade: a

integridade da biosfera e os ciclos biogeoquímicos de nitrogênio e potássio. As mudanças do clima do uso da terra se encontram em zonas de incerteza e crescente risco. Dois limites (aerossóis atmosféricos e novas entidades) ainda não foram quantificados, enquanto os demais se encontram em zona segura, abaixo dos limites.

O conhecimento destes limites permite balizar as atividades humanas que mais afetam os sistemas terrestres, como a agricultura altamente industrializada e a forte dependência dos combustíveis fósseis. Em pesquisa fortemente sinérgica, Kate Raworth discute novos paradigmas para a economia, advogando um novo ponto de partida para a percepção de prosperidade, ideia também defendida por Rees (2014). Raworth acrescenta aos limites planetários os alicerces sociais mínimos necessários ao pleno alcance dos direitos humanos (RAWORTH, 2017). A figura da economia doughnut (ou a rosca da economia - Figura 2.4) vem deste espaço possível para o crescimento econômico colocado entre círculos concêntricos e não apenas os limites superiores propostos pelos limites planetários.

Figura 2.4 - Rosca (doughnut) dos limites sociais e planetários Fonte: Raworth ( 2017)

O círculo interior deste espaço é delimitado pelos alicerces sociais como água, alimento, saúde, educação, trabalho e renda, paz e justiça, voz política, equidade de gênero, moradia, redes, energia e equidade social. O circulo exterior é limitado pelos limites planetários (ou teto ecológico): mudanças do clima, diversidade genética e funcional, mudança dos sistemas terrestres, uso de água, fluxos biogeoquímicos, acidificação dos oceanos, contaminação atmosférica por aerossóis e depleção estratosférica da camada de ozônio, além de novos acontecimentos ainda desconhecidos pela ciência (RAWORTH, 2017; STEFFEN et al., 2015).

De forma complementar, a busca pelos sistemas terrestres mais vulneráveis que sofrerão mudanças mais cedo e de forma provavelmente irreversível levou à identificação de pontos de não- retorno (do inglês tipping points), processos de retroalimentação (feedback) e as interações complexas entre ambos. Os pontos de não-retorno se referem a posições no sistema em que pequenos acréscimos de forçamentos externos agem como gatilhos para mudanças internas que provocam mudanças em todo o sistema, frequentemente de forma rápida, inesperada e irreversível (SCHELLNHUBER, 2009). Os feedbacks, por sua vez, são processos dentro de um sistema que podem acelerar (feedbacks positivos) ou retardar (feedbacks negativos) uma mudança no sistema causada por um fator de forçamento externo (ANDERIES et al., 2013). Nem todos os processos de feedback tem pontos de não-retorno, podendo ser lentos e graduais, ao mesmo tempo que nem todos os pontos de não-retorno retroalimentam o sistema para provocar mais mudanças. Ainda, pontos de não-retorno podem apresentar fluidez e mobilidade, variar no tempo e no espaço (ANDERIES et al., 2013; LENTON e WILLIAMS, 2013), reforçando a ideia do comportamento e das interações não-lineares dos processos e limites terrestres (STEFFEN e ELIOTT, 2004). A floresta amazônica, por exemplo, possui múltiplos elementos de não-retorno e retroalimentação identificados que, se ultrapassados, provocariam significativas alterações qualitativas em seus ecossistemas para se tornarem, possivelmente, ecossistemas não florestais. Estima-se que o desmatamento sozinho teria seu ponto de não-retorno na faixa de 20 a 25% de área convertida para a agropecuária (LOVEJOY e NOBRE, 2018). As mudanças climáticas, por sua vez, têm seu ponto de não-retorno no aumento de 3 a 4°C na região amazônica na ausência de outros fatores (NOBRE e BORMA, 2009). No entanto, a retroalimentação entre estes fatores modifica de forma substancial os limites discutidos. Os objetivos do Acordo de Paris de manutenção do aquecimento global abaixo de 2°C reduzem o potencial de desmatamento a valores muito menores que 25% da área total. Já limite desejado para o aquecimento de até 3°C reduz essa área a praticamente zero (STEFFEN, 2019; LOVEJOY e NOBRE, 2018).

Em princípio similar que busca compreender e elucidar o desdobramento das mudanças globais em efeitos locais, o grupo de pesquisa do Potsdam Institute for Climate Impact Research, utiliza o conceito de cadeias de impacto para estruturar a informação relacionada aos impactos climáticos (CI:GRASP, sem data). Em sua plataforma virtual ‘Climate Impacts: Global and Regional Adaptation Support Platform’ (ci:grasp) estão reunidos estudos de caso que ilustram cadeias de impacto que permitem o entendimento de como os estes inpactos interagem entre si e se propagam em um sistema socioecológico, como o exemplo da Figura 2.5 a seguir.

Figura 2.5 - Cadeia de impacto do aumento do nível do oceano para determinado sistema socioambiental Fonte: adaptado pela autora com base em (CI:GRASP, sem data)

A cadeia de impacto climática é, neste caso, a representação geral de como um estímulo climático se propaga em um sistema de interesse, por meio dos impactos diretos e indiretos envolvidos (CI:GRASP, sem data). O estímulo é representado na elipse à esquerda e os impactos são conectados por setas. Um estímulo pode estar conectado a mais de um impacto, bem como impactos podem estar conectados a mais impactos. Esta representação permite visualizar a complexidade da relação entre os efeitos das ações humanas e seus impactos, que podem ser multiplicados e desdobrados em efeitos significativos para a escala local. Ela evidencia também a importância do conhecimento de toda a cadeia para o planejamento das atividades de adaptação e elaboração de políticas a partir de decisões bem-informadas.