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D. metodologia a ser utilizada

3. CRIAÇÕES NÃO PROTEGIDAS

3.4. Criações excluídas pela Lei 9.610 de 1998

3.4.4. Sistemas, Métodos e Esquemas

De fato, segundo a Lei sistemas e métodos, em si mesmos, não constituem obras intelectuais protegidas pelo Direito de Autor, porquanto a criação do espírito objeto da tutela legal é aquela de algum modo exteriorizada. Assim, obra intelectual protegível é sempre a forma de expressão de uma “criação do espírito”, e não sistemas ou métodos veiculados, conforme apontam as deliberações do CNDA164:

Ora, estamos diante de ideias, ideias alinhadas em forma de sistema, jamais diante de obra intelectual protegida. Esta Câmara tem julgado inúmeros processos em que se solicita a proteção de ideias, sistemas etc., indeferindo todos por falta de fundamento jurídico. Esta Câmara já tem decidido neste sentido conforme as Deliberações CNDA nº 33/83, 39/83, 40/83, 41/83, entre outras [...].

De fato, segundo a melhor doutrina, a criação do espírito objeto da tutela legal é aquela de alguma forma exteriorizada, já que obra intelectual protegível é sempre a forma de expressão e não [...], sistemas, métodos. O que você constitui o objeto principal do requerimento em questão, isto é, a invenção, ideia ou método consistente na apresentação, sob forma gravada, de material literário, é insuscetível de proteção pelo Direito de Autor.165

A deliberação do CNDA esclarece que o texto literário apresentado à apreciação, o qual contem a suposta invenção, ideia, método ou sistema pode ser amparado como obra literária em si, não protegendo a idealização ali contida. O sistema é formado pela técnica. A técnica é o caminho ou o meio para realizar o sistema. “A noção deriva do princípio Kantiano de que o sistema é o ideal regulador da pesquisa filosófica, não sua

163Corte de Cassação, Primeira Câmara Civil, 25 de maio de 1992 (RIDA, outubro, 1992, 156; Dalloz 1993, Jurisprudence p. 184). Decisão da Corte de Apelação de Douai, 20/9/1996: RIDA outubro de 1996, p. 278 (obra citada, p. 178). apud COSTANETTO,José Carlos. op. cit., p. 85.

164CNDA-Minc. Deliberação nº 40 – 1ª Câmara, aprovada em 14/9/83 apud OLIVEIRA, J. N.; WILLINGTON, J. op. cit., p. 24

165CNDA-Minc. Deliberação nº 36, aprovada em 21/3/84, Proc. nº 228/83 apud OLIVEIRA, J. N.; WILLINGTON, J. op. cit., p. 24-25.

realidade166.” Sendo que método comporta dois significados fundamentais. O primeiro refere-se à toda pesquisa ou orientação de pesquisa (v.g. método hegeliano, dialético, geométrico); o segundo significado é mais restrito e indica um procedimento de investigação ordenado, repetível e auto corrigível, que garanta a obtenção de resultados válidos (v.g. método silogístico, dos resíduos. “Mas é preciso observar que não há doutrina ou teoria, seja científica, seja filosófica, que não possa ser considerada sob o aspecto de sua ordem de procedimento e portanto chamada método.”167

Salientam Oliveira e Willington168 que, até o advento da Lei 9.610/98, havia larga discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da proteção dos projetos, concluindo, por fim, não serem os projetos passíveis de proteção na seara do direito autoral, excetuados aqueles relativos às matérias de geografia, topografia, engenharia, arquitetura, cenografia e ciência. Projeto não passa de um intento, um designo, um plano a ser ou não concretizado169.

Projetos que se limitam a estabelecer as características básicas de uma ideia, sem constituírem por si textos literários ou científico, participam da mesma natureza dos sistemas, métodos e outros desenvolvimentos de ideias. A obra intelectual protegível é sempre a forma de expressão e não as ideias, inventos, sistemas, métodos ou projetos veiculados pela obra intelectual170.

Sobre o fundamento da não proteção dos projetos pela lei autoral, destaca José de Oliveira Ascensão171:

Se considerássemos o projeto tutelado por si, acabávamos por, indiretamente (sic), outorgar proteção ao resultado final, que é indissociável daquele projeto.

Para evitar esta contradição, temos de concluir que a Convenção está a referir elementos preparatórios ou acessórios duma realização topográfica final, que tenham por si valia estética.

Ocorre perguntar se os meros projetos de atuação futura, por qualquer modo exteriorizados, podem ser protegidos como obras literárias ou artísticas. A resposta é

166ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 1. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p. 876-877. 167Id. Ibid., p. 640.

168OLIVEIRA, J. N.; WILLINGTON, J. op. cit., p. 25.

169CNDA-Minc. Deliberação nº 54, aprovada em 08/7/86, Proc. nº 40003.000139/86-82 apud OLIVEIRA, J. N.; WILLINGTON, J. op. cit.,p. 25.

170CNDA-Minc. Deliberação nº 39/83, aprovada em 14/9/83, Proc. nº 439/82 apud OLIVEIRA, J. N.; WILLINGTON, J. op. cit., p. 26.

negativa. O projeto em si não merece tutela. O Direito de Autor tutela exteriorizações, abstraindo da sua qualificação possível como projetos ou esquemas de ação.

Concluímos assim que o projeto ou categorias análogas nunca são automaticamente tuteladas pelo Direito de Autor. Podem, porém, receber uma tutela reflexa, ora quando são por si obras caracterizadas pela valia estética (um projeto de arquitetura) ou literária (um livro de instruções); quando são o esboço de uma obra e têm a mesma natureza do que esta, dentro do princípio de que o direito de autor tutela a obra logo desde os sua forma de expressão inicial. É o caso do esboço duma pintura. Esclarece José de Oliveira Ascensão que o estágio do projeto só receberá tutela se a obra final for tutelada172.

Sobre a impossibilidade de tutela dos sistemas e métodos, destaca Ribeiro173:

A lei também colocou fora da tutela do Direito de Autor os sistemas, métodos, processos e projetos. Quanto ao projeto, importante ressaltar que a lei colocou a salvo da exclusão os projetos de engenharia e arquitetura, não em seu conteúdo, mas na sua forma de contornos peculiares e originais, o que mostra, novamente, a limitação imposta pela expressão “como tais”. (grifos nossos)

Em conflito judicial que alcançou o Superior Tribunal de Justiça, a tese debatida174 foi acerca do pedido de proteção autoral a um “Sistema de Bilhetagem e Arrecadação Automática para Acesso e Utilização dos Meios de Transporte Público e/ou Privado de Passageiros”. A sentença foi julgada improcedente, por entender o juiz que a natureza da obra não comporta proteção intelectual. Explicita a Ministra Nancy Andrighi, em seu voto: “Ao manter a sentença que julgou improcedente o pedido dos recorrentes, o TJ/ES considerou que o objeto da lide evidencia verdadeiro ‘sistema’, nos termos do art. 8º, I, da Lei 9.610/98, o que inviabiliza qualquer proteção autoral.”

Descreveu-se no acórdão impugnado o objeto da pretendida proteção autoral, nos seguintes termos:

172ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Direito de Autor e Direitos Conexos. Coimbra Editorial, 1992, p. 71-74 apud ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral, cit., 1980, p. 11-12.

173RIBEIRO, Adriano Claudio Pires. O direito de autor nos programas de televisão. São Paulo: Memória Jurídica, 2006. p. 88.

174Órgão: STJ.Recurso Especial nº 1.127.852 - es (2009/0114099-0). Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Recorrente: Oscar Antônio Camacho Espindola e outro. Recorrido: Viação Netuno Ltda, Viação Tabuazeiro Ltda, Transportes Fioroti Ltda, Serramar Transporte Coletivo Ltda, e outros. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.127.852-ES, 3º Turma. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 15 de março de 2011. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>.

“O suposto invento, "Sistema de Bilhetagem e Arrecadação Automática para Acesso e Utilização dos Meios de Transporte Público e/ou Privado de Passageiros", tem como objetivo "organizar e disciplinar de forma conceitual a gestão, gerência, procedimento e controle administrativo, financeiro e operacional, através da bilhetagem automática, a habilitação, venda, carga, recarga, troca e cancelamento de cartões, bilhetes ou tickets, o débito dos créditos e o acesso aos equipamentos de transporte (ônibus, lanchas, trens, metrôs, táxis e similares), mediante liberação eletrônica das barreiras físicas instaladas.”

Em seu voto, a Ministra Nancy Andrighi corroborou que se o método por si só não é um bem jurídico tutelado pela Lei 9.610/98, igualmente não se aplicam os ditames na Convenção Interamericana de Direitos Autorais e Direitos Conexos.

José Carlos Costa Netto175 cita decisão da Corte de Cassação francesa que elucida a não proteção à receita de cozinha como método, procedimento de fazer:

Se as receitas de cozinha podem ser objeto de proteção nas suas expressões literárias, elas não são, por si mesmas, obra do espírito: são analisadas, com efeito, em uma sucessão de instruções, um método; elas operam no campo de uma habilidade, arte, destreza, que não é protegida.176

Em ação julgada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região177, pretendeu- se o pagamento de indenização referente a danos materiais e morais sob a alegação de violação de propriedade intelectual de um projeto de solução e equacionamento em função da literalidade da curva funcional prevista pelo PCCS para apurar os valores reconhecidos judicialmente como devidos decorrentes de ação trabalhista, na qual figurou no polo ativo da ação, juntamente com mais 863 empregados da então TELESC.

A decisão baseou-se nos arts. 7o e 8o da Lei 9610/98:

Com efeito, a interpretação a ser dada na conjunção destes dois dispositivos não é outra senão a de que o direito autoral dá proteção ao que está no mundo físico (concreto), logo, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos não estão sob a tutela deste instituto. Veja-se, contudo, que ao contrário do que se possa eventualmente reputar, a consolidação da legislação referente aos direitos autorais não suprimiu integralmente de seu abrigo as obras intelectuais, mas apenas aquelas que

175COSTANETTO,José Carlos. op. cit., p. 83-84.

176Tribunal de Grande Instância de Paris, 30 de setembro de 1997 (RIDA, julho de 1998, 273; confirmação pela Corte de Apelação de Paris). (Obra citada, p. 182) apud COSTANETTO,José Carlos. op. cit., p. 85. 177TRF da 4o Reg.. AÇÃO ORDINÁRIA nº 2006.72.05.001370-9/SC. AUTOR: ANTONIO PAULO

BORGES. RÉU: UNIÃO FEDERAL. Brasil, Tribunal Regional Eleitoral (4º Região). Ação ordinária nº

2006.72.05.001370-9/SC. Blumenau, 25 de outubro de 2007. Fonte: JUSTIÇA FEDERAL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br>.

figuram exclusivamente no campo intelectual, sem manifestação expressa em base concreta. (grifos nossos)

Nos fundamentos da decisão citou-se Plínio Cabral178:

Agora a lei procurou abranger um universo maior de setores não protegidos, tornando-se mais explícita e restritiva, fechando em sete itens o elenco daquilo que não é protegido pelo direito autoral.

As ideias não são objeto de proteção. Isto é um conceito universalmente aceito. A lei protege a manifestação concreta do pensamento criador, aquele que se concretiza numa base qualquer, que possa ser vista, ouvida, sentida e, sobretudo, apropriada como bem móvel.

Constatou-se que o tal "Processo de Produção das Planilhas de Cálculos" confeccionado se trata, na verdade, de um projeto/método de cálculos econômico-fianceiro que tem por função específica equacionar a evolução do PCCS (plano de carreira, cargos e salários) para apuração de valores em liquidação de sentença de processo trabalhista179.

Entendeu o juiz que:

Sendo, portanto, o "Processo de Produção das Planilhas de Cálculos" um projeto/método matemático, a pretensão posta na inicial encontra óbices na própria legislação de regência invocada pelo autor, por isso que, como visto, trata-se de hipótese elencada no rol das exceções de proteção do direito autoral. Ora, a lei não contém palavras inúteis, se o legislador houve por bem fazer expressa previsão legal das situações que não são albergadas pela norma em questão, não pode o Juízo, sem qualquer provocação da parte interessada, deixar de dar-lhe vigência. (grifos e negritos nossos)

Friso, outrossim, que o fato de o autor ter promovido o registro do referido projeto junto a Biblioteca Nacional não conduz o feito a um provimento diverso, pois o que pretende o requerente nesta demanda não diz respeito a utilização indevida da "obra publicada" em si, a qual, por se tratar de produção literária, é passível da tutela específica, como preceitua o artigo 7º, inciso I da Lei n. 9.610/98, mas sim a simples e pura abstenção do uso do "projeto/método de cálculo" pela requerida, situação que o artigo 8º, inciso I da mesma lei não tolera, eis que mera produção intelectual. Em outras palavras, o direito autoral sobre o texto literário não confere a tutela autoral sobre o uso do método matemático lá analisado.

178CABRAL, Plínio. A nova lei de direitos autorais. 1. ed. Porto Alegre: Ed. Sagra Luzzatto, 1998. p. 61. 179Segundo o próprio autor da demanda, cf. Acórdão prolatado: “Trata-se sim de um projeto de produção

dos valores de liquidação em causa trabalhista regida por PCCS, arregimentando e instrumentando uma Plataforma de Sistematização e Sistematização de Produção de valores com base nos princípios Econométricos e da Matemática Financeira e da Engenharia de Valor, objetivando produzir em planilhamento próprio, arregimentando-os em função da curva funcional de cada matrícula e da literalidade.”