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Sistemas: modelo econômico e organização social

3.1 Ciência psi: o doente mental como objeto

3.3.1 Sistemas: modelo econômico e organização social

Basaglia realiza uma análise crítica do sistema capitalista e produtivista em que as instituições estão inseridas e que estão a serviço por possuírem a função de controle social. Diante disso, “uma instituição do nosso sistema produtivo é designada a gerir os elementos improdutivos” [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 7)76.

Para Basaglia,

73 Tradução nossa para: “In una società divisa in classi, malattia e devianza della classe subalterna (quella che

incontriamo e conosciamo nelle istutuzioni nella violenza) diventano altra cosa da ciò che sono e l’unica risposta non può che essere la repressione, sotto mistificazioni piú o meno mascherate, perché ciò che determina la natura della risposta non è la natura del bisogno, ma la classe di appartenenza di chi lo esprime”.

74 T. Parsons (1965). Il sistema sociale. Milano: Comunità.

75 Basaglia utiliza a referência do livro “Dialética do Esclarecimento”, escrito por M. Horkheimer e T. W.

Adorno.

76 Tradução nossa para: “un’istituzione del nostro sistema produtivo sia deputata alla gestione di elementi

[...] se pode dizer que o sistema produz exclusão dos doentes mentais como elementos de perturbação social, ao mesmo tempo, que tenta recuperá-los. Mas, diante desta contradição irremediável, não reconhece as próprias responsabilidades, porém tende a delegar o problema aos técnicos como os únicos competentes em sanar o conflito por agora evidente. [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 9)77.

Dessa forma, cita a constante manutenção de uma “ideologia de bem-estar sobre a qual se funda o nosso sistema” [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 87)78, com a finalidade de cobrir as contradições geradas pelo próprio sistema. As contradições são inevitáveis em qualquer tipo de sociedade. Mas, segundo afirma Basaglia, na sociedade capitalista- produtivista a lógica é tamponar essas contradições. Nesse tipo de sociedade, “a norma é a saúde, a juventude, a produção. A doença, a velhice, o infortúnio são acidentes dentro de uma realidade que não quer e não pode se precaver das próprias contradições e nem com elas se preocupar” [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 42)79.

Basaglia alerta que em qualquer sociedade existe contradições, porém

[...] uma sociedade produtivista, que se baseia na ideologia do bem-estar e da abundância para acobertar a fome, não pode programar medidas preventivas ou assistenciais suficientes. Salva- se aquilo que pode ser facilmente recuperado; o resto é negado mediante a ideologia da incurabilidade, da ininteligibilidade da natureza humana, sobre a qual se constrói o castelo do preconceito. [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 42)80.

A fome deve ser, nessa sociedade-produtivista, “velada e protegida mediante as ideologias que a definiram, de vez em quando, como vício, doença, raça, culpa” [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 42)81.

Ao falar sobre o sistema social, Basaglia considera que nele

[...] não há lugar para a dialética: as pessoas ou são formigas, alienadas na produção, ou são cigarras imprevidentes, destinadas a morrer. Enquanto a divisão entre bem e mal for nítida, os poucos que detêm o poder dispõem de uma arma segura para criar uma distância,

77 Tradução nossa para: “si può dire che il sistema produce l’esclusione dei malati di mente come elementi di

disturbo sociale e, insieme, ne tenta il recupero. Ma, di fronte a questa contraddizione insanabile, esso non riconosce le proprie responsabilità, ma tende a delegare il problema ai tecnici come gli unici in grado di sanare il conflitto ormai evidente”.

78 Tradução nossa para: “L’ideologia del benessere su cui si fonda il nostro sistema”.

79 Tradução nossa para: “la norma é la salute, la giovinezza, la produzione. La malattia, la vecchiaia, l’infortunio

sono accidenti all’interno di una realtà che non vuole e non può premunirsi e preoccuparsi delle proprie contraddizioni”.

80 Tradução nossa para: “uma società produttivistica che si fonda sull’ideologia del benessere e dell’abbondanza

per coprire la fame, non può programmare sufficienti misure preventive o assistenziali. Si salva ciò che può essere facilmente recuperato; il resto viene negato attraverso l’ideologia dell’incurabilità, dell’incomprensibilità, della natura umana, su cui si construisce il castello del pregiudizio”.

81 Tradução nossa para: “velata e schermata attraverso le ideologie che la definiranno di volta in volta come

humanamente aceitável, entre quem tem e quem não tem [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 43)82.

Ao problematizar a organização social vigente e seu sistema de assistência, Basaglia considera que oproblema é que a maior parte das pessoas “habituou em ter respostas que não são aquelas das próprias exigências, mas a exigência da organização social. Se trata, portanto, de uma falsa participação, porque as pessoas não expressam as próprias necessidades, mas àquelas que incorporaram em ser a necessidade” [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 482)83.

Diante disso, Basaglia propõe outro tipo de modelo econômico e de organização social para que de fato possam ocorrer as mudanças necessárias sinalizadas a partir da crítica à sociedade capitalista.

Mas, para os desviantes e loucos dessa classe subalterna o nosso sistema social não pode organizar a recuperação, caso contrário, seria um outro sistema social, não fundamentado sob a divisão não-natural. Quando se criam transformações e reformas no interior da mesma lógica, o resultado é idêntico. Se fala do nascer de uma nova forma de desvio de que não se indagam as causas e implicações sociais na queda dos valores, nas expectativas sempre frustradas, nas promessas nunca mantidas, no descontentamento de uma vida que se faz sempre mais crítica e impossível, sempre mais violenta e repressiva. Se não se dá conta dessa premissa fundamental, cada vez nos limita a formular novas catalogações, atualizadas talvez de qualquer referência ou hipóteses “sociais” vagas, que garantem de enfrentar as problemáticas em termos atuais, modernos. Assim, o manicômio continua a conservar a sua natureza marginalizada, de classe. [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 232)84.

Nesse sentido, Basaglia reflete o problema da doença e do desvio de acordo com o contexto explicitado pela seguinte discussão:

Nesse contexto o problema do desvio e da doença não pode sequer ser abordado. Não se sabe o que é, ou melhor, se sabe o que é, a priori, e se aplica a definição mais adequada a exigir a intervenção repressiva para os fenômenos em que é capturado e focado em um único aspecto:

82 Tradução nossa para: “non c’è posto per la dialettica: o si è formiche, alienate nella produzione;o cicale

imprevidenti destinate a morire. Finché la divisione fra bene e male è netta, i pochi che detengono il potere dispongono di un’arma sicura per creare una distanza, umanamente accettabile, fra chi ha e chi non ha”.

83 Tradução nossa para: “è abituata ad avere risposte non a quelle che sono le proprie esigenze, ma alle esigenze

dell’organizzazione sociale. Si tratta perciò di una falsa partecipazione perché la gente esprime non i propri bisogni, ma quello che ha incorporato essere il bisogno”.

84 Tradução nossa para: “Ma per i devianti e i pazzi della classe subalterna il nostro sistema sociale non può

organizzare il recupero, altrimenti sarebbe un altro sistema sociale, non fondato sulla divisione innaturale. Quando si progettano trasformazioni e riforme all’interno della medesima logica, il risultato è identico. Si parla del nascere di una nuova forma di divianza di cui non si indagano cause e implicazioni sociali nella caduta di valori, nelle attese sempre frustrate, nelle promesse mai mantenute, nello scontento per una vita che si fa sempre piú critica e impossibile, sempre piú violenta e repressiva. Se non si tiene conto di questa premessa fondamentale, ogni volta ci si limita a formulare nuove catalogazioni, nuove divisioni tra devianza piú o meno grave, nuove codificazioni nosografiche, nuovi termini tecnici secondo cui catalogarle, aggiornati magari da qualche vago riferimento ad un ipotetico “sociale”, che garantisca di affrontare le problematiche in termini attuali, moderni. Tanto, il manicomio continua a conservare la sua natura emarginante, di classe”.

aquele de envolver um distúrbio social. [...] Se quiser enfrentar o problema da marginalidade e do desvio, deveríamos enfrentá-lo em relação à uma estrutura social, à divisão inatural em que tal estrutura se fundamenta e não como fenômenos isolados que se pretende fazer passar por simples anomalias individuais, em que um certo percentual da população tem a desgraça de ser sujeitada. [tradução nossa] (Basaglia, 1982, p. 232)85.

Contudo, Basaglia enfatiza que somente é possível abordar a questão psiquiátrica a partir da referência do quadro da realidade econômica, política e social de cada país em que a assistência psiquiátrica está sendo desenvolvida. Também destaca a importância de se realizar uma análise crítica das etapas alcançadas diante das transformações implementadas no campo psiquiátrico, bem como trabalhar com o surgimento das contradições específicas durante esse processo de mudanças.