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3.3 Friedrich Schleiermacher

3.3.4 Sobre a constituição do sentido propriamente dito

A obra de Schleiermacher resulta numa fundamentação da interpretação assentada no ato da compreensão, tanto no momento da instituição do sentido (autor ou locutor) quanto no de sua interpretação (leitor)175. Com Schleiermacher evidencia-se a necessidade de uma noção superficial do espírito da outra linguagem para conseguir fazer uma tradução. Nunca vamos conseguir uma plena noção. A tradução exige uma pré- compreensão do espírito para poder traduzir. O processo de compreender é muito mais um processo de compreensão do que de apreensão do objeto. Nesse sentido, a compreensão sempre tem a ver com o próprio intérprete.

Schleiermacher quer encontrar as condições de possibilidade da constituição do sentido. Nenhum texto enquanto texto tem sentido. O sentido depende do ato da compreensão. É por isso que o sentido não possui uma qualificação objetiva. É antes o resultado de um processo de compreensão que nasce através desse processo, isto é, no interior do próprio processo. Ele é resultado do procedimento. Ao compreender algo, não buscamos um sentido inerente ao objeto, mas construímos um sentido.

Não faz sentido atribuir ao texto um sentido autêntico. Só tenho acesso ao texto via interpretação. É o que verificamos também em Kant, pois perguntar à coisa em si não faz sentido. O texto por si só é um objeto que posso entender, mas ainda não compreendi. Há um núcleo de significado que exige um horizonte de entrada, que não necessariamente é de

minha escolha. O sentido é um produto de interpretação que não pode ser tomado como definitivo.

Schleiermacher quer apontar a relação indissolúvel entre o ser constituído pelo espírito, a partir da linguagem, e, ao mesmo tempo, o ser constituído da linguagem pelo espírito. Há uma espécie de interconexão. Nós pensamos na linguagem na qual nascemos. A hermenêutica vai insistir na produtividade autêntica da própria linguagem.

Lutero, ao se opor à tradição da patrística, cuja finalidade era autenticar a maneira de interpretar a Sagrada Escritura, acaba por dar as bases para uma boa discussão a respeito da necessidade hermenêutica. Schleiermacher está preocupado com a possibilidade de esboçar uma maneira autêntica do procedimento de interpretações. A hermenêutica proposta por ele visa ser uma hermenêutica geral, que fornecesse as razões pelas quais o intérprete usa determinadas regras ou procedimentos e não apenas contivesse “as regras” e explicações do procedimento usado na interpretação enquanto tal. Por isso,

ao invés de perguntar como se interpreta este ou aquele tipo de texto, ele passa a perguntar pelo que significa em geral interpretar e compreender e como isso ocorre. Uma vez respondidas essas questões, se poderia, então, derivar as regras gerais e específicas. Trata-se de uma consideração filosófico-teórica da operação hermenêutica, não mais determinada pelo objeto, e sim, pelas condições, isto é, pelo ‘como’ de sua efetivação176.

A hermenêutica torna-se a arte de compreender a fala ou escrita de alguém, do outro. Schleiermacher, no fundo, “desloca a hermenêutica do domínio filosófico, argumentando que a arte de compreender está internamente conectada com a arte de falar e com a arte de pensar”177. Pressupõe-se uma instância entre o texto – ou fala– e uma outra pessoa em relação ao próprio intérprete.

A crítica irá assegurar a autenticidade do texto sobre o qual se discute. Trata-se especificamente da exegese de um texto da Escritura Sagrada, do Novo Testamento. É uma crítica com relação à confiabilidade do conteúdo do texto.

A gramática trabalha em torno da unidade de um texto à base de um procedimento do particular ao todo e vice-versa178. O nosso grande problema é estar dentro de uma

176 Braida, 1999, p. 15 177 Ibidem, p. 15.

178 “O pensamento de Schleiermacher pode ser interpretado como uma reflexão sobre as relações entre o universal e o particular. O universal, para ele, nunca se oferece em si, mas sempre aparece sob uma forma particular; o particular, por sua vez, ao mesmo tempo que não se deixa subsumir inteiramente pelo universal, contém em si algo que ultrapassa a sua particularidade e manifesta a presença do universal” (ibidem, p. 13).

tradição no processo de argumentação circular. Para tanto, deveríamos como que deixar “em suspenso”, a princípio, nossas convicções de uma lógica racional.

Para Schleiermacher, os três elementos anteriormente abordados estão interligados. A compreensibilidade do texto só faz sentido, a partir da compreensão das origens do texto. A idéia de gramática é a idéia de identificar a univocidade de um texto, a integração de uma palavra dentro de um contexto como tal para possibilitar a identificação da palavra.

Em síntese ao exposto anteriormente, podemos afirmar que o processo de compreensão tem algo a ver com uma necessária distância, sendo que esse processo de compreensão baseia-se de antemão numa estrutura circular que gira em torno do particular e do todo. Desse modo, a hermenêutica exige também o seu inter-relacionamento com a crítica e a gramática. Isso também ocorre no diálogo. A gramática de um termo usado é importante, porque sua colocação no contexto da conversa, muitas vezes não pode oferecer a univocidade de interpretação.

Assim sendo, num primeiro momento, urge deixar “em suspenso” minhas convicções pressupostas, meus pré-conceitos. A exigência é a de tentar entregar-se ao contexto dessa teoria para reforçar ao máximo a teoria que se está trabalhando e depois descobrir os próprios pressupostos. Em outras palavras, não consigo o auto-entendimento de minha própria posição, sem passar por um distanciamento de minhas convicções. A necessidade de aceitar ou desfazer minhas convicções só se fundamenta pela passagem do olhar de uma posição diferente da minha.

Quem quer trabalhar com hermenêutica vai descobrir, ao longo do desenvolvimento, o próprio interesse. O processo de esclarecer o meu próprio interesse passa pelo olhar para dentro de uma posição que se apresenta como possibilidade.