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sobre os aspectos históricos

No documento Narrativas Sensoriais – Editora Circuito (páginas 87-89)

Eduardo de Jesus

1. sobre os aspectos históricos

Na história da arte mais recente, especialmente entre os anos 1960 e os dias de hoje, é possível perceber vários hiatos – se pen- sarmos nas múltiplas aproximações entre arte e imagem em mo- vimento – no modo de associar fatos, obras e artistas. Pequenos intervalos que comprovam a eficiência de uma história oficial e totalizante, mostrando a assimetria de um jogo que atravessa a vida social e os modos de percebermos a arte. Ironicamente esses intervalos apontam, de alguma forma, para determinados desdo- bramentos que a produção artística acabou assumindo de modo central hoje em dia.

É fácil perceber um intervalo bastante expressivo que fre- quentemente posiciona as vanguardas históricas como ponto de partida e salta diretamente para a produção audiovisual contem- porânea. Quando vemos a imagem em movimento surgir de for- ma quase ubíqua no circuito da arte, especialmente a partir da década de 1990, parece que o único passado ao qual ela remete, para muitos, é o conjunto de filmes das vanguardas históricas. É bastante comum que algumas práticas artísticas extremamente experimentais, ousadas e radicais das décadas de 1960 e 1970 que ocuparam galerias e museus – operadas tanto em torno do ci- nema quanto da imagem eletrônica – fiquem de fora de diver- sas abordagens históricas. Da mesma forma a produção artísti- ca audiovisual, que se esgueirava pela margem do circuito mais tradicional e visível, trazendo registros de performance, filmes de artistas, entre outras modalidades, seja desconhecida ou pior, deslocada dos potentes efeitos e questões que disseminaram na produção artística contemporânea.

Mesmo se pensarmos em circuitos absolutamente configura- dos e totalmente infiltrados na vida social, como o cinema, perce-

bemos que ele frequentemente não é visto no campo arte como fundador de outras visualidades, de novas formas de relação da imagem com a vida social e de imaginários que passaram a cir- cular alterando a percepção, as formas de inserção no mundo e o encontro com outras temporalidades. Com isso afastam-se as abordagens transversais que poderiam aproximar o cinema – e todas as novas formas visuais que ele inaugurou – da história da arte. Ampliando essa ideia e tomando a televisão e seus múltiplos circuitos (da tv propriamente dita, ao celular, internet e todos os outros lugares onde é possível inserir uma pequena tela) os efeitos são igualmente intensos. As mídias do imediatismo, como afirma Fargier,3 inauguraram outras formas de relação com a arte.

Se observarmos, mais detidamente, é possível perceber que em muitos momentos, mesmo que de forma mais tímida e pontu- al, a reflexão e a crítica de arte estabeleceram produtivos diálogos e encontros com a imagem em movimento, construindo um im- portante conjunto de ideias que formam as bases sobre as quais construímos aproximações. Apesar da importância desse expres- sivo conjunto de reflexões e esforços,4 sabemos que os vazios na

história permanecem e afetam fortemente a percepção das dinâ- micas do circuito artístico atual. Pensando especificamente nas

3 Conferir FARGIER, Jean-Paul. Vídeo grátis. IN: Cadernos do Videobrasil / SESC SP – Associação cultural Videobrasil. Vol.3, n.3 (2007). São Paulo: Edições SESC SP.

4 Aqui podem constar os esforços de Aracy Amaral na Expoprojeção (1973), as produ- ções de Frederico Morais no contexto dos “audiovisuais”, a produtiva inserção do vídeo no contexto das Bienais de SP (1981 e 1983) por Walter Zanini, assim como as profícuas reflexões de Arlindo Machado, em diversos livros. Podemos ainda nos lembrar de André Parente, com seus livros, especialmente Cinema em trânsito. Mais recentemente a pre- sença de Phillipe Dubois no contexto brasileiro (com a curadoria da exposição O efeito cinema na arte contemporânea – CCBB, 2003, Rio de Janeiro), a exposição Cinema sim com curadoria de Roberto Moreira no Itaú Cultural em São Paulo (2008) com livro de textos organizado por Kátia Maciel, entre outros.

imagens em movimento podemos ver que frequentemente elas assumem uma profusão de modos de ser, rompendo com catego- rias e fronteiras, expandindo-se, muitas vezes de modo radical, pelo espaço expositivo. Quando olhamos para as obras de alguns artistas elas nos remetem a uma nova dinâmica das imagens tan- to nos modos de fruição quanto nas formas de inserção no espaço expositivo rearticulando o circuito artístico e suas relações, até então mais pacíficas,5 com a imagem em movimento. Tudo isso

nos conduz a novas questões e abordagens da arte que podem ser importantes para refletirmos sobre a produção artística contem- porânea, sob a luz de outros conceitos e noções.

Não se trata mais, como anteriormente, de um circuito de imagens e algumas margens. Agora temos um processo muito dinâmico de intensa circulação simbólica em contextos sociais altamente midiatizados. São diversos fluxos imagéticos que atra- vessam os diversos espaços que experimentamos hoje em dia. No contexto da arte as fronteiras distendem-se e tornam-se per- meáveis. Desterritorialização da imagem em movimento, terri- torialização dos espaços expositivos com as mais diversas pro- postas artísticas e seus blocos espaço-temporais. Trata-se de um conjunto de procedimentos e estratégias tomando as imagens,

5 Enquanto estava confinada a áreas mais isoladas do espaço expositivo, ou como instalações (que operam seu próprio espaço-tempo), acreditamos que a imagem em mo- vimento mantinha uma relação mais apaziguada com o circuito da arte. Parecia ainda operar de forma marginal, ainda não promovendo um rompimento mais profundo que só se dá quando as propostas extrapolam esse espaço definido e avançam para ou- tras formas menos definidas de uso da imagem em movimento, provocando estranha- mento e produtivas formas de aproximação. Nesse sentido uma peça fundamental é o Bloco de experiências – in Cosmococa (1973-1974) de Hélio Oiticica e Neville d´Almeida. Conferir CARNEIRO, Beatriz Scigliano. Cosmococa – Programa in Progress: Heterotopia de Guerra. In: BRAGA, Paula (org). Fios Soltos: a arte de Hélio Oiticica. São Paulo: editora Perspectiva, 2008.

seus circuitos, desdobramentos, técnicas e referências históricas, entre outros, gerando uma nova constelação com outros arranjos estéticos e novos modos de fruição, muitas vezes quase impossí- veis de classificar.

A produção artística contemporânea é bastante instigante quando pensamos, por exemplo, nas formas de exibição das ima- gens em movimento que explicitam as tensões trazidas pela dura- ção, uma contemplação distendida no tempo, como afirma Groys “o próprio ato de contemplação é colocado em loop” (GROYS, 2010, p. 127). Por caminhos menos óbvios, podem entrar nesse jogo des- de as mais tradicionais formas de exibição – do cinema ao single-

channel – até outras construídas em torno do cubo branco ou preto.

Apesar de parecer divertida a inversão entre cubo branco e preto, a passagem também oferece um importante conjunto de questões. As formas de exibição atuais transcendem essas situações, mas ain- da mantêm certo tensionamento histórico entre as exibições no espaço expositivo e aquelas realizadas em circuitos cinematográfi- cos6 ou televisivos. Talvez não apenas um jogo7 entre cubo branco

ou preto, mas uma profunda mudança nas formas de percepção e nos processos de subjetivação moldados nessas relações.

Não escapam desse jogo nem mesmo o cinema tradicional que tanto pode tornar-se fonte para “re-produções”, quanto as- sumir formas de inserção no circuito de exibição como no longa metragem Zidane: A 21st Century Portrait (2005) de Douglas Gordon e Phillipe Parreno. Valem as inscrições da matéria fílmica tanto

6 NASH, Mark. Entre o cinema e um lugar rígido: dilemas da imagem em movimento como pós-mídia. In: MACIEL, Kátia (org.). Cinema sim: narrativas e projeções: ensaios e reflexões. São Paulo: Itaú cultural, 2008.

7 Conferir: GROYS, Boris. On the Aesthetics of Video Installations. In: Stan Douglas: le Détroit (Basel: Kunsthalle Basel, 2001. GROYS, Boris. Politics of Installation. E-flux Journal, 01, 2009.

nos diversos filmes de Carlos Adriano e sua contemporânea ar- queologia visual (no sentido do arquivo, mas também da histó- ria do cinema) quanto na “escultura” Wilhelm Noack oHG (2009) de Simon Starling, que nos mostra a própria engenhoca que nos exi- be o filme, sendo fabricada. Surge o abandono de qualquer pos- sível especificidade do suporte como em Coro Spezzato: The Future

lasts one day (2009) de Rosa Barba que usa projetores de película

que nos mostram textos ou mesmo Noites árabes (2005), o radi- cal filme perfurado de Rivane Neuenschwander. Valem ainda as instalações e vídeos tomando quase literalmente a tv de Candice Breitz ou os documentários de Amar Kanwar, Fiona Tan ou Allora & Calzadilla, apontando em outras direções para uma expansão complexa das imagens no espaço expositivo.

No documento Narrativas Sensoriais – Editora Circuito (páginas 87-89)