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CAPÍTULO 3: ESTUDOS DE CASO

3.1. Sobre os estudos de caso

As páginas que seguem compõem um estudo de caso de trailers de filmes brasileiros, à luz da retórica do trailer hollywoodiano, dominante no mercado. Entre o começo da década de 1940 e início da década 1950, o Brasil viu importantes empresas produtoras em cena. A Atlântida surge em 1941 como uma associação de produtores e, após a entrada do grupo Severiano Ribeiro na companhia em 1947, constitui a única experiência nacional que integrou todas as fases da cadeia cinematográfica: produção, distribuição e exibição.

Glauber Rocha chega a descrever Severiano Ribeiro como um “verdadeiro produtor róliudiano", que “controla o mercado carioca, nordeste, norte e algumas praças sulistas do cinema, e dono de estúdio, de laboratório, de sonoplastia, de distribuição, de exibição, o maior produtor brasileiro" (ROCHA, 1981, p. 287, apud. AUGUSTO, 1989, p. 27). Ao contrário de um produtor de Hollywood, Severiano não estava interessado em aumentar a qualidade das películas que produzia. Conforme relatou Alinor Azevedo, um dos fundadores e roteirista da companhia, ressentia-se na Atlântida a falta de dinheiro para as filmagens: “qualquer esforço para melhorar a produção, ele brecava” (apud. AUGUSTO, 1989, p. 113).

A Atlântida não seguia os padrões de Hollywood em relação aos grandes e modernos estúdios com numerosa equipe técnica e caras produções. Ao contrário, produziu com custo mínimo, filmando rapidamente e com equipamento de segunda mão. “Mal instalada, era também mal equipada” (CATANI; SOUZA, 1983, p. 46). No entanto, era um cinema empresarial, dentro de prazos e orçamentos previstos, produzindo de forma contínua. A partir de 1947 a empresa atuou de forma vertical, integrando todas as fases do comércio de filmes. Mais do que isso, a Atlântida conferiu à produção um “caráter industrial”, uma vez que os filmes estreavam no prazo para “lançar os sucessos do carnaval daquele ano e os atores eram exclusivos” (BASTOS, 2001, p. 40-41).

É válido apontar que, após 1947, foi produzida uma média de apenas dois lançamentos anuais (CATANI; SOUZA, 1983, p. 46-53). Mesmo assim, dado o contexto cinematográfico brasileiro, isto não invalida a posição da empresa como uma das mais prolíficas produtoras do Rio de Janeiro do período e, ao menos até o surgimento da Vera Cruz, do Brasil. Guardadas as devidas proporções, em certa medida a organização verticalizada praticada na Atlântida se aproxima da organização norte- americana. Ainda sobre a relação da Atlântida com o cinema estrangeiro, a Atlântida conquistou expertise e sucesso de público a partir da mistura de gêneros importados feita pelas comédias carnavalescas, as quais possuem “fortes matizes norte-americanos” (BERNARDET, 1979, p. 81), e em paródias dos sucessos do cinema dos Estados Unidos.

Já a Vera Cruz foi fundada em 1949 com o objetivo de realizar filmes com alto padrão técnico e artístico. Criada como produtora, a Vera Cruz não poupou esforços e investimento nas filmagens, mas não atuou na distribuição e exibição dos filmes. Se não emulou os grandes estúdios em seu modelo verticalizado, tinha como objetivo inicial fazer filmes que reproduzissem a qualidade que se via nas produções importadas: imagens bem-feitas, em foco, bem iluminadas e enquadradas. Mais do que a qualidade técnica, visava alto nível artístico. Isto se traduzia em produzir filmes que representassem o melhor da “cultura” brasileira, a partir do entendimento da elite desenvolvimentista paulista onde a produtora nasceu (Cf. GALVÃO, 1981).

Enquanto a Atlântida de Severiano Ribeiro produziu para suprir o mercado interno, dentro da medida reservada ao filme brasileiro pela cota de tela, a Vera Cruz queria não apenas o sucesso irrestrito no Brasil, mas tinha também expectativas de carreira internacional para seus filmes, com o slogan “do planalto abençoado para as telas do mundo”. Por um lado, o cinema popular das chanchadas era considerado descartável. Por outro, mais do que imitar os filmes hollywoodianos, a Vera Cruz tinha o objetivo de alçar o cinema “ao estatuto de arte, de preferência autônoma, no mesmo nível que o teatro ou a literatura” (CALIL, 1987, p. 11).

Ainda ao contrário da Atlântida, os fundadores e sua cúpula de pessoas tomadoras de decisão da Vera Cruz não possuíam experiência na comercialização de filmes. Como já colocamos, a distribuição ficou a cargo de grandes distribuidoras norte- americanas que não tinham interesse no sucesso da produtora paulista (AUTRAN, 2009). Dessa forma, as duas companhias possuem relações distintas e particulares com

o referencial norte-americano, e fornecem pontos de apoio complementares para estudos de caso da publicidade de cinema.

O estudo de caso deste capítulo é composto por três trailers de filmes da Atlântida, Carnaval no fogo (1949), Aviso aos navegantes (1950) e Aí vem o barão (1951), todos dirigidos por Watson Macedo, e três trailers da Vera Cruz, Sai da frente (Abílio Pereira de Almeida e Tom Payne, 1952), Nadando em dinheiro (Abílio Pereira de Almeida e Carlos Thiré, 1952) e Floradas na serra (Luciano Salce, 1954). As análises aqui compostas procuram entender como Atlântida e Vera Cruz articulavam sua mensagem de vendas nos cinemas durante a era clássica do trailer. A pesquisa não advoga que os exemplos aqui analisados representem na totalidade os trailers dos filmes brasileiros do período, ou mesmo das duas produtoras. O acesso aos materiais no acervo da Cinemateca Brasileira é restrito devido à falta de recursos da entidade. Busca-se, tanto quanto possível, oferecer exemplos de como a retórica presente nos trailers dos filmes brasileiros se relacionava com o referencial norte-americano do formato.

Sendo o trailer de cinema um material publicitário, com discurso persuasivo, os estudos de caso se apoiaram na retórica clássica. Esta metodologia aliada à análise de trailers foi utilizada por Kernan (2004) e Hediger (2001). A retórica aristotélica foi também utilizada para estudar trailers na dissertação de mestrado de Melissa dos Santos (2004), que examina o trailer de Cidade de deus (Fernando Meireles, 2001). Uma apreciação do uso de retórica clássica como metodologia para analise fílmica pode ser encontrada na antologia The terministic screen: rhetorical perspectives on film (2003), organizada por David Blakesley. Já uma exposição sobre o uso de retórica aristotélica para análises de material publicitário foi feita por João Anzanello Carrascoza em A evolução do texto publicitário (1999).

Os trailers analisados pela pesquisa estão em ordem cronológica, e os estudos de casos visam iluminar aspectos importantes, e talvez pouco conhecidos, do discurso de vendas das duas empresas. As análises tomam o trailer de cinema como um objeto único dentro da campanha de lançamento do filme. De modo semelhante ao que foi feito por Kernan e Hediger com os trailers norte-americanos, tal decisão busca valorizar a utilização do trailer de cinema como fonte primária de pesquisa. Algumas questões sobre a relação dos trailers com os materiais promocionais impressos (como cartazes) e com a cobertura feita na imprensa estão pontuadas. Estas pontuações foram feitas de modo a não isolar os trailers do restante da ação publicitária. Também estão presentes comentários em relação aos filmes. Da mesma forma, tais comentários visam chamar a

atenção para decisões específicas feitas no discurso dos trailers. Não obstante estas indicações, não é intenção da pesquisa compor um estudo comparativo entre os trailers e os filmes aos quais se referem, ou entre os trailers e a publicidade impressa. O foco das análises está no discurso de vendas dos trailers e quais as implicações de tal discurso, em termos de público desejado e de posicionamento de mercado. Em suma, espera-se que estes trailers possam se relacionar com os aspectos levantados por outros estudos em relação ao discurso, postura do mercado e estratégias das produtoras.