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4. SYNNERS

4.2. REDES SOCIAIS NA INTERNET

Há diversas redes sociais, mídias sociais ou social media (MILLER et al., 2016; RECUERO; BASTOS; ZAGO, 2015; VAN DIJCK, 2013) disponíveis, e mais são desenvolvidas diariamente. Existem também diversas maneiras de referir ao assunto – mídias sociais, redes sociais, social media e outros. Aqui, nos referimos ao fenômeno como redes sociais na Internet, seguindo a acepção de Recuero (2009) de redes sociais que, por estarem suas relações mediadas por dispositivos conectados à Internet, mostram particularidades no que concerne seus atores e conexões entre eles.

Com a mudança no modo como a Internet é estruturada – mudança essa trazida pela Web 2.0 -, serviços online mudam seu foco, da oferta de canais para comunicações em rede para veículos bilaterais de sociabilidade em rede (CASTELLS et al., 2007; MANOVICH, 2008). Por ora, nos atemos ao aspecto social deste universo, discutindo a formação e estruturação de redes sociais na Internet, cujas interações se dão mediadas por dispositivos ligados à Internet, focando especialmente em particularidades inerentes à “expressão e sociabilização através das ferramentas de comunicação mediada pelo computador (CMC)” (RECUERO, 2009, p. 24).

Em seu estudo sobre a Cibercultura, Lévy (1997) já anunciava o enorme impacto que a tecnologia teria sobre a cultura e a sociedade. No ensaio o autor afirma que, nesse novo contexto, as relações se tecem não entre tecnologia e cultura, mas entre atores que usam e modificam as diversas técnicas de modos variados. Tal pensamento leva o autor a afirmar que, para compreender o verdadeiro impacto das novas TICs, que trouxeram com elas o ciberespaço, é necessário estudar não as técnicas envolvidas e resultantes, mas os atores que as inventam, produzem, utilizam e interpretam.

Para o autor, “a emergência do ciberespaço acompanha, traduz e favorece uma evolução geral da civilização” (LÉVY, 1997, p. 26), civilização essa que é condicionada, não determinada, pelos avanços tecnológicos que ela mesma produz. Os estudos em Cibercultura centram-se, então, em observar e interpretar essas interações sociais que se veem retrabalhadas em um espaço novo, inexplorado. A diferença maior vem da natureza dos fenômenos observados, que não se dão mais no espaço físico - off-line -, mas sim mediados por tecnologias – online - que alteram a própria noção de espaço. Esse novo espaço transcende as quatro dimensões do mundo físico, podendo ser experienciado a partir de dispositivos, ‘buracos de minhoca’ que dão entrada a esse espaço de qualquer lugar no planeta, entrada essa mediada por

dispositivos com acesso à internet (WERTHEIM, 2001). Essa questão do espaço, apesar de central a estudos de internet, não é o centro da nossa discussão, e não será abordada.

Quadro 2 – Valores associados a sites de rede social, de acordo com Recuero (2009)

VALOR CAPITAL

SOCIAL

RELACIONADO

USO

Visibilidade Relacional Proporciona que um nó tenha maior visibilidade na rede, aumentando as chances de que ele “receba determinados tipos de informação que estão circulando na rede e de obter suporte social quando solicitar” (RECUERO, 2009, p. 108). Também contribui para a manutenção da rede social e para o gerenciamento de diferentes grupos sociais, tendo efeito direto na construção da reputação

Reputação Relacional e cognitivo

Formada a partir de informações sobre quem somos e como pensamos, “a percepção construída de alguém pelos demais atores [...] Implica três elementos: o “eu” e o “outro” e a relação entre ambos” (recuero, 2009, p. 109). Essa percepção construída pode ser controlada, já que os sistemas permitem o controle das impressões emitidas e dadas e, assim, da reputação construída “seja através das informações publicadas, seja através da construção de visibilidade social” (RECUERO, 2009, p. 111)

Popularidade Relacional Associada ao número de conexões, capacidade de influência, laços fracos e interações associadas ao perfil; é também um valor facilitado nas redes sociais online por ser mais facilmente visível na Internet, graças aos rastros resultantes. “Trata-se de um valor relativo à posição de um ator dentro de sua rede social. Um nó mais centralizado na rede é mais popular, porque há mais pessoas conectadas a ele” (RECUERO, 2009, p. 111)

Autoridade Relacional e cognitivo

Medida da influência do nó em sua rede social e da percepção de sua reputação pelos demais atores da rede. Esta é uma “medida que só pode ser percebida através dos processos de difusão de informações nas redes sociais e da percepção dos atores dos valores contidos nessas informações” (RECUERO, 2009, p. 114). Está relacionada à construção de reputação sobre um assunto específico por meio de um conteúdo criado, pelo qual é medida a influência do nó em função das conversações geradas a partir do conteúdo

FONTE: elaborado pela autora (2018).

Conforme Recuero, Bastos e Zago (2015), outra particularidade das redes sociais na Internet está no fato de que, diferente de interações sociais no espaço off-line, as interações sociais no online deixam rastros, conteúdos que são publicados e arquivados e, portanto, recuperáveis e buscáveis. Também, “porque a própria representação do grupo social no ciberespaço altera o grupo em si. Essas redes são representadas, principalmente, através dos

sites de rede social e de outras ferramentas que permitiram sua apropriação desse modo” (RECUERO; BASTOS; ZAGO, 2015, p. 23).

É por meio desses rastros, registros de dinâmicas sociais que possibilitam que “interações e conversações sejam mapeadas e estudadas em larga escala” (RECUERO; BASTOS; ZAGO, 2015, p. 25), que Recuero (2009) propõe o estudo de redes sociais na Internet, definindo este como o ato de “estudar os padrões de conexões expressos no ciberespaço. É explorar uma metáfora estrutural para compreender elementos dinâmicos e de composição dos grupos sociais” (RECUERO, 2009, p. 21).

A autora observa que o estudo de redes sociais na Internet foca o problema do surgimento de estruturas sociais, especificamente 1) como se dá sua composição quando interações são mediadas por computador, e 2) como “essas interações mediadas são capazes de gerar fluxos de informações e trocas sociais que impactam essas estruturas” (RECUERO, 2009, p.24). Aponta ainda a necessidade de dados quanti e qualitativos para a construção empírica de estudos sobre redes sociais na Internet, sendo necessário observar sistematicamente os “fenômenos, verificar padrões e teorizar sobre os mesmos” (RECUERO, 2009, p. 21).

Ainda segundo a autora, dados qualitativos são atribuídos às conexões por meio de capital social, que por sua vez está relacionado a valores construídos em rede. “O que é diferencial nos sites de redes sociais é que eles são capazes de construir e facilitar a emergência de tipos de capital social que não são facilmente acessíveis aos atores sociais no espaço off-line” (RECUERO, 2009, p. 107). Como capital social, a autora cita os tipos de capital social colocados por Bertolini e Bravo (2004), de capital social relacional e capital social cognitivo. Quanto à definição básica de capital social, os autores partem da conceituação de Coleman (apud BERTOLINI; BRAVO, 2004) de capital social como o valor dado a aspectos da estrutura social que podem ser usados pelos atores dessa estrutura para realizar seus objetivos. Recuero (2009) aponta os valores construídos em rede mais comumente associados a sites de rede social como sendo visibilidade, reputação, popularidade e autoridade. O Quadro 2 acima detalha esses conceitos e ilustra seus usos.

boyd e Ellison (2008)42 definem, pela primeira vez, sites de redes sociais como serviços baseados na web que permitem que indivíduos

42 Optamos por escrever o nome da pesquisadora ‘danah boyd’ com minúsculas, refletindo sua preferência pela grafia. A pesquisadora mudou legalmente seu nome para que seja escrito com minúsculas. Fonte: https://www.danah.org/name.html.

1) construam um perfil público ou semi-público dentro de um sistema delimitado, 2) articulem uma lista de outros usuários com quem eles compartilham uma conexão, e 3) visualizem e percorram sua lista de conexões e aquelas feitas por outros dentro do sistema (BOYD; ELLISON, 2008, p. 211, tradução nossa).

Tal definição, construída quando sites de redes sociais ainda estavam ganhando projeção no mainstream, reflete a configuração de sites de redes sociais no contexto da época, de acordo com as funcionalidades disponíveis nos serviços.

Porém, de acordo com Van Dijck (2013), desde essa definição inicial sites de redes sociais e outras formas de sociabilidade mediada evoluíram concomitantemente com as táticas cotidianas de seus usuários, contribuindo com a formação de sua vida cotidiana enquanto que, ao mesmo tempo, essa sociabilidade mediada se tornou parte do tecido institucional da sociedade. A autora observa ainda que mídias evoluem com o público que as usa, além de com a economia na qual se insere. Van Dijck (2013) cita Gitelman (2008), que concebe a complexa constelação de mídias como estruturas sociais de comunicação, onde estruturas incluem “tanto as formas tecnológicas quanto seus protocolos associados, e onde a comunicação é uma prática cultural, uma colocação ritualizada de diferentes pessoas no mesmo mapa mental, compartilhando ou envolvido com ontologias populares de representação” (GITELMAN, 2008, p. 7, tradução nossa).

Para Van Dijck (2013), a associação da palavra social ao conceito de mídia implica que plataformas são centradas no usuário e que facilitam atividades comuns, sendo que mídias sociais podem ser vistas como facilitadores online de redes sociais humanas, redes de pessoas que promovem conexão como valor social. São também sistemas automatizados que concebem e manipulam conexões através de algoritmos, o elemento conectividade43. Para a autora, o uso de social na designação dessas mídias “parece abranger conexões (humanas) e conectividade (automática)” (VAN DIJCK, 2013, p. 12, tradução nossa). Para Recuero, Bastos e Zago (2015), o conceito mídia social surge com a apropriação, por parte dos usuários, dos sites de rede social. Essa apropriação

horizontaliza ainda mais os processos de comunicação, dá outra força ao papel dos nós da rede [...] cada conexão é um caminho que permite que determinadas informações circulem entre os atores. Cada nó, portanto, quando recebe uma dada informação, pode decidir se a deseja replicar para sua rede ou não (RECUERO; BASTOS; ZAGO, 2015, p. 30).

Pensando e refletindo sobre as evoluções das mídias sociais, causadas pelas táticas cotidianas de seus usuários, Ellison e boyd (2013) revisitam sua definição de sites de redes sociais para refletir tais desenvolvimentos, colocando sites de redes sociais como plataformas

de comunicação em rede 44, nas quais participantes

1) possuem perfis identificáveis únicos, que consistem em conteúdo fornecido pelo usuário, conteúdo fornecido por outros usuários e/ ou dados do sistema; 2) podem articular publicamente conexões que podem ser vistas e percorridas por outros; e 3) podem consumir, produzir e/ ou interagir com fluxos de conteúdo gerados por usuários fornecidos pelas suas conexões no site (ELLISON; BOYD, 2013, p. 158, grifo das autoras, tradução nossa).

De acordo com essa nova definição, e como apontam Recuero, Bastos e Zago (2015), o foco central dos sites de redes sociais passou do perfil de usuário aos fluxos de conteúdo, sendo que os sites de redes sociais passaram a ser vistos como “plataforma de comunicação, ao mesmo tempo que destaca a importância do compartilhamento de conteúdo, geralmente consumido através de um fluxo” (ELLISON; BOYD, 2013, p. 158 tradução nossa). Esse stream é composto por conteúdo que ganhou visibilidade por ser comentado, curtido ou compartilhado por conexões, mantendo a informação ativa na rede e

privilegiada pelo algoritmo do Facebook [...] [isso faz com que] algumas informações tenham mais visibilidade e atenção e persistam existindo no ecossistema informativo do Facebook e outras simplesmente sumam, sem nenhuma curtida, comentário ou compartilhamento. [...]

Assim, o que é visto por cada usuário é, de certo modo, determinado pelas ações de centenas de milhares de nós da rede que viram/ reproduziram ou não reproduziram essas informações antes dele (RECUERO; BASTOS; ZAGO, 2015, p. 28).

De acordo com Van Dijck (2013), a conectividade, na forma de algoritmos construídos em função de informações colhidas pelas plataformas, evolui a sociabilidade online a status de ativo do mercado online. A interconexão dessas plataformas, possibilitada pelo desenvolvimento de APIs, resulta no surgimento de um novo “ecossistema de mídia conectiva com alguns jogadores grandes e muitos pequenos. A transformação da comunicação em rede para a sociabilidade em plataforma, e de uma cultura participativa para uma cultura de conectividade” (VAN DIJCK, 2013, p. 4–5, tradução nossa).

É nesse universo de plataformas digitais e redes sociais que nos inserimos. Optamos por utilizar o estudo de caso como estratégia de pesquisa, e a etnografia como principal ferramenta de coleta de dados. Na seção seguinte, especificamos os procedimentos metodológicos seguidos ao longo do estudo.