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CAPÍTULO 1: PANORAMA HISTÓRICO DO BRASIL

1.3 O Social

Com o fim da escravatura em 1888, o país passa a incentivar a imigração, que, por sua vez, também processa mudanças, estas de ordem social e política. Os imigrantes, no início, vinham para as lavouras, com o tempo mudam-se do campo para os grandes centros, surgindo o operariado. Os escravos, agora libertos, encontram-se em estado de abandono, desestruturados e excluídos por completo. “Além dos sofrimentos da pobreza, tiveram de enfrentar uma série de preconceitos cristalizados em instituições e leis, feitas para estigmatizá-los como subcidadãos, elementos sem direito a voz na sociedade brasileira”. (PRIORE; VENÂNCIO, 2010, p. 220)

Com o lucro alcançado pela produção e exportação do café, os centros urbanos crescem e setores médios também, os segmentos compostos pelos profissionais liberais, pequenos comerciantes, donos de pequenas indústrias são os maiores beneficiados. Além disso, segundo Lopez e Mota (2008), o país de economia essencialmente agrária, tem algumas indústrias a partir do fim do século XIX. Além disso, Nagle (2009) observa que o urbanismo, ao promover mudanças, provoca fascínio, gerando “[...] otimismo com que se antecipa a futura civilização brasileira, como vai apurar os quadros do pensamento social” (NAGLE, 2009, p. 36).

Apesar do crescimento, da inserção do Brasil a patamares mais elevados, nossa sociedade continuava estratificada, atendendo às necessidades de uma pequena parcela da

população. Os oligarcas governavam para as elites e atendiam as necessidades das mesmas, o povo era relegado e as grandes massas aviltadas.

A República prolongava os hábitos do Império. Os pobres permaneciam excluídos (seja pelo censo, seja pela exigência de alfabetização), assim como as mulheres, os indigentes, os menores de idade, os praças de pré, os membros de ordens religiosas. A exclusão dos analfabetos era duplamente discriminatória, pois a Constituição republicana retirava do governo a obrigação de fornecer instrução primária, que constava do texto imperial. “Exigia-se para a cidadania política uma qualidade que só o direito social da educação poderia fornecer e, simultaneamente, desconhecia-se este direito. Era uma ordem liberal, mas profundamente antidemocrática e resistente a esforços de democratização”. (LOPEZ; MOTA, 2008, p. 594)

Embora a realidade da época não refletisse a oportunidade e ascensão das camadas mais pobres, ainda assim, a Primeira República representa um período de mudanças sociais. Se antes, aponta Nagle (2009), no Império existia o “padrão de estratificação relativamente estável”, agora existia alguma mobilidade, ou seja, vislumbra-se uma “sociedade de classes”. Porém, o autor atenta para o fato de que estão em jogo, dois “brasis”, essa realidade apresentada não abarca o país como todo. As transformações ocorreram em algumas regiões mais desenvolvidas, enquanto outras se desenvolveram muito pouco ou quase nada.

Lopez e Mota (2008) observam que o Brasil dos anos 1930 era um país cuja miséria social era uma realidade, revelada por nossos intelectuais, vindos de famílias influentes, conhecedores de outras culturas.. Entre eles, Gilberto Freire, Monteiro Lobato, Anísio Teixeira, entre outros. Uma realidade, segundo Lopez e Mota (2008), na qual apenas 1,5 milhão de eleitores votavam, ou seja, 7,5% da população adulta. Além disso, um índice de escolaridade baixo, com “[...] irrisórios 27% de matrículas para a população de 8 milhões”. (LOPEZ; MOTA, 2008, p. 673). Somado a isso, existiam cerca de 2 milhões de desempregados, em função da crise do café, além dos “flagelados”, vítimas das secas de 1932.

A década de 1920 assistiu à gênese de um sistema previdenciário que ganharia contornos mais definidos no pós-1930 e seria uma das políticas-chave no estabelecimento das relações entre o Estado varguista e os trabalhadores urbanos. Esse sistema previdenciário, vinculado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), também criado em 1930, forneceria serviços de assistência médica aos trabalhadores a ele associados, independentemente das políticas e das estruturas do Ministério da Educação e Saúde. (BOMENY, 2001, p.132)

Num primeiro momento, essa “preocupação” com os pobres, faz de Getúlio Vargas, merecedor do “título” de “pai dos pobres”. Weffort (1980) esclarece muito bem essa articulação política envolvendo a problemática social. O autor aponta que com a Revolução de 1930, as camadas médias urbanas exercem pressão contra a oligarquia, tinham aspirações

liberais democráticas, queriam o voto secreto, detinham o domínio da opinião pública e, concentravam-se nas grandes cidades. No entanto, existia a impossibilidade de implantação de um regime democrático dentro de suas expectativas, além da falta de autonomia, em face de sua dependência do Estado. “Diferentemente da velha classe média americana, não tinham embasamento social e econômico na pequena propriedade independente, mas em atividades subsidiárias (Estado e serviços) da estrutura social de grande propriedade” (WEFFORT, 1980, p. 48). Para Weffort (1980), a falta de adequação de uma ideologia voltada para a realidade brasileira, impediu ações radicais, salvo as empreitadas da Coluna Prestes em função do inconformismo com a realidade brasileira. O autor discorre acrescentando que, além dessa impotência das classes médias urbanas, existia a constatação de que o café ainda representava muito para a economia. No entanto, o poder político não correspondia ao poder econômico, ou seja, “encontramos, com efeito, uma situação em que nenhum dos grupos (classes médias, setor cafeeiro, setores agrários menos vinculados à exportação) detém com exclusividade o poder político” (WEFFORT, 1980, p. 50). Dessa forma, justifica-se a existência do Estado, uma “circunstância de compromisso” diz Weffort (1980), no entanto, isso não implica em legitimidade desse Estado. Segundo Weffort (1980), a legitimidade virá do povo, ou seja, as massas urbanas: “É a única fonte de legitimidade possível ao novo Estado brasileiro” ( p. 50) . Nesse contexto, a oligarquia perde sua supremacia, porém, esse novo Estado não pode ser comparado aos governos do ocidente, trata-se, como o próprio autor confere, de um Estado de massas. Entrava em cena o Populismo. Nesse período, de acordo com Priore e Venâncio (2010), em 1930 foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. A legislação sofre alterações, segundo Lopez e Mota (2008) a Carteira de Trabalho passa a vigorar, além de outras medidas como: jornada de oito horas, concessão de férias para algumas categorias e licença-maternidade de um mês. No tocante à Justiça Eleitoral, é instituído o voto secreto e o voto feminino. Lopez e Mota (2008) apontam também que, no decorrer do governo Vargas, entra em vigor a Lei do Salário Mínimo, garantindo as necessidades básicas de aproximadamente um milhão de trabalhadores, além disso, também houve a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Depois de quinze anos no poder, chega ao fim o primeiro governo Vargas em 1945.

Lopez e Mota (2008) abordam o dualismo que envolvia o país, estávamos diante de “dois Brasis”:

O “Brasil” da região Sul compreendia os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, constituindo o país “moderno”, industrializado, “desenvolvido” e urbano, onde se fazia presente o trabalho assalariado e o braço do imigrante. O outro Brasil compreendia os estados do Norte e do Nordeste, dominados por latifundiários, proprietários de grandes extensões de terras improdutivas, o país “arcaico”, rural, “subdesenvolvido”, segundo o vocabulário da época. Neste, eram ainda mais visíveis as permanências político-culturais da sociedade patriarcal e da mentalidade escravista, cristalizadas ao longo da colonização de exploração. O sertanejo era “antes de tudo um forte”, porém distante dos padrões sociais e de educação de uma sociedade de classes moderna, baseada no contrato. E os índices de analfabetismo e de pobreza continuavam aterradores. (LOPEZ; MOTA, 2008, p. 719)

Com Gaspar Dutra, houve estagnação e o governo deu continuidade ao conservadorismo. Segundo Lopez e Mota (2008), o 6º Recenseamento Geral do Brasil, de 1950, apresentava dados desanimadores, “[...] 51.772.000 habitantes, dos quais apenas 1.256.307 são operários fabris, meio milhão de burocratas civis e militares, e milhões de analfabetos com mais de 15 anos” (LOPEZ; MOTA, 2008, p. 752). O descontentamento das camadas ligadas à industrialização possibilitou o retorno de Getulio Vargas ao poder, primeira fase da República Populista, de 1950-1954. Nesse período, segundo D’Araujo (1992), o desenvolvimento do país estava atrelado à questão social, ou seja, Vargas defendia a ideia de que um país de economia sólida tinha condições de oferecer aos seus cidadãos melhoras no âmbito social. “A distribuição direta ou indireta da riqueza só poderia dar-se na proporção em que essa riqueza fosse um dado concreto” (D’ARAUJO, 1992, p.102). Vargas, de acordo com Lopez e Mota (2008), em 1952, toma uma série de medidas, sendo estas de cunho econômico e social. Entre elas, a criação do Ministério da Saúde, desvinculado do Ministério da Educação, como também, a criação do Serviço de Bem-Estar Social, o Instituto de Migração e Colonização, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (sigla atual CNPq) e o Banco Nacional de Crédito Cooperativo.

Apesar das transformações sociais no universo do trabalho, segundo Lopez e Mota (2008), os operários entraram em greve, milhares deles compuseram a Marcha das Panelas Vazias. Em contrapartida, no Nordeste, em função das secas aumentou a migração de flagelados. Diante dessa situação, o governo oferece 100% de aumento no salário mínimo. O quadro apresentado, mais os embates políticos, colaboram com a queda do Governo e, em 1954, Getúlio Vargas comete o suicídio.

Juscelino Kubitschek (1956-1961) assume o Governo. Um período de transformações estava por vir.

É possível dizer, sem risco de distorção, que foi a década do popular no Brasil. A descoberta do popular como resgate do sentido de nacionalidade – todo o movimento em torno da cultura folk se inclui nesta perspectiva – mas, também, a eleição do povo como sujeito social na vida brasileira. A densidade da década de 1950 vem do fato de se cruzarem como atores em disputa a elite que ‘construiria 50 anos em 5’, ideário que tem sua consagração na construção e mudança da capital do Brasil, e as camadas populares que se mobilizam por conquistas sociais básicas. (BOMEMY, 2003, p. 57)

Embora a proposta fosse de acelerar o processo de desenvolvimento no país, a entrada das multinacionais propiciou o aumento da pobreza no Brasil. Era um momento de ebulição, um processo político em busca de mudanças radicais, o que levou ao “‘Terceiro Mundo’, uma noção positiva que permitia ao país vislumbrar horizontes promissores dentro dos marcos de uma democracia socialista, que haveria de vir... Mas não veio” (LOPEZ; MOTA, 2008, p. 765).