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As Políticas Nacionais de Segurança Pública formuladas após o Governo Fernando Henrique Cardoso, partindo da concepção de segurança cidadã, apregoam a necessidade de participação da comunidade na discussão de planos e elaboração de estratégias de ação para o enfrentamento da criminalidade e violências. Tais formulações se baseiam em diversos estudos nacionais e internacionais, já referidos, que também colocam essa premissa –

participação comunitária – como condição de legitimidade da ação governamental, bem assim possibilita seu maior controle social.

Após discorrer sobre o surgimento do Estado Moderno e suas teorias explicativas – consensuais e negativas, Berclaz (2013) designa, por exclusão, sociedade civil como tudo aquilo que não está contido no Estado, na sociedade política. Citando Habermas, pontua que sociedade civil e espaço público são “instrumentos essenciais para a consolidação da democracia deliberativa, como espaço autônomo de contraposição e controle de Estado. Entende que nessa perspectiva “a sociedade civil exerce a função de transmitir os problemas sociais que ecoam na esfera privada para a esfera pública política, o que bem sinaliza a separação entre Estado e sociedade civil”. Já com base em Dussel (2012), pontua que a sociedade civil seria um campo de sujeitos, dentro os quais os cidadãos e os movimentos sociais exerceriam um protagonismo especial. Por fim e com Gramsci, diferencia Estado e sociedade com base numa compreensão ampliada de Estado, de modo que seria no nível superestrutural que conviveriam sociedade política e sociedade civil, sendo a primeira a expressão da coerção, que teria como resultado a “guerra de movimento”, enquanto a segunda se pautaria pelo consenso e atua pela estratégia de “guerra de posição”.

Pelo escopo deste trabalho não serão aprofundadas tais reflexões teóricas, mas logo se percebe que a ideia de governança, de viés democrático, já referido alhures, mostra o quão tênue é a linha divisória entre sociedade civil e Estado.

A Constituição Federal proclama já no seu art. 1° que a República Federativa do Brasil se constitui como Estado Democrático de Direitos, tendo como fundamentos, entre outros, a soberania, a cidadania e o pluralismo político. Em seguida, reforça no seu parágrafo único que o poder será exercido tanto pelos representantes eleitos quanto diretamente, na forma prevista na Constituição Federal. Desta forma, a democracia direta apenas deve ceder espaço à democracia representativa por questões de factibilidade, operacionais, sobretudo em um país de dimensões continentais, com população superior a 200 milhões de habitantes – obviamente que o povo não pode nem deve ser consultado a todo instante sobre tudo! Mas não menos óbvio é que, em situações locais a participação direta é não apenas possível e recomendável como imperativo de concretização desses direitos fundamentais inscritos logo na abertura da Carta Magna.

Os conselhos sociais e outras formas de participação comunitária na formulação de políticas públicas constituem expressão do Estado Democrático de Direito. Aliás, o qualificativo “democrático”, visto por alguns juristas e políticos liberais como pleonasmo –

pois na noção moderna de direito estaria implícita a de democracia – deixa claro que o Constituinte não se contentou com uma noção meramente legalista, senão exigiu maior coeficiente de legitimidade para o exercício do poder.

Citando Boaventura de Sousa Santos, Berclaz (2013) arremata: democratizar a democracia é apostar em formatos complementares à democracia representativa, tais como a participação e a deliberação; é ter em conta que há muita inovação democrática emergindo no Sul, ainda que a teoria da democracia continue sendo produzida no Norte”; seria importante pensar e projetar uma “democracia radical de alta intensidade”, “uma das soluções possíveis para resgatar o sentido da democracia. Seria necessário substituir relações de poder por relações de autoridade compartilhada, o que se aproxima do conceito de governança, como visto. Pondera ainda o jovem promotor de Justiça do Paraná que “no atual cenário de crise do paradigma democrático mostra-se fundamental combinar a proposta vigente de democracia representativa com o exercício de uma democracia participativo-deliberativa capaz de se expressar localmente”.

Embora tratando de colegiados criados por lei para controle e acompanhamento de políticas oficiais, Berclaz (2013) enaltece a “dimensão político-jurídica dos conselhos sociais”, enfatizando seu papel de espaço de revigoramento da democracia e radicalizando para situar suas deliberações como ato administrativo relevante para o controle da discricionariedade administrativa. Exemplos concretos de exigência de controle social constam do Texto Constitucional nas áreas de saúde, educação e infância e juventude – arts. 198, III; 204, II e 227, § 7º, mais tais diretrizes se espraiaram para as demais políticas públicos, não se devendo olvidar que o art. 144 da Constituição Federal, ao prelecionar que a segurança pública é dever do Estado e, ao mesmo tempo, direito e responsabilidade de todos, abre campo fértil para que nas suas políticas públicas contemplem mecanismos de participação comunitária.

Mutatis mutandis, as linhas gerais do pensamento podem ser aplicadas aos CONSEG´s e às deliberações de órgãos colegiados como os GGI´s e CISP´s.

Em estudo sobre os Conselhos Comunitários de Segurança Pública, Sento Sé (2014, p. 110) conclui que embora estudos e normas elaboradas apontem para sua grande importância no aprimoramento das políticas de segurança pública, a prática evidencia sua precária institucionalidade e baixa autonomia em relação às instituições do sistema de justiça criminal e articulação com atores da sociedade civil organizada. Daí que iniciativas com a do

CISP, que buscam integrar órgãos públicos e também da sociedade civil, podem ajudar na superação do deficit cidadão.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam a proporção de conselhos que tratam de políticas públicas instalados nos municípios brasileiros, destacando-se o baixo percentual de Conselhos de Segurança Pública (%):

Quadro 3 – Conselhos de Políticas Públicas no Brasil

Saúde 99,7 Política Urbana 22,1

Acompanhamento do FUNDEB 98,1 Turismo 22,1

Direitos da Criança e Adolescente 97,9 Direitos da Mulher 17,5

Alimentação Escolar 95,3 Desenvolvimento Econômico 16,6 Assistência Social 93,1 Direitos da Pessoa com Deficiência 14,2

Educação 84,8 Esporte 11,2

Escolar 76,2 Segurança 10,4

Meio Ambiente 67,9 Transporte 6,4

Habitação 58,2 Juventude 5,4

Direitos do Idoso 51,5 Orçamento 4,9 Emprego/Trabalho 33,9 Igualdade Racial 3,5

Defesa Civil 25,3 Saneamento 3,5

Cultura 24,7 Direitos Humanos 2,2

Transporte Escolar 24,6 Direitos LGBTT 0,2 Fonte: MUNIC-IBGE, 2001-2013.

É possível especular que a baixa quantidade de conselhos de segurança pública implantado nos municípios decorre do fato de que vários congêneres, como saúde, acompanhamento do FUNDEB e CMDCA, são frutos de imposição legal, prevendo sanções para os gestores locais na sua implantação. Outros fatores que pode estar relacionado a essa baixa institucionalidade é a circunstância de o município não ser constitucionalmente considerado responsável direto pela política de segurança pública, além dos diversos constrangimentos já apontados no capítulo “segurança pública integrada”.

Ao discorrer sobre empoderamento e participação da sociedade civil em políticas sociais, Gonh (2014) sustenta que “a participação da sociedade civil na esfera pública - via conselhos e outras formas institucionalizadas - não é para substituir o Estado (caracterizado por democracia representativa), mas para lutar para que este cumpra seu dever: propiciar educação, saúde e demais serviços sociais com qualidade, e para todos. Já se viu alhures que os mecanismos de democracia participativa são complementares – e não excludentes – da democracia representativa.

Buscou-se investigar se, no caso do CISP, a maior autonomia e institucionalidade resultou em melhor articulação com a participação social, gerando empoderamento às comunidades locais.