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A Guiné-Bissau e a cooperação portuguesa

2.1 A Guiné-Bissau – contextualização

2.1.4 Sociedade e cultura

A sociedade guineense, a par do que acontece com muitas sociedades do Continente africano, é marcada por uma estrutura social fortemente heterogénea relacionada com a existência de uma multiplicidade de etnias170 e, com estas, uma variedade de culturas, hábitos, línguas, tradições, etc que habitam numa área territorial comum. Para melhor podermos compreender este fenómeno, importa primeiramente clarificar que existem atualmente na Guiné-Bissau três grupos religiosos distintos: os animistas (indígenas africanos), os muçulmanos (influência árabe) e os cristianizados (influência europeia) que, segundo as nossas pesquisas, não apresentam dados concretos e precisos quando às percentagens de cada um dos grupos, não nos permitindo, por isso, fazer uma análise consensual acerca dos resultados obtidos, tal como nos mostra o Quadro 4.

168

IPAD, Programa Indicativo de Cooperação (PIC) – Guiné-Bissau (2008-2010), op. cit. p. 16.

169

IPAD, Cooperação Portuguesa – Uma leitura dos últimos quinze anos de cooperação para o

desenvolvimento 1996-2010, op. cit., p. 307. 170

75 Quadro 4

Distribuição das religiões pela população guineense (em %)

Para além disso, segundo Luigi Scantamburlo175, existem cerca de vinte e cinco grupos étnicos, dos quais se destacam dez mais importantes no que diz respeito ao número de locutores: Balantas, Fulas, Mandingas, Manjacos, Papeis, Beafadas, Bijagós, Mancanhas, Felupes e Nalús, que podemos ver representados no Gráfico 2 (estimativa de 775. 000, isto é, 3/4 dos habitantes da Guiné-Bissau).

Gráfico 2

Etnias mais representativas na Guiné-Bissau*

Fonte: SCANTAMBURLO,Luigi (1999). * Números estimativos

171

Apud COUTO, Hildo Honório do e EMBALÓ, Filomena, op. cit. p. 30.

172

Idem, Ibidem.

173

Idem, Ibidem.

174

PINTO, Paula, Tradição e modernidade na Guiné-Bissau: uma perspetiva interpretativa do

subdesenvolvimento. Dissertação para a obtenção de grau de Mestre em Estudos Africanos pelo Centro de

Estudos Africanos da Universidade do Porto. Porto: FLUP, 2009, p. 31.

175

SCANTAMBURLO, Luigi; Dicionário do guineense – Introdução e notas gramaticais, Vol. I. Edições Colibri, 1999, p. 55. 245.000 200.000 100.000 80.000 72.000 20.000 20.000 19.000 15.000 4.000 0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 Religião Onofre (1993)171 Rosa (1993)172 Governo RGB173 Pinto (2009)174 Muçulmanos 46 30 50 40 Animistas 36 45 40 55 Cristãos 15 25 10 5 Outros 3 ---- ---- ----

76 A estes dez devemos acrescentar aproximadamente outros quinze grupos étnicos que são representados em minorias na Guiné-Bissau e que integram entre algumas centenas e poucos milhares de indivíduos: Bagas, Baiotes, Bambarãs, Banhums, Cassangas, Cobianas (Caboianas), Jacancas, Jalofos (Wolof), Landumãs, Padjadincas (Badjaranka), Saracolés (Soninkés), Sereres (Nhomincas), Sossos (Jaloncas), Tandas e Timenés. De referir ainda que se registam, em alguns casos, como é o caso Balanta e Fula, subdivisões dentro dos próprios grupos étnicos (Balantas: Balantas de Fora, Balanta Bravos, Balantas Naga, Balantas Mané e Mansoanca; e Fulas: Fulas de Boé, Fulas Pretos, Futa-Fulas e Fulas-Forros), o que realça o fator heterogéneo da sociedade guineense, mesmo no seio do próprio grupo étnico.

Também a língua é um fator de distinção, visto que cada grupo étnico tem a sua própria língua étnica, o que nos permite ter noção do enorme mosaico cultural que existe neste país lusófono (ver Gráfico 3). Apesar de a língua oficial ser o Português, a verdade é que na Guiné-Bissau esta não é a língua mais falada no quotidiano guineense, sendo o crioulo quem assume o principal elemento de comunicação entre a população, tendo em conta que a Língua Portuguesa é apenas utilizada nas escolas (muitas vezes deficitariamente, como veremos mais à frente), em alguma comunicação social e nos discursos políticos/oficiais. Este problema linguístico guineense tem repercussões, pouco positivas em alguns campos, principalmente no campo da educação/ensino como explicaremos no capítulo III.

Gráfico 3

Línguas mais representativas na Guiné-Bissau

Fonte: SCANTAMBURLO,Luigi (1999).176

176

Dados recolhidos com base no recenseamento da população realizado em 1979. 44,30% 24,50% 20,30% 11,10% 10,10% 8,10% 7,20% 2,00% 2,00% 1,90% 1,50% 0,30% 0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% 40,00% 45,00% 50,00%

77 Trata-se, de facto, de uma sociedade multiétnica e multicultural, na medida em que cada uma das etnias se distingue por ter costumes, hábitos e valores próprios, apesar de partilharem um território comum e fazerem parte da mesma Nação – a guineense.

Esta diversidade cultural e social acarreta duas consequências distintas: por um lado, sabemos que esta diversidade é positiva pois enriquece e engrandece a cultura do povo guineense; contudo, por outro lado, assume também um papel de desunião entre a sociedade, já que é frequente assistir-se à disputa entre etnias em vários aspetos como por exemplo: o aspeto territorial – o chamado domínio do “chão”177 - e o aspeto político, nomeadamente quando se fala em balantização178 do Estado.

No que toca ao primeiro, na cultura tradicional guineense a elevada conflitualidade justificava-se pela pequenez do território, pela grande densidade populacional e pela existência de inúmeros povos com estruturas políticas, culturais, religiosas e sociais, por vezes, profundamente distintas e incompatíveis entre si, dando origem a algumas rivalidades inter-étnicas já que “o conflito étnico comporta em si uma grande dose de violência e crueldade sobre o Outro a quem não se reconhece a mesma humanidade”179

. Já no que se refere ao segundo aspeto, tal como já referimos, a sociedade guineense é composta por várias etnias sendo a etnia Balanta a maioritária representando, segundo dados de Scantamburlo, um número de 245.000 membros Balantas. A designação de Batantização do poder surge essencialmente em 1999 com a realização de eleições legislativas e presidenciais e na qual o PRS foi o partido vencedor encabeçado por Kumba Yalá que viria a ser eleito como Presidente da Republica na segunda volta das presidenciais. Apesar de não ter uma composição marcadamente étnica, dado que o núcleo de fundadores reunia elementos das mais diversas etnias guineenses, a verdade é que a estratégia eleitoral desenvolvida apoiou-se na etnia Balanta a que pertencia o seu líder, Kumba, que fez do famoso barrete vermelho a sua imagem de marca. Deste modo, dada a composição étnica do PRS, a partidarização do Estado acabou por corresponder ao que se designou por Balantização do poder, com elementos da etnia Balanta a ocuparem, em força, a quase totalidade dos cargos superiores do Estado e à qual não escaparam as forças armadas180.

Neste contexto, muitas vezes torna-se difícil encontrar a definição do termo “guineense”, enquanto cidadão que partilha o mesmo território, língua, história,

177

NÓBREGA, Álvaro, op.cit. p. 141.

178

Idem, p. 293.

179

Idem, p. 143.

180

78 costumes entre outros aspetos com os seus semelhantes. Muitos tendem a apelidar-se de Balantas, Fulas ou Manjacos, esquecendo-se que, no fundo, são todos guineenses e que pertencem todos ao mesmo país.

Do ponto de vista cultural permanecem ainda várias lacunas, especialmente se tivermos em conta o campo literário no qual a produção é reduzida. Por outro lado, é complicado falar em literatura guineense já que quando se trata do assunto pensa-se, em geral, na literatura que é produzida em português (literatura em português) como o comprovam as escassas obras escritas principalmente por estrangeiros durante o período colonial, bem como o que se publicou depois da independência. Deste modo, a esmagadora maioria da produção encontra-se escrita nessa língua, apesar de haver algum tipo de literatura em crioulo (narrativas orais tradicionais (storias), provérbios, adivinhas) e em francês.181 Nesta área podemos citar vários nomes de poetas e escritores que marcaram/marcam o panorama literário guineense. Seguindo a ordem cronológica de Filomena Embaló destacamos os períodos: a) anterior a 1945 (cunho colonial marcado nos autores) – como Fausto Duarte, Juvenal Cabral, Fernando Pais Figueiredo, Maria Archer, Fernanda de Castro, João Augusto da Silva, Cónego Marcelino Marques de Barros; b) entre 1945 e 1970 (poesia de combate) – com Vasco Cabral, António Baticã Ferreira, Amílcar Cabral; c) entre 1970 e 1980 (da poesia de combate à poesia intimista) – com Agnelo Regalla, Hélder Proença, José Carlos Schwartz, António Soares Lopes (Tony Tcheka), Félix Siga, Francisco Conduto de Pina, Pascoal D´Artagnan Aurigemma; d) de 1990 em diante (poesia mais intimista) – com alguns dos autores mencionados anteriormente, Carlos Vieira e Odete Semedo; e a prosa com Domingas Samy, Abdulai Silá, Filinto Barros, Filomena Embaló, Carlos Edmilson Vieira, Waldir Araújo, Carlos Lopes, entre outros182.

Para além da literatura, a cultura guineense está marcada também pela variedade musical (sons ritmados desde o gumbé: Super Mama Djombo, Justino Delgado, Manecas Costa, Sidónio Pais, Eneida Marta, Dulce Neves, etc; aos sons com influências do jazz: José Carlos Schwartz) e pelos passos, ainda que lentos, dados na Sétima Arte, essencialmente graças ao trabalho desenvolvido por Flora Gomes (famoso cineasta guineense).

181

COUTO, Hildo Honório do e EMBALÓ, Filomena, op. cit. p. 60.

182

79