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CAPÍTULO 1 – UMA REVOLUÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E CULTURAL: A NOVA

1.4 Arte como ferramenta de engajamento

1.4.3 Redes de sociabilidade e solidariedade no cinema

1.4.3.1 Solidariedade em Operación Masacre

Jorge Cedrón possuía várias relações de solidariedade na militância para fins de sobrevivência, principalmente após o golpe de 1976. Também tinha vários envolvimentos no cinema para produzir suas obras e ajudar os colegas a fazerem o mesmo em circunstâncias de clandestinidade, além de trocar ideias. Um exemplo de experiências compartilhadas foi quando o diretor participou como ator nos filmes The Player vs. Ángeles caídos, de 1968 e Puntos suspensivos, de 1971.

No caso de Operación Masacre, todas as pessoas que trabalharam no filme tinham consciência do significado dele para o país, devido ao sucesso do livro, com a necessidade de

123 AVELLAR, op. cit., p. 278. 124 MORENO, op. cit., p. 80.

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divulgar e procurar justiça pelas vítimas; então, colaboravam com a filmagem na clandestinidade, com pouco dinheiro e nenhuma segurança sobre o fato de não serem presos ou conseguirem outro trabalho. Algumas delas tinham ou viriam a ter relação com Cedrón ou a militância peronista ou de esquerda, como poderemos observar nos parágrafos a seguir126.

Carlos Carella, ator que interpretou Nicolás Carranza no filme, era ator, diretor e dirigente sindical. Foi militante peronista e se exilou na Espanha depois do golpe de 1976. Era um nome conhecido na época em que Cedrón começou a pensar com quem queria trabalhar em seu filme127.

Enquanto isso, Hugo Álvarez, que interpretou Garibotti, conheceu Cedrón em um bar, onde o apresentou a outro ator, Rodolfo Brindisi, e ficaram amigos. Um dia, disse que emprestou a ele o livro do Walsh, estava interessado em fazer um filme sobre a história e queria que ele interpretasse Garibotti. Álvarez explica que as pessoas que participavam dos longas- metragens estavam, de certo modo, acostumadas a trabalhar naquelas condições de perigo, porque iam a manifestações e sabiam como era “correr da polícia”. Foi montada uma cooperativa para arcar com os custos da filmagem, coordenada por Álvarez128.

Já Víctor Laplace, que interpretou Carlos Lizaso, era peronista desde os 14 anos e trabalhou em uma metalúrgica; logo, conhecia a vida de operário. Quando conheceu Cedrón, trabalhava com teatro de rua: visitavam um determinado lugar, analisavam os problemas e depois faziam uma obra representando aquela problemática. Segundo ele, “hicimos Operación Masacre porque sentíamos que había un espacio por el cual pelear. Había un horizonte. No había dudas. Quizá porque tampoco había tiempo para dudar”129.

Julio Duplaquet trabalhou como diretor de fotografia na película. Era de esquerda, mas não peronista. Conheceu Walsh e Troxler antes da filmagem e ouviu a história contada por eles. Para eles, principalmente Walsh e Cedrón, algo que ia além da posição ideológica era o sentimento de fazer justiça com aquele filme, e Duplaquet confirma isso no seu relato130.

Também trabalhou com Cedrón em curtas comerciais e na rodagem dos desenhos de Alberto Cedrón em Por los senderos del libertador.

Nesse contexto, Miguel Pérez é um dos editores mais importantes do país, por ter trabalhado em mais de 400 curtas e 40 longas-metragens, a exemplo de Por los senderos del

126 A maioria consta no livro de Peña (2013) já citado.

127 MARRERO, Carlos. La palabra de Carlos Carella. Diário de Cultura. [s.d.]. Disponível em: <http://www.diariodecultura.com.ar/teatro-y-danza/la-palabra-de-carlos-carella/>. Acesso em: 5 jun. 2019. 128 PEÑA, op. cit., p. 74.

129 Ibid., p. 75. 130 Ibid., p. 73.

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libertador e Operación Masacre. Também colaborou com Cedrón em outros trabalhos comerciais131. Também, o produtor Oscar Daunes, que trabalhou em Operación Masacre, foi

um companheiro de esquerda e, mais tarde, delegado da Junta Interna ATE do Ministério do Trabalho132.

Walter Vidarte, ator, trabalhou em Operación Masacre e El Habitado. Exilou-se em 1974 na Espanha, depois de ser ameaçado pela Triple A por ter dirigido a obra teatral Juan Palmieri133. José María Gutiérrez e Ana Maria Picchio foram atores que também atuaram com

Cedrón em Operación Masacre e El Habitado.

As pessoas supramencionadas tinham em comum a importância que davam à arte cinematográfica, à verdade e à justiça. Conheceram-se no mundo do cinema, eventualmente compartilharam questões de ideologia política e trabalharam com Cedrón em sua obra principal. De acordo Miguel Pérez, isso ocorria inicialmente em total segredo, ninguém sabia da filmagem e, tampouco, poderia estar presente na equipe, a não ser as pessoas que tinham um trabalho específico para fazer ali. Depois, com o tempo, começaram a construir uma confiança entre eles134.

Julio Duplaquet relata sobre a experiência de Operación Masacre135:

Conversé muchas veces con Walsh y con Troxler. Los conocí a los dos antes de filmar y trabajaron mucho con nosotros. Troxler nos explicó bien cómo había sido todo. Yo era de izquierda, aunque no era peronista. Con Jorge y con Walsh pasó algo muy especial: además de que el tema de la película era muy importante, teníamos la sensación de hacer justicia, más allá de la posición ideológica. Era muy importante contar que esto había pasado acá. Enquanto isso, Rodolfo Walsh diz, sobre a equipe, que: “Nadie se enteró. Es increíble. Hubo que mover a sesenta actores, de la televisión, el teatro y el cine, y nadie se enteró. Ahora, en Argentina, el cine que merece llamarse cine es un cine no legal”. Ou seja, ele preza pela lealdade daquelas pessoas e aproveita para criticar o cinema argentino, em que haveria certa arrogância dessa militância em pensar que só os filmes políticos seriam importantes.

Nesse entremeio, Victor Laplace aborda a relação da equipe com Troxler, que é parecida com a ideia que Cedrón tinha sobre ele:

131 Ibid., p. 155.

132 LA IZQUIERDA DIARIO. ¡Compañero Oscar Dunes, presente, ahora y siempre! 2016. Disponível em: <http://www.laizquierdadiario.com/Companero-Oscar-Daunes-presente-ahora-y-siempre>. Acesso em: 14 jul. 2016.

133 EL PAÍS. Falleció el actor uruguayo Walter Vidarte. 2011. Disponível em: <http://historico.elpais.com.uy/111030/ultmo-603178/ultimomomento/fallecio-el-actor-uruguayo-walter-

vidarte/>. Acesso em: 6 jun. 2019. 134 PEÑA, op. cit., p. 77.

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Tengo muy clara la imagen de Julio Troxler, que había sobrevivido a los fusilamientos de 1956. Nosotros no lo conocíamos mucho y Cedrón nos dijo: ‘Él está acá para hacer la puesta en escena del fusilamiento’. Por eso la película tuvo ese nivel de verdad136.

Dessa maneira, eles tomaram o testemunho do Troxler como verdade oficial daquele massacre e esperavam que o público do filme também tivesse esse entendimento.

Julio Troxler foi suboficial da Polícia da Província de Buenos Aires quando Perón era presidente, mas se afastou do cargo por não concordar com os “métodos de trabalho” daquele órgão. Depois do golpe de 1955, militou na resistência peronista, sobreviveu ao fuzilamento de José León Suárez, exilou-se na Bolívia e ficou lá até 1955; depois, foi preso e torturado. Em 1968, narrou a história do fuzilamento para a terceira parte de La hora de los hornos. Interpretou a si mesmo em Operación Masacre e foi um dos protagonistas de Los hijos de fierro (1972- 1975), de Fernando Solanas. Durante o governo de Héctor Cámpora, foi nomeado subchefe da Polícia da Província de Buenos Aires. Foi assassinado pela Triple A em 1974137.

Grande parte da vida dessas pessoas mencionadas foi dedicada à militância e à arte, em que auxiliaram no trabalho e ampararam os colegas que passavam pelas mesmas dificuldades. A justiça social e a arte militante moviam esses atores e técnicos cinematográficos em meio ao medo e às incertezas da vida naquela época.