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D EVOÇÃO FÉ ESPERANÇA: atribuições simbólicas religiosas e fé católica

CAPÍTULO

1.8 Romarias: o movimento do corpo em oração

1.8.3 Solidariedade entre os romeiros

“O que eu acho mais bonito nas romarias

é a solidariedade entre os romeiros” (Romeiro - Sr. Nelson Claudino - fig. 83)

Vários são os vínculos que vão sendo construídos entre os romeiros durante essas caminhadas santificadas pela fé. Diversos gestos de solidariedade vão sendo construídos entre eles. As romarias são espaços de socializações, formações de novos amigos. Por meio de trocas de experiências com o vivido, depoimentos, escutas, conselhos, exemplificações, os romeiros vão encontrando suas igualdades nas histórias de fé, graças alcançadas, na labuta do cotidiano.

FIGURA 83 - Sr. Nelson Claudino – romeiro que disse:

“nas romarias o que acho mais bonito é a solidariedade entre os romeiros” - Aparecida / SP - 2009.

Além disso, o fato de caminharem juntos serve como estímulo. Um romeiro vai dando força ao outro, para não desistir e suportar a caminhada. Nas romarias estar só é uma opção. O romeiro pode até iniciar a caminhada sozinho mas, no decorrer, ele já integrou-se a algum grupo.

Esse foi o caso de Sr. Nelson Claudino126, que saiu de São Paulo sozinho, rumo ao Santuário de Aparecida. Inicialmente foi acolhido por um grupo de romeiros de Mogi Mirim e, num segundo momento foi acolhido pelos romeiros de Barueri. Ele assim afirma: “o que eu acho mais bonito na romaria é a solidariedade. Ninguém fica sozinho. Agora eu tô andando junto com o grupo do Vicente, eu estou andando na base da solidariedade”.

O Fato de caminharem rumo ao lugar considerado sacrossanto, parece criar uma corrente de fé, igualdade, fraternidade e solidariedade. Ali veem-se pessoas compartilhando alimentos, velas, lanternas, remédios, agasalhos, além de outros vários gestos de solicitudes. Carlos Alberto Steil, em seu artigo: “Romeiros e turistas no santuário de Bom Jesus da Lapa”, constata a solidariedade existente entre os romeiros, em sua pesquisa de campo:

Esse ideal de solidariedade, horizontalidade e igualdade nas relações entre os romeiros aparece com freqüência em suas falas e práticas. Para aqueles que chegam a Lapa depois de longas horas de viagem sobre a carroceria de um caminhão pau-de-arara, onde se misturam adultos, crianças, sacolas de alimentos, apetrechos de cozinha, colchões e esteiras de dormir, a experiência relatada é de uma comunhão que transcende o cotidiano marcado por regras estabelecidas, compromissos pessoais, posições sociais, constrangimentos morais, etc127.

Falas de um romeiro:

“Quando a gente prepara uma viagem desta, não tem separação. Todo mundo é irmão, todo mundo é amigo. Tem que ser assim”128.

Nessa mesma direção, ao chegar na entrada da cidade de Aparecida, no conhecido já pelos romeiros, o posto da gruta, os romeiros de Barueri montaram na sombra das arvores, margens da Dutra um verdadeiro almoço comunitário;

126 Nelson Claudino da Silva, brasileiro, 60 anos, investigador de polícia e professor de matemática.

Reside a rua Jardinópolis n. 93, São Paulo. Entrevista concedida a autora. Realizada na Via Dutra em: 10 out. 2009. Acervo da pesquisa.

127 STEIL, Carlos Alberto. Romeiros e turistas no Santuário de Bom Jesus da Lapa. Horizontes

Antropológicos. v. 09. n. 20, Porto Alegre, 2003. p. 3.

assavam carne, acompanhada de arroz, saladas, frutas e refrigerantes. Mesmo se passassem romeiros de outros grupos, mas se quisessem, podiam se alimentar. Eles estavam dando apoio também ao romeiro Lourival, que vinha de Porto Alegre de Bicicleta.

Em algumas romarias, é comum, em vários pontos dos percursos, os romeiros encontrarem apoios em barracas de pessoas que ficam servindo leite, pão, sopas e lanches. E outras dando apoio com remédios para as dores no corpo, algodão embebido de arnica para passar nos pés129 (fig. 84, 85, 86).

FIGURA 84 - Barraca da Betânia. BR/3650 entre as cidades de Uberlândia e a cidade de Romaria /MG - Paróquia de Santo Antônio.

FONTE: Acervo fotográfico de Aninha Duarte,

2001

FIGURA 86 - Barraca da Antena. BR/3650 entre as cidades de Uberlândia e a cidade de Romaria/MG - romeiros com os pés na água com arnica - 2001.

FIGURA 85 - Barraca da Antena. BR/365.

FONTE: Acervo fotográfico de Aninha Duarte - 2001.

129 Salientamos o trabalho feito há mais de 35 anos pela equipe da barraca da Antena, situada às

margens da rodovia BR-365, aproximadamente no meio do caminho entre Uberlândia e a cidade de Romaria-MG, funciona como principal ponto de descanso para os romeiros, oferecendo comida, assistência medica, banho de água morna para os pés, espaço para dormir. Todo o serviço é feito por voluntários de diversas paróquias de Uberlândia. (Duarte, Ana Helena da Silva Delfino Duarte, ex- votos e poiesis um olhar estético sobre a religiosidade popular em Minas Gerais - Dissertação de mestrado, UFU, 2003, p. 60,61

* Chama-se a atenção também, para a romaria feita de Campina verde-MG a Monjolinho distrito da cidade de Prata/MG. A romaria é feita durante três dias (10,11,12) de outubro em louvor a N. S. do Rosário. A maioria dos romeiros é das cidades de Campina Verde, Prata, Itapagipe, São Francisco de Sales, Iturama e outras. Há mais de 20 anos a prefeitura de Campina Verde monta quatro barracas para dar ajuda aos Romeiros, oferecendo sopa, leite, pão, água, café. Com serviço médico voluntário, prestam ajuda fornecendo analgésicos, álcool manipulado com arnica e outros primeiros socorros. (Idem)

* Essa forma de participação de apoio e solidariedade aos romeiros em peregrinações é também mostrada na romaria acompanhada por Rubens César Fernandes numa peregrinação feita de Varsóvia a Jasna Góra (“Monte Claro”), local do santuário de Nossa Senhora de Czestochowa, rainha e padroeira da nação Polonesa. “(ao menos nessa romaria, são oferecidos como oferendas frutas para comer, água para beber, à beira da estrada, nas ruas da cidade, nas casas dos camponeses onde dormem ao redor. Os romeiros nada dão em troca; recebem de bom grado e continuam a caminhar. Prometem a todos apenas rezas)”. FERNANDES, 1994. p. 24.

Sobre a romaria entendida como solidariedade e momento íntimo de introspecção de fé, Cleiton de Almeida Alves, que iniciou seu andar romeiro em 1987, fala sobre essa longa experiência e chega à reflexão:

A Romaria é o rito de fé, uma troca de experiências com outros romeiros, e a reflexão que faço durante toda a caminhada me proporciona um momento único com Nossa Senhora e com Cristo. A caridade, o amor, a bondade de outras tantas pessoas, que mesmo não caminhando fazem o bem ao próximo em “assistências” diversas, são também demonstrações de fé e devoção a Nossa Senhora Abadia. E durante todos esses anos acredito ter encontrado um “jeitinho” meu de fazer o percurso, que não é fácil, por ser uma longa distancia. Assim, aconselho que não adianta a pessoa estar bem fisicamente e preparada para andar longas horas, é preciso ter muita fé e perseverança, pois se for para apenas ver a imagem de Nossa Senhora Abadia, não é necessário fazer a caminhada, vá na paróquia mais próxima. Tenho certeza que a minha “romaria” está no encontro que tenho com Nossa Senhora e com Cristo durante o trajeto, e meu maior objetivo é o agradecimento130.

Segundo os relatos dos romeiros, a solidariedade existe até mesmo antes da romaria se iniciar. Um amigo ou uma pessoa da família do promesseiro, para não deixá-lo cumprir a caminhada sozinho, acaba por acompanhá-lo nessa missão de fé. Muitos deles, inicialmente só acompanhantes, acabam por voltar a fazer outra romaria, por terem gostado muito desse tipo de experiência.

Muitos romeiros afirmam que: “quem faz uma romaria, não fica sem fazer outra”. Seja para pagar outra promessa ou oferecer a caminhada, sem nada pedir ou pagar, e sim só por agradecer.

Nesse sentido, o romeiro Georges Montgonery Lopes131 afirma: “comecei fazendo uma promessa e não consegui mais parar. Venho sempre para agradecer as coisas boas que a vida oferece. Tem 10 anos que participo da romaria”. Os romeiros geralmente são grandes contadores de histórias. Contam suas experiências de peregrinações e as que já testemunharam. Recordam as graças recebidas, relatam, por vezes, detalhadamente a história que gerou a promessa que está sendo cumprida. De uma história, passa-se para outra. Aqui a solidariedade

130 Cleiton de Almeida Alves, 39 anos, advogado. Residente à rua São João n. 99, bairro Pacaembu,

Uberlândia /MG. Iniciou sua experiência de caminhar a pé em romaria 1986, para a cidade de Romaria/MG, considerado o maior centro de peregrinação do triangulo mineiro. Percurso feito por sr. Cleiton (Uberlândia a Romaria, distância de 92 km, pela BR 365).

131 Georges Montenery Lopes, 36 anos, Funcionário Público, residente no Largo São José do Belém,

n. 75, Santo André. Entrevista concedida a autora. Realizada na Via Dutra em: 10 out. 2009. Acervo da pesquisa.

também se faz presente pela disponibilidade da escuta. Ouvir e também ser ouvido: é um espaço de troca de vivências.

Nos percursos dos romeiros, os caminhos transformam-se em confessionários, oratórios, tornam-se verdadeiros divãs. Os romeiros vão relatando suas histórias e fazendo a catarse de suas vidas. Nessa travessia de fé, do local de saída até o lugar da chegada, eles parecem aproveitar para ir purificando sua alma, avaliando o vivido, buscando apoio nas histórias dos outros romeiros.

Pode-se constatar nessas experiências, um desejo de igualdade, auxílio, proteção e conformismo. A equivalência e o empatismo, nas romarias podem ser vistos como promotores de laços sociais, de transformação do sujeito, mesmo que esse desejo dure somente o percurso da caminhada. Porém, evidência-se o sintoma do desejo de compartilhar. Os romeiros afirmam que ninguém que caminha com fé, volta para casa sem dar à vida um valor diferente de antes da caminhada.

1.8.4 Romarias: espaço de lutas de diferentes sujeitos - dores e esperanças