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AO SOM DO BANDOLIM: SABERES E FAZERES DA PRIMEIRA PROFESSORA NEGRA DE CODÓ MA

RODA DE CONVERSAS (COMUNICAÇÕES ORAIS)

AO SOM DO BANDOLIM: SABERES E FAZERES DA PRIMEIRA PROFESSORA NEGRA DE CODÓ MA

Maria Alda Pinto Soares10

Maria do Amparo Borges Ferro11 Resumo: Considerando a fertilidade das pesquisas na área da História da Educação e o diálogo permanente destas com novas abordagens e domínios historiográficos dados pela Nova História Cultural, o presente artigo tem como objetivo apresentar as investigações realizadas sobre a trajetória de Filomena Catarina Moreira, a primeira professora normalista negra da cidade de Codó-Maranhão, identificando sua contribuição enquanto mulher/professora que deram visibilidade sobre o protagonismo feminino na educação codoense. Para a composição deste trabalho, foram realizados levantamentos documentais e bibliográficos em livros, jornais e registros de inspeção de instrução escolar no acervo da Biblioteca Benedito Leite; visitas à Unidade Integrada Colares Moreira no município de Codó e entrevistas semiestruturadas. Nos resultados e discussão viajou-se para uma Codó no início do século XX em busca de compreender a gênese da instrução escolar através de sujeitos que inseridos numa época e contexto, deram suas contribuições para a constituição de memórias sociais e coletivas sobre a professora Filomena Moreira, esta, uma pessoa de origem humilde e mulher negra, fatores incomuns para uma professora no período, uma vez que, a instrução reservava diferentes perspectivas entre e/ou para mulheres brancas e negras. Ao longo da investigação, são apresentadas as escolas onde Filomena atuou, seus saberes e fazeres e o conflito por ela enfrentado ao final de sua carreira, em seu polêmico processo de aposentadoria. Por fim, conclui-se que a pesquisa permitiu a focalização da relação entre mulheres e educação, em especial, de Filomena Moreira, possibilitando uma

10 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Federal do Piauí; Membro do Núcleo de Educação, História e Memória (NEHME/UFPI).

11 Doutora em História e Filosofia da Educação, Professora Associada da Universidade Federal do Piauí; Coordenadora do Núcleo de Educação, História e Memória (NEHME/UFPI).

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interpretação de sua trajetória de vida e os desafios por ela enfrentados enquanto mulher afrodescendente.

Palavras-Chave: História da Educação. Memórias. Professora.

Introdução

Considerando a fertilidade das pesquisas na área da História da Educação e o diálogo permanente destas com novas abordagens e domínios historiográficos – a exemplo dos estudos de biografias de sujeitos escolares –, em busca de compreensão das realidades educacionais em diferentes lugares e contextos, a presente pesquisa inicialmente apresentada na seleção do Mestrado em Educação da Universidade Federal do Piauí no ano de 2016, nasceu de inquietações e pesquisas sobre histórias e memórias da educação no município de Codó- Maranhão.

A investigação que ora se propõe encontra bases teóricas na Nova História Cultural, pois, os estudos dentro do campo da História da Educação, foram fortemente possibilitados por ela através da incorporação de novas fontes e objetos que mudaram e ampliaram as formas de se fazer História.

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Deste modo, adentrando estudos históricos relativos à profissão docente, a presente pesquisa insere-se nos debates da linha de pesquisa "Educação, Movimentos Sociais e Políticas Públicas" do Mestrado em Educação, ora se apresenta no IV Congresso sobre Gênero, Educação e Afrodescendência: descolonialidades e cosmovisões, como parte das discussões da

Roda Temática 1 “cosmovisões sobre/de

mulheres/homens/infâncias e juventudes afrodescendentes em experiências descoloniais”, tendo como objetivo apresentar as investigações realizadas sobre trajetória de Filomena Catarina Moreira, a primeira professora normalista negra da cidade de Codó, Maranhão, identificando suas contribuições enquanto mulher/professora que possam dar dizi/visibilidade sobre o protagonismo feminino na educação codoense e ainda, revelar seus saberes e fazeres que deixaram marcas na história do município em questão.

Metodologia

Para a composição deste trabalho realizou-se levantamento documental e bibliográfico em livros, jornais e registros de inspeção de instrução escolar no acervo da

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Biblioteca Benedito Leite; visitas à Unidade Integrada Colares Moreira no município de Codó, local de atuação profissional de Filomena Catarina Moreira e; entrevistas semiestruturadas com o escritor codoense João Batista Machado e o professor Carlos Gomes.

Resultados e discussão

Rememoro Dona Filomena enquanto ouço o som do bandolim

De alguma forma, vejo suas mãos a massagear aquele instrumento

Mãos negras misturadas ao pó do giz Acalmando a meninada

Embalando as brincadeiras Serenando o seu próprio coração. Talvez o dia tenha sido longo

Ensino de primeiras letras, cálculos, cadernos a corrigir

Lições de coisas, lições de vida Uma boa história para dormir

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Uma canção para matar a saudade

Ou um alento, um descanso para sua mente Enquanto a criançada corre solta pelo quintal. É manhã. É recreio. Já é tarde

Uma canção noturna cai bem O casarão está cheio

As crianças chegaram do interior

Cheias de saudades das casas que deixaram Vai bem o som do bandolim para amenizar a dor. Tem dias que a vejo tocar sozinha

A plateia é o seu coração

Remando contra a angústia de um olhar duvidoso E contra as amarguras amplas como o seu casarão. Mas ali não cabe migalhas de amor

Não cabe indiferença

Não lhe cabe enrijecer a dor

Então o bandolim a massageia também: _ Coragem, Filomena!

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Não te deixes entristecer Planta nas crianças o teu amor Sem palmatórias, sem castigo Oferece teu colo e teu abrigo Tuas canções e teus conselhos. Eles lembrarão...

Daquela que mesmo por vezes desacreditada Ofereceu-lhes a mão

Sorrisos, brincadeiras e sabedorias com canção!

“O estudo da história proporciona uma abertura semelhante àquela obtida nas viagens. Nos dois casos, deparamo-nos com o outro” (LOPES; GALVÃO, 2005, p.15); depara-se com locais e pessoas diferentes de nós, mas, ao mesmo tempo, são sujeitos que dentro de sua época e contexto, contribuíram de algum modo para a constituição de memórias sociais e coletivas. E isso, torna-se possível mediante uma disposição para a investigação historiográfica.

Para Lopes e Galvão (2005, p. 16):

A disposição para se fazer história, ou para se ler o mundo como um dispositivo historiador, parte, antes de mais nada, de uma disposição

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radical para ler, ver, ouvir e contar... o outro. Imersos em um presente que faz indagações, impõe questões, sugere temáticas, os pesquisadores atentos formulam problemáticas para a história: o que se fazia, por que se fazia, quem fazia, como se fazia alguma coisa em determinada época e em uma sociedade específica? (LOPES; GALVÃO, 2005, p. 16). Neste caminho, ao adentrar o universo da História e mais especificamente, da História da Educação Codoense, viajou-se para uma Codó no início do século XX em busca de compreender a gênese da instrução escolar e investigar a trajetória dos sujeitos que nela depositaram suas contribuições.

No recorte temporal desta investigação, Codó – elevado à categoria de cidade em 16 de Abril de 1896 – estava envolvida no processo de industrialização do Maranhão, constituindo-se num grande centro de produção algodoeiro e, portanto, exigindo e buscando na instrução escolar, meios para uma cidade próspera e educação cívica para os seus moradores, conforme descrevem os periódicos da época.

O início do trajeto trouxe algumas problemáticas: Como eram as escolas? Quem eram as professoras? Como se dava o ensino? Que técnicas de aprendizagens eram adotadas? Primeiro vieram indagações e silêncios como respostas.

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Adiante, algumas pistas e mais questionamentos fazendo com que as primeiras investigações possibilitassem um contato com a educação codoense e seus nomes, com as notícias nos jornais do período, com escolas e professores, com o outro. Com as outras!

Descobriu-se um magistério formado em maioria por mulheres. E diferenciando-se da maioria das escolas das capitais, não estavam somente na sala de aula, mas, essas mulheres respondiam também pela diretoria dessas escolas, cargo geralmente ocupado pelo sexo masculino.

Desvendou-se inicialmente a existência de quatro escolas, sendo: o Colégio Santa Rita, dirigido por Maria Dorothea dos Santos, a Escola Mista Estadual sob a regência da professora Ercília Assis, a Escola Mista Municipal sob a direção da professora Maria das Dores Vidigal e por fim, a Escola Mista Estadual dirigida pela professora Filomena Catarina Moreira.

Nas escolas mistas estaduais como também na municipal, eram as professoras normalistas as responsáveis pela educação de crianças e por todas as atividades administrativas. Em maioria, não eram codoenses e sim pertencentes a outras cidades da redondeza, a exemplo de Caxias, como também do

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Estado do Piauí. Algumas permaneciam na cidade até serem removidas para a capital ou suas cidades de origem. Outras firmavam casamentos com membros de família de elite da cidade e ali permaneciam.

Deste quadro de professoras normalistas e dirigentes de escola, uma professora nos chama maior atenção. De origem humilde e mulher negra, fatores incomuns para uma professora no período, uma vez que, a instrução reservava diferentes perspectivas entre e/ou para mulheres brancas e negras. Trata- se de Filomena Catarina Moreira, a primeira mulher codoense a se formar em professora normalista.

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FIGURA 1: FOTO

Filomena Catarina Moreira

FONTE: Revista Leia Hoje (2000).

Para as mulheres negras, a instrução escolar não era vista como embelezamento do bello sexo, pois, dentro de um contexto marcado por preconceitos a mulher negra era vista de modo estigmatizado, onde suas potencialidades eram anuladas

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e silenciadas pela sociedade e instituições e assim, “desde muito cedo, a população negra, e a mulher negra em particular, teve maiores dificuldades em integrar o quadro educacional” (NEPOMUCENO, 2013, p.389).

A pessoa negra, uma vez localizada nos mais degradados estratos da hierarquia social viam sendo reforçados “os estereótipos acerca de sua incapacidade mental, de sua preguiça, de sua irresponsabilidade. Reforçava-se a falácia de inferioridade. O preconceito de cor”. (RISÉRIO, 2007, p.353),

Sem as mesmas oportunidades, "essas mulheres [negras] valeram-se dos trabalhos ligados à cozinha, à venda de salgados e doces nas ruas e lavagens de roupas. Serviram também como empregadas domésticas” (NEPOMUCENO, 2013, p. 386). Ainda que com diplomas em mãos, conquistados arduamente, não desfrutavam do mesmo reconhecimento, nem eram consideradas adequadas para integrarem o quadro educacional público e, uma vez, impossibilitadas de atuar pelo Estado, acabavam ministrando apenas aulas particulares.

Porém, a falta de reconhecimento de sua intelectualidade também se estendia quando as mesmas ofereciam serviços de instrução particulares, inviabilizando as

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mesmas de continuarem a exercer o magistério devido à falta de confiança e consequente ausência de alunos.

Todavia, constata-se na educação codoense o protagonismo de uma mulher e professora negra, que dentro de um entendimento de que a leitura historiográfica tem de dar vida ao que já não existe (CATROGA, 2001) desperta interesse especial para uma pesquisa sobre sua história enquanto sujeito mulher que demarcou um espaço e contribuiu com suas táticas e saberes (MOTTA, 2008).

Natural de Codó, Maranhão, Filomena Catarina Moreira, nasceu em 25 de Novembro de 1886. Criada sozinha por sua mãe Carolina Moreira, num contexto pós-abolicionista, Filomena tem uma trajetória, no mínimo intrigante, para os historiadores da educação e para a memória da população codoense. Por essa curiosidade, buscou-se interpretar a partir das fontes encontradas, a vida e trajetória desta professora.

Filomena teve sua formação pela Escola Normal do Estado do Maranhão, com diploma expedido em 27 de Janeiro de 1907 por Antônio Batista Barbosa e retomou à Codó no ano seguinte à sua diplomação, em 18 de Julho de 1908, com vinte e dois anos de idade, a convite do senhor Raimundo Bayma, então dirigente municipal, para instruir os filhos dos codoenses

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que careciam do conhecimento das primeiras letras e de uma educação formal e sistematizada.

Tendo por exemplo o restante do país, verifica-se que o curso normal no Maranhão foi frequentado principalmente por mulheres das camadas médias e as de famílias pobres, na expectativa de um futuro melhor através do exercício de uma profissão. Apesar de rendimentos baixos, o curso normal já lhes proporcionava uma melhoria na qualidade de vida.

O currículo do curso normal frequentado por Filomena abrangia as disciplinas de Ginástica, Língua Portuguesa, Língua Francesa, Oceanografia, Música, Geografia, Caligrafia, Contografia, Prendas Femininas, História Universal, Aritmética, Geometria, Pedagogia, Desenho, Física, Álgebra, Literatura, Cartografia, História Natural, História do Maranhão, Química, Geologia, Instrução Cívica e História da América. Dentre as notas em todas as disciplinas, Filomena destacava-se com notas máximas as disciplinas de Música, Cartografia, Instrução Cívica e Prendas Femininas.

Suas notas evidenciam uma progressão nos estudos e que para Machado (1999) não vieram sem dificuldades pela sua diferença racial e social, fazendo com que a dedicação aos

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estudos e a elevação de suas notas fosse um dos caminhos para a superação de preconceitos e elevação da própria autoestima.

Para o escritor codoense, João Batista Machado, Filomena Moreira foi uma,

Mulher, de origem africana [...] de inteligência privilegiada, que nos idos tempos de 1908, em pleno contexto recém-liberto da escravidão, foi capaz de estudar, tornar-se professora e a primeira professora normalista da Cidade de Codó. Este dado da história deve ser contado com muito cuidado e muito respeito. Trata-se de um fenômeno raro para a sua época. [...] Exemplo de dignidade, Filomena Catarina Moreira foi professora de toda uma geração de codoenses, que a partir de seu curso primário na Escola Mista César Brandão, seguiram carreira sem nunca esquecer de mencionar a origem de seus primeiros passos (MACHADO, 1999, p.159).

A primeira escola onde Filomena atuou foi a Escola Mista César Brandão, também conhecida como Escola Mista de Codó, em sua própria residência, situada à Rua Antônio Alexandre, 1560, ao lado da igreja Matriz. Lá, morava com os seus alunos, sendo esta a primeira escola regular de Codó e também a pioneira em educação para mulheres no município.

Na época, por sua dimensão e por possuir grandes compartimentos e um quintal produtivo com frutas, animais e

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plantas medicinais, a escola era chamada de “Casarão”. Suas aulas contemplavam os conteúdos de Português, Matemática, Estudos Sociais, Prendas Femininas, Educação Física, Desenho.

No ano de 1934, o casarão deixou de ser escola, pois era inaugurado na cidade o Grupo Escolar Colares Moreira, para onde os alunos foram transferidos e no qual Filomena Catarina foi professora, regendo o 5º Ano e sendo a primeira diretora, nomeada pelo interventor Antônio Martins de Almeida, para dirigi-lo, mantendo-se nesse cargo, até a data de sua aposentadoria, em 10 de junho de 1935.

Os saberes e fazeres da primeira professora codoense chegam até os dias de hoje através dos depoimentos coletados por Machado (1999), optando-se por aqui transpô-los devido ao esgotamento da obra, sem reedição ou reimpressão.

Para Cimódoce Ferreira, ex- aluno, a professora em questão,

Exerceu as funções do seu magistério por vários anos. Pessoa honesta e trabalhadora. Católica praticante. Pertencia a Pia União das Filhas de Maria e ao Apostolado da Oração. Vivia em companhia da Sra. Mãe D. Carolina Moreira e de sua afilhada Albertina Moreira. Criava

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muitas crianças do interior que vinham para a sua casa estudar (MACHADO, 1999, p.162). Para Lourdes Siqueira,

Foram igualmente educados pela Filomena dezenas de sobrinhas (os), filhas (os) dos parentes da família Moreira, afilhadas (os) vindo do interior. [...] A professora Filomena Moreira educou com os princípios de seu tempo, quando o sistema de educação era mais comprometido com o processo de formação da pessoa inteira. [...] Responsável pelo ensino formal dessa pessoa ela se preocupava com a missão que a sociedade esperava de cada uma delas (MACHADO, 1999, p. 160).

O escritor João Batista Machado, em entrevista, relata que a professora Filomena era muito carinhosa e que lembrava perfeitamente das vezes em que, quando criança, ficara sentado em seu colo, ouvindo suas canções e instruções.

Filomena era uma pessoa honesta e trabalhadora. Ela cuidava dos alunos como filhos, levava para casa, dava almoço, dava banho. Era muito inteligente, muito competente [...] Os alunos ela chamava de meus filhos. Ela era bem grandona, muito competente, sabia música, tocava bandolim (Informação Verbal12).

12 MACHADO, João Batista. Entrevista concedida a Maria Alda Pinto Soares. Codó – MA. Dezembro. 2013

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Para José Rosa, Catarina era “abolicionista do regime da palmatória e formou grande parte da mocidade de Codó” (MACHADO, 1999, p.162). Mesmo sendo referência na cidade para “dar jeito” às crianças que lhe eram encaminhadas, Catarina, de acordo com as informações coletadas, não utilizava castigos e palmatórias, mas o diálogo, o respeito e moral conquistado junto a seus alunos para educá-los.

Segundo o cônego José Ribamar Carvalho, ex-aluno de Filomena e um dos primeiros dirigentes da Universidade Federal do Maranhão, “a dona Filomena era competente e tinha força moral” (MACHADO, 1999, p.163).

Além das atividades escolares e religiosas, Filomena Catarina Moreira, reservava um tempo para as boas amizades, em especial para sua amiga Laura Bayma, de quem diariamente recebia visitas e juntas “colhiam laura-rosa, jasmim no quintal, colhia manga-rosa, ata, conversavam, trocavam confidências e despediam-se até o dia seguinte” (MACHADO, 1999, p.161).

O bandolim de Filomena geralmente estava presente nas memórias de quem com ela conviveu. “Este instrumento era um grande amigo de Filomena, nas aulas e na vida, ajudando-a aliviar os problemas cotidianos que apareciam

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frequentemente, os destratos por sua cor, um olhar indiferente. Era um alento para si” 13. Com ele, entoava canções da época

ensinadas por sua mãe, que lhe criara sozinha. Ao som do bandolim, ia enfrentando a vida.

Pelas vezes em que Filomena foi lembrada tocando bandolim, encontrou-se inspiração para escrever a poesia com a qual iniciou-se os resultados e discussões de sua pesquisa. Suas notas máximas na disciplina de Música durante o curso normal, também atestam para o lado artístico da professora e sua afetividade para com o instrumento, que aprendeu tocar com a sua mãe, dona Carolina.

A vida religiosa, as visitas de uma boa amiga e o som do bandolim permaneceram com Filomena ao lidar com pressões do cotidiano, principalmente, ao fim de sua carreira profissional, com um processo bastante conflituoso de aposentadoria.

Em entrevista, o escritor João Batista Machado conta sobre a aposentadoria de Filomena. Afirma que: “Ela se aposentou antes do tempo porque havia uma professora aqui em Codó que queria o lugar, queria ser diretora; ‘aí’ obrigaram a Filomena a se aposentar. Ela se aposentou como inválida, não

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foi por tempo de serviço” 14. Assim, em 10 de Junho de 1935,

em conformidade com a lei nº 1.265 de 09 de Abril de 1926, Filomena é aposentada com vinte e nove anos e seis meses de serviço público. Seus vencimentos corresponderam neste momento a Rs 2.900$400 (dois contos, novecentos mil e quatrocentos réis).

“O que é certo é que a mesma sociedade que reconhece sua competência na qualidade de professora, educadora, formadora de gerações, ao mesmo tempo essa sociedade não a tratou, ao longo de sua carreira, com os méritos de uma mestra imérita. É bom relembrar nessa análise o contexto, o tempo que marcava a sociedade brasileira, no momento em que uma mulher, de origem africana assume uma posição sócio- cultural relevante, numa pequena cidade [...] no pós-abolição [...] ficaram marcas histórico- culturais, expressas a nível de diferenciações no tratamento desigual entre pessoas” (MACHADO, 1999, p. 163).

A imagem de querida professora e os depoimentos aqui dados sobre a pessoa de Catarina, podem revelar um pequeno número daqueles que reconheciam a sua intelectualidade e legado na e para a história codoense, porém,

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também existem memórias e silêncios de uma sociedade ainda assentada em preconceitos.

De acordo com Boakari (2010):

É comprovada a partir de experiências vividas, levantamentos oficiais e pesquisas acadêmicas que as mulheres, descendentes dos africanos