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Subversões de Picasso

No documento Adorno e a pintura : mapeamento crítico (páginas 48-58)

Provavelmente a primeira obra significativa de Picasso tenha sido Les demoiselles

D’Avignon62, de 1907. A crítica específica desse quadro, mais de cem anos depois,

permanece viva e inventiva63. Meu intento aqui é de somente apontar alguns elementos

que tornam a obra relevante.

Picasso foi muito além do impressionismo em vários aspectos. O primeiro deles é a assimilação imanente do “feio”, através da distorção ou deformação dos corpos e pelos rostos mascarados – herança da máscara africana, elemento externo ao sistema simbólico da arte europeia.

A favor da sobrevivência do conceito de harmonia como momento fala o facto de as obras de arte, que protestam contra o ideal matemático de harmonia e contra as exigências de relações simétricas e buscam a assimetria absoluta, não serem desprovidas de toda a simetria. A assimetria, segundo o seu valor linguístico-artístico só pode conceber-se em relação à simetria; uma prova muito recente disso são os fenômenos que Kahnweiler chama fenômenos de distorção em Picasso. (ADORNO, Teoria Estética, p. 181)

Uma parcela considerável do entendimento de Adorno sobre a obra de Picasso, e também do impressionismo, provém de sua leitura e interlocução com o dealer e crítico de arte Daniel-Henry Kahnweiler, alemão que vivia em Paris e seu amigo. Kahnweiler estabelece uma crítica de inspiração kantiana, porém de pena muito inventiva; foi um dos precursores da defesa teórica da validade do cubismo e de seu aspecto de ruptura com a tradição.

62 “Jovenzinhas de Avingnon” não parece um título muito agradável para que valha a pena traduzi-lo. Pablo Picasso, Les demoiselles D’Avignon, 1907, óleo sobre tela, 243,9 x 233,7 cm. MoMA, Nova Iorque.

63 O primeiro a se posicionar, logo no advento da obra, foi Kahnweiler; já com o quadro nos Estados Unidos, Alfred Barr, Leo Steinberg, Giulio Carlo Argan, Carlo Ginzburg, Yves-Alain Bois, Rosalind Kraus, e muitos outros já deram sua contribuição para a fortuna crítica da obra, apontando elementos disruptivos do quadro através de diversas abordagens, como antropologia, exotismo, psicanálise, erotismo, formalismo, e mesmo utilizando-se de conceitos adornianos, como Jay Bernstein, cujos escritos serão tratados em excurso à parte. O próprio Adorno cita o quadro como paradigma de ruptura, mas que todavia tomada como cânone e regra, abandona o espírito da vanguarda e corre o risco de regressão. “O valor posicional dos traços bárbaros na arte nova modifica-se historicamente. O amador delicado, que se benze perante as reduções das Demoiselles

d'Avignon ou as primeiras peças de piano de Schönberg, é sempre mais bárbaro do que a barbárie que ele

Figura 7. Picasso, Les demoiselles D’Avignon, 1907

Fonte: disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Les_Demoiselles_d%27Avignon#/media/ File:Les_Demoiselles_d'Avignon.jpg> Acesso em 13 dez. 2019. © 2019 Estate of Pablo Picasso / Artists Rights

Society (ARS), New York

O fenômeno de distorção ou deformação tem sua origem tradicionalmente situada em Ingres. O grande pintor francês, obcecado pela beleza e pela perfeição anatômica, distorce o dorso d’A banhista de Valpinçon64 [1808]. Não é um corpo ideal porém inexistente,

como na escultura grega: desta vez é um corpo voluntariamente deformado. Ingres faz esse movimento em nome do amor pelo ideal de beleza, e assim separa-o da mera prescrição de verossimilhança anatômica. Manet, na sua Olympia65 [1863], estica ainda mais

o fio do tear de Ingres: a beleza desta vez emerge no plano chapado, não mais em perspectiva linear. A Olympia não é bela porque se parece com alguma mulher real, ou porque seu corpo foi deformado para ficar mais bonito: é bela por sua articulação formal, separada da vida social por sua recusa do realismo, mas testemunha dela nos elementos

64 Jean-Auguste Dominique Ingres, La Baigneuse Valpinçon, 1808, óleo sobre tela, 146 x 97,5 cm. Museu do Louvre, Paris.

de tensão do quadro - a escrava, signo da desumanidade; o gato preto, tradicionalmente considerado como arauto da má sorte; e a própria postura lasciva da Olympia. Ao abdicar da perspectiva linear, e assimilando elementos do real desencantado - causando algum incômodo - Manet enfrenta a ilusão da verosimilhança e passa para o plano do concreto. Esse salto é um dos mais importantes da história da pintura.

Figura 8. Ingres, A banhista de Valpinçon, 1808

Fonte: disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Banhista_de_Valpin%C3%A7on#/media/

Ficheiro:Jean-Auguste-Dominique_Ingres_-_La_Baigneuse_Valpin%C3%A7on.jpg> Acesso em 13 dez. 2019

Nos quadros de Manet se esconde sem dúvida uma determinada espécie de choque, uma determinada espécie de terror, em relação à coisificação do mundo. É por isso que Manet se diferencia dos impressionistas tardios, pelo fato de que nele ainda se incorpora o mundo alienado a um continuum do aparato sensual da percepção, através do qual o mundo se volta de todos os modos a se reconciliar com o sujeito, quer dizer, ele [Manet] apreende verdadeiramente esse mundo, em sua estranheza, de maneira precisa. E os objetos que elege por essa estranheza (sobretudo a imagem da prostituta como um tipo social, que em sua obra está visto por completo num sentido de crítica social e, de algum modo, como n’As Flores do Mal, a obra de seu amigo Baudelaire) resultam em algo extraordinariamente característico para este tipo de alienação social que,

ao mesmo tempo, se volta para as pessoas em direção ao mais próximo de tudo, em direção ao próprio corpo. (ADORNO, Estética 1958/9, p. 523-4, tradução

nossa66)

Figura 9. Manet, Olympia, 1863

Fonte: disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Olympia_(Manet)#/media/Ficheiro:Manet,_Edouard_- _Olympia,_1863.jpg> Acesso em 13 dez. 2019

O impressionismo, devedor de Manet, insiste na distorção, com a prevalência da pincelada perante o traço, criando uma espécie de “impressão” fragmentada da paisagem, que seria posteriormente reconstruída pelo olhar do espectador. Mesmo com a aparição nas paisagens impressionistas de elementos não-naturais, como pontes, ferrovias e plantações – que são importantes indícios do desencantamento do mundo – a pintura impressionista, ainda que tenha se destacado do realismo, não havia transformado o próprio horror em forma. Quem opera essa ruptura é Picasso, nas Demoiselles. A distorção

66 “En los cuadros de Manet se esconde sin duda una determinada especie de shock, una determinada especie de terror, respecto de la cosificación del mundo. Esto por lo que Manet se diferencia de los impresionistas tardíos es el hecho de que él aún incorpora el mundo alienado a un continuum del aparato sensual de percepción, a través del cual ese mundo vuelve de todos modos a reconciliarse con el sujeto, es decir, el verdaderamente aprehende ese mundo, en su extrañeza, de manera precisa. Y los objetos que elige por esa extrañeza (sobre todo la imagen de la prostituta como un tipo social, que en su obra está visto por completo en un sentido de crítica social y de algún modo, como en Las flores del mal, la obra de su amigo Baudelaire) resultan algo extraordinariamente caracteristico para este tipo de alienación social que, al mismo tiempo, vuelve a las personas hacia lo más cercano de todo, hacia el cuerpo propio.” ADORNO, Estética

não serve mais à pura beleza, e sim à plena fealdade (ou feiura, como se queira). Herança kantiana: “A bela arte mostra sua preeminência justamente em descrever com beleza coisas que na natureza seriam feias ou desagradáveis67”. A distorção não serve mais para

reconstruir mentalmente a paisagem, e sim para aparecer claramente em sua intenção: enquanto drástica ruptura do sistema de construção pictórico, do ideal ocidental de beleza; por fim, uma afirmação da deformação como forma. Está aberto o caminho para o cubismo. De acordo com Freitas:

No início da arte moderna, a espiritualização foi acompanhada de uma espécie de regressão, de uma busca pela barbárie como um tipo de crítica perante o próprio espírito. Isso pode ser visto de uma maneira literal no movimento da pintura denominado fauvismo, em que as cores foram usadas de uma maneira tão crua e imediata que os críticos disseram que aqueles quadros eram feitos por bestas selvagens (fauve, em francês), e também no cubismo de Picasso, que demonstra uma afinidade com máscaras e artefatos produzidos pelas civilizações indígenas africanas. (FREITAS, Adorno e a arte contemporânea [2003], p. 51)

Para o nascente cubismo, não importava mais nem a verossimilhança, nem a “impressão” causada pela imprecisão do traço, mas sim reduzir a paisagem a figuras geométricas simples, mostrando o objeto não só do ponto de vista do observador, mas dos mais variados pontos de vista possíveis, inclusive os considerados contraditórios dentro da construção pictórica tradicional. É esse o espírito do chamado cubismo analítico, no qual se encontram os experimentos de Picasso e Braque.

Esta nova linguagem proporciona à pintura uma liberdade inédita. Já não está ligada à imagem ótica mais ou menos “realista” que tão só admite um único ponto de vista diante do objeto. Com o intento de efetuar uma representação profunda das qualidades “primárias” do objeto, é capaz de mostrá-lo sobre o plano como um desenho estereométrico, ou, mediante várias representações do mesmo, incluir sua descrição analítica, que só será reconduzida novamente ao objeto na consciência de quem contempla o quadro. A representação tampouco necessita ser a mesma do desenho estereométrico, sempre fechada, mas algumas superfícies coloridas podem compor o esquema formal graças à sua orientação, situação relativa, etc., sem necessidade de agruparem-se em corpos fechados – e esse foi um grande passo dado em Cadaqués68. No lugar de uma

descrição analítica, o pintor também pode, se preferir, criar dessa maneira uma síntese do objeto, quer dizer, segundo Kant, “mesclar entre suas distintas imagens e compreender sua diversidade em uma única cognição.” 67 KANT, Crítica do Juízo, § 48.

(KAHNWEILER, O caminho em direção ao cubismo [1920], p. 61-2, tradução

nossa69)

Figura 10. Picasso, Retrato de Daniel-Henry Kahnweiler, 191070

Fonte: disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/File:Picasso_Portrait_of_Daniel- Henry_Kahnweiler_1910.jpg> Acesso em 13 dez. 2019

Algum tempo depois, os cubistas foram além em sua revolução. Em vez de somente representar os objetos na superfície plana, os próprios objetos, até então heterogêneos à arte, foram tornados constitutivos das obras. Instituiu-se a colagem como método. Em vez de tinta a óleo sobre a tela, os novos materiais eram recortes de jornal, pedaços de vidro, serragem de madeira, restos de tecidos, etc. Não mais simplesmente representar, mas fazer 69 “Este nuevo lenguaje proporciona a la pintura una libertad inaudita. Ya no está ligada a la imagen óptica

más o menos «realista» que tan sólo admite un único punto de vista ante un objeto. Con tal de efectuar una representación profunda de las cualidades «primarias del objeto», es capaz de mostrarlo sobre el plano como un dibujo estereométrico, o, mediante varias representaciones del mismo, dar incluso su descripción analítica, que sólo será refundida de nuevo en objeto en la conciencia de quien contempla el cuadro. La representación tampoco necesita ya ser la propia del dibujo estereométrico, siempre cerrada, sino que - y éste fue el gran paso dado en Cadaqués - unas superficies coloreadas pueden componer el esquema formal gracias a su orientación, situación relativa, etc., sin nece sidad de ensamblarse en cuerpos cerrados. En lugar de una descripción analítica, el pintor también puede, si lo prefiere, crear de esta manera una síntesis del objeto, es decir, según Kant, «mezclar entre sí sus distintas imágenes y comprender su diversidad em una única cognición».” KAHNWEILER, El camino hacia el cubismo, p. 61-2.

70 Pablo Picasso, Retrato de Daniel-Henry Kahnweiler, 1910, óleo sobre tela, 100,4 x 73,4 cm. Art Institute of Chicago.

o objeto mesmo saltar na explosão de sua aparência. Não mais simplesmente representar, mas reordenar a matéria bruta. Nunca a arte havia sido tão concreta como no cubismo sintético.

Figura 11. Gris, Café da manhã71, 1914

Fonte: disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e0/1914_Gris_Le_Petit_D %C3%A9jeuner.jpg > Acesso em 13 dez. 2019. © 2019 Artists Rights Society (ARS), New York / ADAGP, Paris

A montagem apareceu como antítese de toda a arte carregada de atmosfera e, em primeiro lugar, como antítese do impressionismo. Este decompunha os objectos em elementos mais pequenos que, depois, ressintetizava, elementos predominantemente tirados do âmbito da civilização técnica ou da sua amálgama com a natureza para as atribuir, sem rotura, ao contínuo dinâmico. Ele queria salvar esteticamente o elemento alienado, heterogêneo, na reprodução. Esta concepção revelou-se tanto menos sólida quanto mais aumentava a preponderância do elemento prosaico coisal sobre o sujeito vivo: a subjectivização da objectividade regrediu em romantismo, tal como foi sentida flagrantemente não só no Jugendstil, mas também nos produtos tardios do autêntico impressionismo. Contra tal subjectivização protesta a montagem, descoberta na colagem dos cortes de jornais e coisas semelhantes, nos anos heróicos do cubismo. A aparência da arte, mesmo se esta mediante a configuração da empiria heterogênea com ela está reconciliada, deve romper- se, enquanto a obra introduz em si as ruínas literais e não fictícias da empiria, reconhece a rotura e a transforma em efeito estético. (ADORNO, Teoria Estética, p. 177)

71 Juan Gris, Le Petit déjeuner, 1914, guache, óleo e giz de cera sobre papel impresso e colado sobre tela com óleo e giz de cera. MoMA, Nova Iorque.

O advento do cubismo é mais um passo em direção ao ideal de autonomia da arte. Uma arte sem autonomia, que prima somente pela comunicabilidade, rende-se sem luta aos imperativos do sistema; uma arte completamente autônoma em seu idioma subjetivo deixa de refletir os universais compartilhados, e por isso é tão ingênua quanto as artes “comunicáveis”. Em Guernica72 ´[1937], um dos poucos quadros citados nominalmente por

Adorno em todo o curso da Teoria Estética, encontramos a recusa da comunicabilidade imediata – formalmente assinalada pela negação do realismo – e a recusa da arte pela arte, já que as figuras, ainda que irreais, emergem do real num contexto de violência e destruição. Num registro de figuração não-realista, emerge a dor social expressada num amontoado de fragmentos – pedaços – de figuras laceradas pela guerra civil. A Guernica real, no território basco, foi bombardeada por caças alemães a favor do ditador Franco, e centenas foram os mortos. A Guernica de Picasso, separada, dá forma - ou melhor, deforma a catástrofe; a forma da expressão da barbárie consumada não poderia de modo algum ser positiva. E assim, irreal - e por isso potente, Guernica aparece como representação paradigmática da dialética entre construção e expressão.

Figura 12. Picasso, Guernica, 1937

Fonte: disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:GUERNICA.jpg> Acesso em 13 dez. 2019. Crédito: Laura Estefania Lopez

Eis porque, também no plano social, a situação da arte é hoje aporética. Se diminui a sua autonomia, entrega-se ao mecanismo da sociedade existente; se permanece estritamente para si, nem por isso deixa de se integrar como campo inocente entre outros. Na aporia aparece a totalidade da sociedade que absorve tudo o que acontece. Que as obras recusem a comunicação é uma condição necessária, mas de modo algum a condição necessária da sua essência anideológica. O critério central é a força da expressão, mediante cuja tensão as obras falam com um gesto sem palavras. Desvelam-se na expressão como estigma social; a expressão é o fermento social da sua forma autônoma. A principal testemunha a este propósito seria o quadro de Picasso Guernica que, por uma rigorosa incompatibilidade com o realismo prescrito, adquire justamente, graças a uma construção inumana, aquela expressão que acusa o seu carácter de protesto, para lá de todo o mal-entendido contemplativo. (ADORNO, Teoria Estética, p. 266)

Em seu texto Engagement [1962], que trata principalmente das peças de Sartre e Brecht, Adorno conta uma exemplar anedota sobre Picaso e o Guernica durante a ocupação nazista de Paris:

Quando um oficial alemão da ocupação visitou-o [a Picasso] em seu atelier e lhe perguntou em frente ao quadro Guernica “o senhor fez isso?”, ele terá respondido: “não, o senhor”. Também obras de arte autônomas, como esse quadro, negam com certeza a realidade empírica, destroem a destruidora, aquilo que aí está simplesmente e como mero existente repete infinitamente a culpa. (ADORNO, Engagement, p. 65-6)

Ao levar o ideal de deformação a sério, Picasso diz muito mais sobre a realidade cindida do que o realismo poderia fazer. A expressão fiel da crueldade é a única que dá conta do sofrimento socialmente compartilhado; afinal, a reconciliação formal depõe contra a verdade social, enquanto o caráter negativo de expressão da dor, esse sim, carrega consigo a função de denunciante incessante da barbárie.

Se, nas novas obras de arte, a crueldade levanta sem fingimento a sua cabeça, ela reconhece assim a verdade segundo a qual, perante a superioridade da realidade, a arte não mais pode a priori sentir-se capaz da transformação do terrível na forma. O cruel é um elemento da sua auto-reflexão crítica; duvida da pretensão ao poder, que ela realiza como reconciliado. O cruel emerge, na sua nudez, das obras de arte, logo que o seu próprio fascínio é abalado. (ADORNO, Teoria Estética, p. 65)

A construção adequada é aquela que dá vazão às potencialidades da expressão, sem subjugá-la a modelos determinados de antemão. Essa fidelidade à mímese, sem

concessões, é que traz à tona o momento de verdade da obra. O imperativo mercantil abdica da maioria das modalidades de prazer sensível, advogando apenas por algumas delas, as mais facilmente manipuláveis pela indústria, como a predileção pelo harmônico e pelo positivo. O ascetismo da obra de Picasso73 torna-se então um elemento de resistência

à ideologia.

Figura 13. Picasso, Massacre na Coréia74, 1951

Fonte: disponível em:

<https://en.wikipedia.org/wiki/Massacre_in_Korea#/media/File:Picasso_Massacre_in_Korea.jpg> Acesso em 13 dez. 2019

A construção não é correcção ou certeza objectivante da expressão, mas deve, por assim dizer, acomodar-se sem planificação aos impulsos miméticos; aí reside a superioridade da Erwartung75 de Schönberg sobre muito do que dela

fez um princípio, que, por sua vez, era um princípio de construção. No expressionismo sobrevivem, como algo de objectivo, os fragmentos que dispensam o arranjo construtivo. A isso corresponde o facto de que nenhuma construção, enquanto forma vazia de conteúdo humano, se deve cumular de expressão. As obras adquirem esta expressão pela frieza. As obras cubistas de Picasso, e aquilo porque ele mais tarde as remodelou, são muito mais expressivas pelo ascetismo da expressão do que os produtos estimulados pelo Cubismo, mas que mendigavam a expressão e se tornaram implorantes. (ADORNO, Teoria Estética, p. 58)

73 Talvez por uma sensação de dever histórico, Adorno e Horkheimer evocam o grande pintor de sua época já em sua primeira obra de destaque, a Dialética do Esclarecimento. “Até Schönberg e Picasso, os grandes artistas conservaram a desconfiança contra o estilo e, nas questões decisivas, se ativeram menos a esse do que à lógica do tema.” ADORNO & HORKHEIMER, Dialética do Esclarecimento, p. 107.

74 Pablo Picasso, Massacre en Corée, 1951, óleo sobre tela, 110 x 210 cm. Museu Picasso, Paris. 75 Monodrama composto por Schönberg em 1909.

No documento Adorno e a pintura : mapeamento crítico (páginas 48-58)