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2.1 QUEM TEM UM SONHO NÃO DANÇA

2.1.2 Sucesso e carreira solo

palco com Blitz, Nina Hagen, Yes, Gilberto Gil e B‟52. Já na segunda noite de apresentação, no dia 20 de janeiro, estiveram ao lado de Scorpius, AC/DC, Kid Abelha e Eduardo Dusek. Estas duas apresentações no festival serviram para a gravação do primeiro disco ao vivo da banda. Outro fato que marcou a presença do Barão Vermelho no Rock in Rio foi o momento em que Cazuza anunciou ao público a eleição do novo presidente do Brasil, Tancredo Neves, cantando a música Pro dia nascer feliz e alternando os seus versos por Pro Brasil nascer feliz101, se despedindo desta forma de uma plateia em êxtase com o novo momento político do país e com o som da banda.

2.1.2 Sucesso e carreira solo

A consagração do Barão Vermelho no Rock in Rio, e para nós particularmente a de Cazuza, registra também uma de suas últimas apresentações como integrante da banda. As muitas discussões tornaram a sua permanência difícil. Não somente para ele. Inquieto, Cazuza também argumentava que queria fazer coisas diferentes, que não se limitassem ao som que produziam. Coisas de natureza mais intimista que comumente um grupo de rock não faz. “Do seu ponto de vista, ele dizia se sentir cansado de seguir as regras da banda, de limitar seu trabalho de composição ao estilo do grupo e, mais ainda, de suportar dividir. Acostumado, desde que nasceu, a ser o único dono de seu território, Cazuza tinha uma enorme dificuldade em compartilhar.”102

Ao deixar o Barão Vermelho, começaria uma nova fase criativa que o consolidaria como um letrista/poeta em sintonia com os anseios de seu tempo. A partir de então Cazuza entra em um intenso momento de criação, sob um ritmo de trabalho que o consagra pela liberdade e ousadia. Até falecer em 7 de julho de 1990 seriam ainda lançados mais

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Ibid., p. 262: “O Barão Vermelho, após entrar levando apenas quatro caixas de som e

ameaçando colocar a guitarra no volume máximo e queimar tudo, empolgou o público com seus sucessos. Afiado por estar em turnê e ser considerado o grupo mais popular do país, ele encerrou sua apresentação sob aplausos com o vocalista Cazuza alterando „Pro dia nascer feliz‟ por „Pro Brasil nascer feliz‟. Era a confirmação tão esperada do nascimento da Nova República.”

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ARAÚJO, Lucinha. Cazuza: só as mães são felizes. Lucinha Araújo em depoimento a Regina Echeverria. 9. ed. São Paulo: Globo, 2004, p. 184.

cinco álbuns. Exagerado, em 1985, Só Se For A Dois, em 1987, Ideologia e O Tempo Não Para, em 1988103 e Burguesia, de 1989.

De modo particular, os anos de 1988 e 1989, quando já estava doente, foram imprescindíveis. As letras de Ideologia, Brasil, Burguesia, Blues da Piedade e O Tempo Não Para são todas desse momento em que ele usou toda a energia que ainda possuía para deixar o seu legado artístico, revelando o esforço que fazia para descrever o modo como a sua geração sentia aquilo que acontecia a sua volta, por vezes sob uma aflição implacável.

O ápice dessa fase foi o álbum Ideologia, gravado no início de 1988, no qual Cazuza foi definitivamente reconhecido como um legítimo poeta de seu tempo. Com 500 mil cópias vendidas e um show de sucesso, “a crítica o consagrou como seu melhor trabalho, louvando com cada vez mais ênfase o poeta antenado que ele se revelava. Brasil, uma das canções do CD, serviu de abertura para a novela das oito da Globo, Vale Tudo, de Gilberto Braga, na voz de Gal Costa. Na mesma novela, a música Faz parte do meu show, interpretada por ele também, foi escolhida como tema da personagem vivida por Lídia Brondi.”104 Sua pressa em produzir tornara-se intensa.

O próximo trabalho, O Tempo Não Para, foi gravado ao vivo e seguido pelo disco duplo Burguesia, gravado no início de 1989, sob uma precária condição de saúde física que o sujeitava a ir ao estúdio em cadeira de rodas e até mesmo a gravar deitado sobre um sofá, e com febre de 39 graus. Cazuza tinha muita urgência. Apesar de não obter a mesma unanimidade dos discos anteriores, Burguesia é o registro definitivo da importância que a música tinha em sua vida, não poupando esforços para trabalhar o quanto pudesse enquanto ainda lhe fosse possível.

Hoje, à semelhança de Renato Russo e Humberto Gessinger, é a intenção de nossa pesquisa mostrar que a obra de Cazuza pode ser lida como uma tentativa de retratar o Brasil dos anos oitenta, sendo que algumas de suas letras expressam de forma mais singular a decepção e o vazio ideológico que os agenciavam, dialogando a partir daí com o conceito de vontade à maneira como Schopenhauer o concebeu. Nessa

103 O ano de 1988 foi chamado de “o ano luz” de Cazuza. São deste ano os seus dois álbuns de maior sucesso, Ideologia e O Tempo Não Para. O show no Canecão, no Rio de Janeiro, foi o auge de uma carreira em ascensão, com o público cantando em coro as suas músicas, tal como podemos ver com “Exagerado”. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ly3yIP0x8nA>. Acesso em: jul. 2011.

104 ARAÚJO, Lucinha. Cazuza: só as mães são felizes. Lucinha Araújo em depoimento a Regina Echeverria. 9. ed. São Paulo: Globo, 2004, p. 236.

linha, Brasil e Ideologia têm um acento particular pela profundidade e ao mesmo tempo ironia que seus versos expressam, tornando-se difícil não contextualizá-las com o caos social e o descrédito nas ideologias que outrora norteavam as gerações anteriores às da década de oitenta. Na falta de verdades seguras, Cazuza edifica a sua obra com um pessimismo que por vezes ganha contornos dramáticos, tal como nos versos abaixo, de Maldição105, uma letra de 1989:

Malditos os homens Maldita a tua cara Me olhando tão burra Uma maldição caiu sobre mim Ninguém entende o que eu falo Ninguém quer saber o que eu sinto Têm pena de mim, rezam missas Apelam pra religião

A minha vida é sagrada Pira de Cronos A sacanagem

Vão tomar vergonha na cara A minha vida é a viagem