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2. O SUICÍDIO: UM OLHAR PSICANALÍTICO

2.3 O SUICÍDIO NA DEPRESSÃO E NA MELANCOLIA

Pensar a respeito da depressão e da melancolia em relação ao suicídio é fundamental, tendo em vista que frequentemente atos suicidas são associados a essas psicopatologias. É importante deixar claro que melancolia e depressão são conceitos diferentes, pois é frequente no senso comum a compreensão de que a melancolia seja uma depressão mais severa. Porém, isto não é verdade, porque o que as diferencia tem haver com a estruturação do sujeito e de como ele se coloca diante do seu desejo e do desejo do Outro. Portanto, o que leva os sujeitos nessas condições clínicas a praticarem o suicídio tem explicações distintas.

A desesperança do melancólico, por exemplo, tem a ver com o fato de o Outro, em sua primeira versão imaginária (materna), não ter conferido ao recém-nascido um lugar em seu desejo. O melancólico ficou preso em um tempo morto em que o Outro deveria ter comparecido, mas não compareceu. Já que o tempo morto do depressivo funciona como refúgio contra a urgência das demandas de gozo do Outro. Em seu refúgio, o depressivo tenta se poupar do imperativo de satisfazer o Outro; no entanto, quanto mais ele se esconde, mais fica à mercê Dele. (KEHL, 2009, p.21)

Em relação à depressão pode-se afirmar que ela é uma psicopatologia muito comum na atualidade; segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) atinge cerca de 100 milhões de pessoas em todo o mundo. Deste modo, assim como a histeria estava em pauta na época de Freud, na contemporaneidade a

depressão está cada vez mais presente nas discussões. Segundo Cordás (2002 apud CARVALHO, 2014) a depressão não é uma doença que surgiu na contemporaneidade, na verdade ela sempre existiu, consistindo em uma das doenças mentais mais familiares ao humano. Porém, na atualidade devido à imposição do discurso capitalista que “[...] não promove o laço social entre seres humanos: ele propõe ao sujeito a relação com um gadget, um objeto de consumo curto e rápido.” (QUINET, 2012, p.57.). O valor do sujeito passa a estar no ter, e para tanto os indivíduos que sofrem a exclusão são aqueles que na maioria estão fora do processo de produtividade, como os deprimidos. Assim, nessa sociedade que visa o consumo rápido, onde o gozo é imperativo não há tempo para dor ou a tristeza, tornando a depressão um signo do fracasso.

Segundo Berlink e Fédida (2000), a depressão não pode ser considerada como uma estrutura clínica, entretanto pode ser tomada como estados presentes em qualquer estrutura (neurose, psicose, perversão). É importante ressaltar que a depressão é uma só, isto é, ela ocorre do mesmo modo independente de qual for à estrutura do sujeito. Desse modo, se caracteriza por: uma apatia, tristeza e sensações de impotência e desesperança pelo sujeito; onde o corpo fica num estado de insensibilização da sensorialidade; como se a comida perdesse o gosto e a vida a cor. Os autores comparam esse estado de letargia decorrente da depressão à hibernação do animal, onde ele necessita desse tempo pra se recompor novamente. Trata-se então, de uma espécie de proteção, onde o aparelho psíquico para se defender da angústia e da dor opta por uma hibernação, isto é, um adormecimento até que o sujeito possa restaurar o narcisismo, consistindo em um recurso frente ao real.

A depressão é o estado que afasta o humano da sua relação com a realidade e, ao mesmo tempo, fornece condições para que este mesmo humano possa suportar a relação com a realidade, pois esta é responsável pela dor, pela perda de objetos, levando à depressão e à angústia. (BERLINK; FÉDIDA, 2000, p. 18)

Dessa maneira, conforme Carvalho (2014) a depressão se refere a uma inibição, que é um mecanismo de defesa do ego, onde por meio de restrições das funções do eu, possibilita que o sujeito drible a castração. Levando em conta que toda angústia é uma angústia de castração, a inibição aparece como uma defesa que permite o sujeito evitar o confronto com a dimensão da falta; se fazendo assim diferente do sintoma onde o sujeito se depara com a castração e tem que dar conta

dela. Tanto o sintoma quanto a depressão são modos de obtenção de gozo, no sintoma o sujeito sustenta o seu desejo, contudo na depressão ele cede do seu desejo, ficando numa posição de gozo relativo à pulsão de morte. A depressão, portanto, é um afeto que acaba por paralisar o sujeito, numa inércia em um gozo mortífero, que devido à inibição faz com que haja uma total ausência do desejo.

O suicídio pode aparecer na depressão como uma alternativa para dar conta da angústia, porque em algum momento a inibição pode não ser suficiente para defender o sujeito, deste modo ele pode vir a se precipitar num ato a fim de livra-se dessa angústia. O que ocorre também na clínica são casos em que pacientes com um quadro depressivo quando aparentemente tem uma leve melhora, se apresentando menos apáticos ou tristes, acabam em seguida por passar ao ato, deixando muitas interrogações. Uma hipótese é que devido essa “melhora” no quadro depressivo e para tanto um afrouxamento da inibição, o sujeito pode, por não suportar a sua angústia ou não ver mais possibilidade na vida, opte pela morte, cedendo literalmente à pulsão de morte.

A fim de entender a melancolia, é importante retomar Freud no seu artigo “Luto e Melancolia” (1915/1996) que trabalha as reações diante da perda do objeto que seriam o luto e a melancolia. O luto pode ser considerado uma reação diante da perda de um ente querido ao sujeito, implicando a necessidade de retirar a libido investida nesse objeto amado. Assim, é vivenciada como morte de uma parte do

próprio sujeito, a parte que ele investiu, e que através do “trabalho do luto” precisa

retomá-la, a fim de que possa investir novamente em outro objeto. Já a melancolia se refere ao luto patológico e não necessariamente significa a morte, entretanto pode também representar a perda do objeto numa condição amorosa. Como alerta Freud na melancolia se sabe quem perdeu, porém não o que se perdeu nesse alguém.

O melancólico na verdade perde a si mesmo, ocorre um empobrecimento do eu e uma diminuição da autoestima; ele se sente responsável pela perda do objeto, tendo assim a culpa como central. Ocorre um retorno da libido para o próprio eu, e com isso uma identificação ao objeto perdido. Isto fica visível diante das às autorrecriminações e a agressividade, que na verdade era destinado ao objeto e por conta da melancolia, acabam retornando ao próprio eu. Assim, junto à perda do objeto na melancolia vem um luto com sentimento de culpa diferente da depressão, onde a culpa não se faz presente.

Semelhante ao processo de constituição do eu, nas relações que o melancólico estabelece com o objeto amado, percebe-se uma reedição do antigo modelo utilizado nas fazes primitivas da constituição do eu, em que uma perda objetal é deslocada para o eu e a catexia do objeto transformada em identificação. De maneira similar, verifica-se que, na melancolia, uma perda objetal se transformou numa perda do eu e o conflito, que antes era entre o eu e a pessoa amada, se deslocou para o eu (alterado pela identificação) e o supereu. (CARVALHO, 2014, p. 92)

Assim, na melancolia o supereu aparece um tanto quanto ameaçador ao sujeito; uma vez que caem as idealizações frente ao objeto, diante da sua perda. O sujeito acaba introjetando o sentimento de ódio que eram direcionados ao objeto, pois está identificado a ele, fazendo com que surjam as autorrecriminações e autoacusações. Seu superego não poupa esforços para castigá-lo, fazendo emergir um maçante sentimento de culpa e de autopunição, visto que quando o melancólico perde o objeto ele se sente responsável por isso, acreditando que ele foi indigno do amor e para tanto não correspondeu a um ideal. Nesse conflito entre o eu e o eu ideal, o sujeito melancólico acata ao supereu que o condena e o pune. O suicídio pode aparecer como uma punição do superego, que o eu acata por não mais suportar o sentimento de culpa, porém isso só acontece quando há uma identificação do sujeito com o objeto. Na verdade o sujeito não quer matar a si próprio, entretanto a esse outro da identificação como forma de punição, podendo assim ser pensado como um homicídio porque na verdade o sujeito deseja matar o outro.

A melancolia a partir de Lacan pode ser pensada como dor de existir, segundo Carvalho (2014) ao nascer o infans se encontra desamparado frente à linguagem, precisa de um Outro que por meio de seu desejo e significantes possa se identificar para construir sua própria subjetividade. Ao colocar seu desejo esse Outro mostra sua falta, permitindo a partir disso que a criança acredite ser o objeto que irá preenchê-la, e desse modo possa assumir um lugar no desejo do Outro, estabelecendo relação fálica. Esse desejo que vem do Outro é um enigma, no qual o sujeito busca responder com a fantasia “afinal, o que o outro quer de mim?”. Porém, algumas vezes esse Outro não comparece ou não mostra a sua falta, acabando por não cumprir sua função. O que resta ao sujeito? A resposta se resume a dor de existir, a um não lugar, um desamparo total frente à linguagem; resta ao falasser o vazio, uma identificação com o nada o com lugar de dejeto. E toda vez que se

coloca uma situação de desamparo, o sujeito revive a dor de existir e assim por vezes acaba buscando uma saída no suicídio.

[...] Lacan identificou a presença da ‘dor de existir em estado puro’ nos melancólicos [...]. Na melancolia, a dor de existir se transforma em uma existência em dor, alimentada por um culto à pulsão de morte e manifestada por um gozo que muito frequentemente precipita o melancólico num ato suicida. (CARVALHO, 2014, p, 29)

A partir da teoria de Lambotte (1997 apud CARVALHO, 2014) a melancolia tem sua origem num abandono do Outro em um momento fundamental na estruturação do sujeito. O Outro o deserta antes que se possa falar de objeto, fazendo com que haja uma ruptura na constituição do desejo. Esse Outro se apresenta como todo potente, não colocando sua falta para o sujeito e assim não oferece um lugar no desejo para ele. Isso acaba por impossibilitar uma identificação narcísica, acarretando em um buraco no eu, uma ferida narcísica, pois não basta que o Outro seja faltante, ele precisa colocar essa falta para o sujeito. Diante do espelho, que é o olhar do Outro, o melancólico vê um ideal do eu extremamente rígido e que por não conseguir corresponder, vai procurar encontrar em objetos um ideal encarnado. Desse modo, sempre que o melancólico elege um objeto como amoroso é numa condição de ideal do eu, e para tanto impossível de ser atendida. Diante da perda do objeto de amor, depara-se com um buraco no seu eu, reeditando a deserção. O melancólico acaba por se dar conta que não tem como preencher a falta do Outro, pois não há nada que possa oferecer. Por isso, acaba por se colocar como objeto de gozo, um gozo de morte e dessa posição pode vir a precipitar-se num ato suicida.

A impossibilidade de o sujeito se imaginarizar como objeto do amor do Outro torna a identificação ao nada a base de seu fantasma, tornando o suicídio quase como uma consequência lógica. Assim, o “fazer-se nada”, através do suicídio, vem a ser a concretização de seu destino fantasmático. A identificação ao nada se materializa, então, no ato suicida. (RAMALHO, 2001, p.25)

O que caracteriza o suicídio na melancolia é o fato de geralmente ele ocorrer por passagens ao ato, isto é, da forma mais radical e irreversível. Isso pode ser relacionado à deserção do Outro do melancólico que não colocando a sua falta, compromete a constituição do fantasma pelo sujeito que é uma das maneiras de dar conta do real. Assim, na melancolia a passagem ao ato se realiza a partir do

encontro com o real, que por faltar o recurso da fantasia pode-se tornar insuportável para o sujeito, lhe restando como último recurso o suicídio.

3. A CLINÍCA FRENTE AO SUICÍDIO: A POSIÇÃO ÉTICA DO

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