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2. O SUICÍDIO: UM OLHAR PSICANALÍTICO

2.2 O SUICÍDIO NAS ESTRUTURAS CLÍNICAS

O suicídio pode também ser pensado a partir das estruturas clínicas, que são estruturas de linguagem. Em psicanálise o diagnóstico clínico só é possível a partir

do estabelecimento da transferência, isto é, somente a partir do lugar que o analisando coloca o analista que se faz possível pensar em qual estrutura ele se encaixa, sendo elas: a neurose, a psicose e a perversão. Cada uma terá um mecanismo de defesa em relação à falta (recalque, forclusão ou o desmentido) e também uma especificidade no campo do suicídio.

Na neurose a maioria dos suicídios acontece por acting out, cujo objetivo é uma mostração ao Outro, o ato assim vem no lugar de um dizer que na falha do simbólico leva o sujeito a se precipitar no ato. Como já exposto, o sujeito na verdade não quer a morte, porém por meio dessa tentativa, que por vezes pode ser fatal (senão impedida a tempo), busca se inscrever no campo do Outro. Também nessa estrutura pode acontecer passagem ao ato suicida. O suicídio na neurose pode ser interpretado pelo viés amoroso, não significando que ele se articule somente a essa causalidade.

É importante para fins de entendimento diferenciar a posição feminina da masculina, lembrando que a posição não tem haver com questões anatômicas referentes ao sexo e nem mesmo da opção sexual, porém o que interessa e caracteriza o sujeito em uma ou outra posição é o modo de gozo em que ele esta inscrito. A posição masculina corresponde ao gozo fálico e a feminina ao gozo Outro.

Da posição dita masculina o ser falante goza do corpo da mulher, através da fantasia, de maneira que, quando o homem aborda a mulher em última instância, ele está abordando o objeto a, ou seja, a causa de desejo. Da posição dita feminina, no que se refere às modalidades de gozo, ela pode gozar pela via fálica (φ), ou no lugar de objeto na fantasia de um homem (a) ou no que falta no Outro S (A), quer dizer, no Outro gozo, um gozo a mais, no corpo e fora do significante. (CARVALHO, 2014, p. 159)

O sujeito na posição masculina goza do objeto, já na posição feminina o sujeito goza enquanto ele sendo tomado como um objeto. Assim, o gozo da mulher é construído por meio de um discurso amoroso, ela precisa de palavras e gestos que demostrem o amor, já o gozo do homem implica em tomar a mulher como objeto de sua fantasia. É por meio do amor que a mulher consegue se sustentar na fantasia do homem enquanto objeto. Segundo Carvalho (2014) o suicídio na neurose pode ser abordado a partir do significante da falta no Outro e também como objeto a (causa de desejo e gozo). A fantasia surge como uma possibilidade de cobrir essa falta do Outro, servindo como um suporte para o desejo. As relações do sujeito na neurose têm como mediador a fantasia, logo a perda do objeto pode precipitar no sujeito um

ato suicida, visto que ocorre um abalo na estrutura fantasmática e o sujeito se vê desamparado frente ao real.

Dentro da estrutura neurótica existem dois tipos: neurose obsessiva e a histeria. Na neurose obsessiva, a maioria dos sujeitos se encontra na posição masculina. A maneira de ele vislumbrar o seu desejo se faz por meio da fantasia, isto é, goza do outro o colocando na posição de objeto, o que o permite sustentar seu desejo. Assim, mediante a perda do objeto pode precipitar um abalo na fantasia, que faz com que o obsessivo se depare com sua falta e com a falta no Outro, fazendo com que ele próprio se reduza a um objeto, porém enquanto dejeto. Isso pode fazer emergir a angústia, e como saída ele pode acabar indo pela via da morte seja por meio de um acting out ou passagem ao ato. Na histeria o sujeito acaba se precipitando num ato suicida quando perde o amor e em consequência acaba por perder sua condição enquanto objeto causa de desejo, visto que nesse tipo de neurose predominam sujeitos na posição feminina. Desse modo, diante da perda do amor a mulher perde não somente a dimensão fálica, porém seu próprio eu, levando em conta que para o sujeito se sustentar numa posição feminina, de objeto do outro, o amor é necessário. Na maioria das vezes as tentativas de suicídio são por acting out, em que o sujeito por meio do ato busca que o Outro o reconheça e lhe restitua o amor. (CARVALHO, 2014)

Na psicose, existe uma alienação ao Outro, devido à forclusão do significante Nome-do-pai, que tem função de corte de interdição da relação fálica entre mãe e filho, e de possibilitar a saída da condição de alienação (enquanto um objeto do outro) para a de separação (onde o sujeito pode desejar por si mesmo). Assim, o sujeito fica preso à condição de objeto do Outro, como o significante paterno acaba por não se inscrever no simbólico ele retorna no real, sobre forma de alucinação, delírios e entre outros. Portanto, nessa estrutura clínica o suicídio ocorrerá por meio de uma passagem ao ato.

O sujeito psicótico passa ao ato suicida habitualmente em duas situações: quando submergido e submetido ao Outro, ele elege o suicídio como forma de pôr um fim, um limite ao gozo do Outro - Outro que lhe invade, seja lhe perseguindo seja lhe insultando; ou quando o psicótico, pelo mecanismo do automatismo mental, atende ao comando do Outro, através de uma voz que categoricamente lhe ordena que se mate. Na psicose, portanto, o suicídio tem função de livrá-lo do gozo imperioso e invasivo do Outro. (CARVALHO, 2014, p. 167)

Quanto à perversão é importante ressaltar que sujeitos com essa estrutura geralmente não procuram atendimento clínico e em relação ao suicídio também apresentam casos raros. A perversão é uma estrutura que funciona a partir do desmentido, o que de faz com que o perverso mesmo tendo passado pela castração, negue a lei. Assim, sua relação com a lei se faz de desafio e transgressão. Segundo Carvalho (2014) um perverso pode passar ao ato quando alguma coisa da realidade se interpõe ao seu gozo, fazendo com que lhe traga prejuízos para a sua imagem. Um exemplo pode ser um sujeito que gozava de uma boa posição social e financeira, que ao ser descoberto em um envolvimento com alguma fraude e sendo punido publicamente, acaba perdendo o seu lugar, isto pode levá-lo a uma passagem ao ato que está atrelado a uma perda de gozo.

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