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A morte anunciada: considerações sobre a ética da psicanálise no suicídio

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL

DHE - Departamento de Humanidades e Educação

Curso de Psicologia

MELISSA CAROLINE HERMANN DIAS

A MORTE ANUNCIADA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA DA

PSICANÁLISE NO SUICÍDIO

IJUÍ

2016

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MELISSA CAROLINE HERMANN DIAS

A MORTE ANUNCIADA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA DA

PSICANÁLISE NO SUICÍDIO

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul- UNIJUÍ, como requisito parcial para conclusão do

curso de Bacharel em Psicologia

.

Orientador: Dr. Gustavo Hector Brun

IJUÍ

2016

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Às pessoas que passaram em minha vida, deixando um pouco de si em mim.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, pelo apoio e incentivo em todos os momentos. Por terem me ensinado a nunca desistir e superar as dificuldades. Obrigada, pelo amor incondicional, por acreditarem em mim e fazerem todo o possível para me ajudar a realizar meus sonhos.

Ao meu namorado, pelo carinho e paciência no decorrer deste trabalho. Afinal, não é fácil abrir mão de momentos com as pessoas que amamos. Obrigada, pelas palavras de incentivo e gestos de amor.

Ao meu orientador, pela dedicação, pelos exemplos clínicos e discussões teóricas, que possibilitaram esse trabalho e enriqueceram minha formação.

Enfim, agradeço a todos (professores, colegas, instituições de estágio, entre outros) que contribuíram com a minha formação.

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“O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? (…) Dizem as escrituras sagradas: ‘Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer’. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A ‘reverência pela vida’ exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir.”.

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RESUMO

O presente trabalho visa refletir sobre o lugar e a posição ética do analista, diante do anúncio de suicídio de um analisando, a fim de discutir a respeito da clínica psicanalítica frente ao suicídio, pautada pela ética. A pesquisa foi realizada por meio de uma revisão bibliográfica, para dar conta da temática e dos conceitos nela envolvidos. Logo, o trabalho foi desenvolvido em três capítulos. O primeiro é referente à ética da psicanálise, para tanto suas especificidades, já que ela se constitui enquanto um campo próprio. O segundo aborda o suicídio, por meio do olhar da psicanálise, onde são consideradas diferentes interpretações, em relação ao que leva o sujeito a cometer o ato. Por fim, o terceiro capítulo diz respeito à clínica ante o suicídio e a posição ética do analista, discute acerca do lugar do psicanalista e as possibilidades de intervenção frente ao anúncio de suicídio por um analisando.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1. PSICANÁLISE: UMA ÉTICA DO DESEJO ... 9

2. O SUICÍDIO: UM OLHAR PSICANALÍTICO ... 25

2.1 SOBRE O SUICÍDIO ... 25

2.2 O SUICÍDIO NAS ESTRUTURAS CLÍNICAS ... 35

2.3 O SUICÍDIO NA DEPRESSÃO E NA MELANCOLIA ... 38

3. A CLINÍCA FRENTE AO SUICÍDIO: A POSIÇÃO ÉTICA DO ANALISTA ... 44

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 55

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abordar a ética da psicanálise em relação ao suicídio. Esta temática surge a partir de uma experiência clínica, onde na posição de terapeuta-estagiária com uma prática orientada e fundamentada na psicanálise, encontrei-me diante de um caso clínico no qual a morte era um significante principal, marcado no discurso e por vezes atuado. Assim, surgiram algumas interrogações referentes à clínica frente ao suicídio, sobre a questão da intervenção e a posição ética que deve ser adotada pelo psicanalista nesses casos.

A ética da psicanálise se constitui enquanto um campo próprio, pois ela sustenta o analista na sua prática, na medida em que sem a sua observação uma análise propriamente dita não ocorre. O suicídio é um tema contemporâneo, pois com o passar dos anos os índices do mesmo só tem aumentado, trazendo interesse e interrogações a respeito. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada quarenta segundos uma pessoa comete suicídio no mundo, sendo oitocentos mil em um ano.

Desse modo, mediante o exercício da prática clínica por vezes o analista poderá se defrontar com a questão da morte, por meio do anúncio de suicídio e para tanto a possibilidade de uma passagem ao ato pelo seu analisando. Assim, esse tema que é atual e divide opiniões de qual seria a intervenção adequada nesses casos. O tema se faz digno de ser analisado teoricamente e trazido para discussão visto que há possibilidade da ampliação do conhecimento sobre esse assunto pertinente a clínica. A pesquisa foi realizada por meio de uma revisão bibliográfica, utilizando-se de livros e artigos sobre o referente assunto. Os teóricos utilizados são autores da psicanálise sendo eles: Freud, Lacan, Maurano, Carvalho, Nasio, entre outros.

A pesquisa foi desenvolvida em três capítulos. O primeiro capítulo trata a respeito da ética da psicanálise; onde são abordados conceitos teóricos relativos ao campo da ética e da posição do analista pautado por ela. O segundo capítulo se refere ao suicídio, por meio de um prisma psicanalítico, isto é, como a psicanálise explica e pensa o suicídio. Deste modo, considerando a singularidade do sujeito, o

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suicídio é abordado por diferentes interpretações, sendo elas: decorrentes ao sofrimento (dinâmica prazer/desprazer); enquanto um ato (acting out e passagem ao ato); como uma escolha do sujeito; relacionado às estruturas clínicas e por fim articulado a melancolia e a depressão. O terceiro capítulo busca refletir a respeito da clínica frente ao suicídio, e para tanto questões relativas à intervenção e a posição ética do analista, diante do anúncio do suicídio por um analisando.

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1. PSICANÁLISE: UMA ÉTICA DO DESEJO

Trata-se da ética da psicanálise, que, como tal, concerne ao desejo dos seres falantes e ao real do gozo que o determina. Ética que responde à descoberta freudiana do inconsciente e do desejo indestrutível que exige

satisfação imperiosa.

- Antonio Quinet

A ética da psicanálise, não é a mesma da filosofia, não tem relação com preceitos morais e nem com a busca de um Bem; este só pode ser visto narcisicamente, à medida que para cada um haverá um significado a partir das

referências do próprio eu, pois ele é subjetivo. Difere das deontologias empregadas

por médicos; bombeiros; enfermeiros; dentre outros profissionais, que visam à proteção do indivíduo, ou seja, do corpo, onde o objetivo independente de tudo é a preservação da vida. Assim, se constitui enquanto um campo próprio, que concerne o desejo, e para tanto prioriza o sujeito.

[...] as éticas tradicionais se colocam como medidas terapêuticas para cicatrizar a ferida da falta, ao estilo da promessa ou da esperança da ação empreendida na direção correta conforme o que se tome por ideal ou por realidade, buscando neste ajuste a exoneração da falta, a ética da psicanálise deverá estar referenciada à radicalidade da falta. (MAURANO, 1995, p.116)

Desse modo, à psicanálise se opõem às éticas que visam um Bem e prometem a felicidade. Aqueles que a exercem não acreditam num Bem Supremo como Aristóteles, que propunha uma ética das virtudes que tem como finalidade a felicidade marcada pela completude e o bem comum, onde se faz impossível desejar. Ao priorizar o sujeito marcado pela falta-a-ser, possibilita-o advir em uma posição desejante, lembrando que o objeto que viria tamponar a falta é o objeto do incesto e para tanto interditado pela Lei simbólica. Por não ser uma ética do gozo, o analista não pode prometer a felicidade; seu compromisso ético é transformar a demanda de felicidade que lhe é endereçada em demanda de saber, sobre o desejo, para que assim possa se instaurar a transferência a fim de que uma análise se dê.

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A ética psicanalítica vem para validar o lugar de sujeito, sustentar o discurso do mesmo e suportar aquilo que o social denega. O sujeito que lhe compete é o do inconsciente, que compreende a dimensão desejo e gozo. Diferente da maioria dos profissionais o psicanalista é aquele que sustenta o discurso do paciente, sobre o que quer que seja; sem julgar. Assim, preconceitos, religiões, crenças, (se existirem) não acompanham setting analítico. É preciso estar aberto para escutar, e sustentar a angústia, do paciente, que compreende uma demanda de simbolização. Portanto, a ética da psicanálise distingue-se do campo da moral, pois conforme Lacan:

A experiência moral como tal, ou seja, a referência à sanção coloca o homem numa certa relação com sua própria ação que não é simplesmente a de uma lei articulada, mas sim de uma direção, de uma tendência e, em suma, de um bem que ele clama, engendrando um ideal da conduta. Tudo isso constitui, propriamente falando, a dimensão da ética e situa-se para além do mandamento, isto é, para além do que pode apresentar-se com um sentimento de obrigação. (1997, p. 11)

Assim, o campo da moral diz respeito à instância psíquica denominada por Freud de supereu, “[...] que inibe nossos atos ou que provoca remorsos, é a instância judiciária do nosso psiquismo. Portanto, está no centro da questão moral.” (CHEMAMA, 2010, P. 2010). É também a instância responsável pelo imperativo do gozo e conhecida como herdeiro do Complexo de Édipo, visto que ao seu final ocorre a simbolização da Lei. A moral vem na via de um dever a ser cumprido, pelo

prisma dos ditames da cultura indo “contra o prazer, na medida em que busca

apontar a direção da ação conforme o real” (MAURANO, 1995, p.118). O encontro com o objeto pode causar desprazer, pois o supereu, como instância da lei barra o sujeito, nisto se situa o peso do real, porque o objeto é submetido à lei. Uma alternativa vai em direção a uma determinação de um compromisso com a lei acima do desejo, neste o sujeito aliena-se, construindo um ideal de conduta que ele pode tentar corresponder.

O termo “ética” para a psicanálise se faz apropriado, visto que ele se refere diferente da moral à dimensão do desejo. Consiste em uma ética amoral, pois se apresenta contra o sentimento de obrigação, porém em direção ao sujeito do inconsciente movido por pulsões e desejos; por leis e princípios próprios. Logo, o analista não faz nenhum julgamento em relação ao seu analisando, cabe a ele apenas escutá-lo. Isto não significa que a ética da psicanálise é pautada pela permissibilidade, pois agir em conformidade com o desejo, não quer dizer não medir

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consequências. Antes de tudo, se faz necessário, que o sujeito reconheça o desejo que o habita, por meio do percurso em análise para que assim possa se responsabilizar por ele, levando em conta que “há ética onde há escolha” (SANTORO, 2006, p. 65), para tanto o analista não pode decidir pelo paciente entre o desejo e gozo.

Segundo Freud (1920/1996) há uma tendência no psiquismo que consiste em um esforço para reduzir, manter constante ou remover a tensão a fim de evitar o desprazer. Isto se refere ao o princípio do prazer, processo primário que ao buscar a descarga da excitação, não observa a realidade, guiado pela paixão visa à satisfação imediata sem considerar os efeitos decorrentes dessa operação. Desse modo, por vezes a satisfação da pulsão vem atrelada a um sentimento de culpa que acaba por causar desprazer. Em um contraponto, numa tentativa de estabelecer um equilíbrio (retificação) entre a antítese prazer/desprazer, aparece o princípio de realidade, processo secundário que vai em direção à satisfação da pulsão, entretanto por outra via, considerando a realidade, isto é, o mundo externo, e não cedendo ao imediatismo.

Portanto, o aparelho psíquico procura a inércia, a redução de excitação e para tanto a evitação do desprazer. Na busca pela satisfação têm-se a situação inaugural para Freud, na qual a posteriori subsidiará o campo do desejo. Ela consiste na cena onde o infans mediante ao desamparo da linguagem, não sabendo como lidar com o desprazer, precisa de um Outro que dê conta da sua necessidade. Um exemplo é a questão da fome, o bebê necessita do alimento para sobreviver, porém não sabe como pedi-lo, então é provável que chore indicando à função materna que há um mal-estar, que nem a própria criança sabe distinguir. Dessa maneira, a primeira experiência de satisfação, se dá no momento em que a função materna lhe oferece o seio, ela supre essa necessidade que é somente pulsional, ou seja, sem mediação psíquica.

Essa experiência primeira de satisfação deixa um traço mnésico ao nível do aparelho psíquico, na medida em que a satisfação, como tal irá encontra-se doravante diretamente ligada à imagem/percepção do objeto que proporcionou essa satisfação. É esse traço mnésico que constitui a representação do processo pulsional para a criança. (DOR, 1989, p. 140) A experiência de satisfação inaugural instaura uma marca de prazer na criança, que faz com que a pulsão não emerja mais somente na ordem da

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necessidade, ou seja, do orgânico. A partir desse traço mnésico que ela procura reinvestir, a criança cria uma representação e surge um desejo de reviver a primeira

experiência de satisfação, o encontro com a completude. Ela cria uma percepção,

uma memória que por vezes lhe permite alucinar a presença do objeto; um exemplo disso é quando a criança dormindo faz o movimento de sucção alucinando como se estivesse no seio materno. Segundo Nasio (1993), o que esta em jogo nessa situação não é da ordem da necessidade, isto é, da pura satisfação orgânica, porém do desejo, pois o seio materno se transforma em um seio psíquico, uma imagem com a qual a criança alucina, porque há uma insatisfação em relação à demanda.

“Assim, tal desejo se refere ao objeto mítico e que funda a dinâmica do psiquismo, é por natureza inapreensível e indestrutível, uma vez que tem a falta como motor” (MAURANO, 1995, p.22). Dessa forma, o desejo para Freud se constituí a partir dessa experiência de satisfação, que vai além da necessidade é um “a mais”, pois retomando o exemplo anterior a mãe não oferece apenas o seio, mas também um lugar no seu desejo uma demanda de amor. Esse, “a mais” move o sujeito desde a primeira experiência de satisfação, onde algo se inscreve e se perde, deixando uma falta fundante.

Esse algo que se perde nessa primeira experiência de satisfação, remete ao

que Freud nomeou de das Ding traduzido a Coisa, um objeto que proporcionava a completude e que na sua falta deixa um vazio. Conforme Lacan a Coisa é da ordem do irrepresentável, ou seja, do real, aquilo que é inominável e que padece de significantes, instaurando esse vazio, o qual o sujeito buscará preencher. Conforme Maurano (1995) consiste em um objeto inscrito como perdido desde sempre e para tanto impossível de ser reencontrado. Essa falta vai exigir do sujeito uma espécie de “organização psíquica”. Logo, a maneira como ele irá lidar com esse vazio deixado pelo objeto perdido e o princípio do prazer, é que vai definir sua tipologia de neurose. Como exemplo a diferença da Neurose Obsessiva e a Histeria, onde na primeira o sujeito lida com o objeto de desejo, isto é, aquilo que lhe falta, colocando-o na colocando-ordem dcolocando-o impcolocando-ossível; já na segunda colocando-o desejcolocando-o é tcolocando-omadcolocando-o enquantcolocando-o irrealizável.

É importante ressaltar segundo Jorge (2011) que das Ding não é o mesmo que o objeto materno, pois o primeiro se refere ao âmbito do impossível e o segundo ao do proibido. O objeto do incesto vai se referir à questão edípica, ao Outro primordial da criança ao qual ela vive uma relação de completude, onde a partir da entrada da função paterna há um interdito dessa relação. A simbolização da Lei

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castra, colocando uma falta, e possibilitando ao sujeito a saída de uma posição de gozo para de desejo. Portanto, o objeto do incesto também representa uma falta; contudo não a mesma falta que das Ding, pois se fossem equivalentes isso reduziria a Coisa a algo normativo, igual para todos os sujeitos e a solução, isto é, a via para uma apreensão do objeto estaria nessa relação originária entre a criança e a mãe. No entanto, é por outra leitura que deve se considerar a Coisa, sendo ela pela dimensão do real, aquilo que se procura sem ao menos saber o que é; o inominável que move o sujeito.

Para dar conta de satisfazer o aparelho psíquico na dinâmica do prazer/desprazer, por meio do princípio da realidade buscam-se objetos na dimensão da realidade. Porém, como já assinalado o acesso à Coisa se faz impossível, visto que ela é da ordem do irrepresentável, não podendo assim apreendê-la na sua totalidade. A fim de evitar o desprazer, encontra-se como alternativa os objetos parciais da pulsão, como exemplo: o seio, o olhar, as fezes e a voz, os primeiros objetos pulsionais que a criança entra em contato a partir do Outro. Entretanto, esses objetos não satisfazem a pulsão completamente, na medida em que:

O mundo freudiano, ou seja, o da nossa experiência comporta que é esse objeto, das Ding, enquanto Outro absoluto do sujeito que se trata de reencontrar. Reencontramo-lo no máximo como saudade. Não é ele que reencontramos, mas suas coordenadas de prazer, é nesse estado de ansiar por ele de espera-lo que será buscada, em nome do princípio do prazer, a tensão ótima abaixo da qual não há mais nem percepção nem esforço. (LACAN, 1997, p.69)

Portanto, os objetos encontrados são parciais, pois não satisfazem inteiramente a pulsão e são também metonímicos, porque representam apenas uma das facetas de das Ding. Essa busca pelo reencontro permite que o aparelho psíquico continue se movimentando acreditando na falácia do acesso à Coisa e numa busca incessante para tamponar esse vazio. Esse real acaba por se fazer decepcionante, tendo em vista que propicia o engodo de uma busca por um objeto impossível, que por não estar presente no simbólico se faz inapreensível.

A das Ding remete ao vazio que se faz diferente da falta. O vazio corresponde àquilo que estrutura ou contém algo, pois é a partir de seu entorno que alguma coisa irá se constituir. Para elucidar isso, pode-se tomar o exemplo dado por Lacan (apud MAURANO, 1995) baseado na metáfora de Heidegger, que traz o oleiro, o qual para

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construir o vaso ou objetos com o barro ele vai utilizar o vazio como ponto de partida. Porque, com o barro ele vai criar diferentes formas de contornar o vazio, dando origem a objetos distintos.

É este vazio central em torno do qual se edificam as paredes do vaso que dá ao mesmo uma função, em que o vazio é aquilo que contém. Dessa forma, é no vazio que se destaca o caráter de continente. E não o vazio que é propriamente fabricado. O oleiro é aquele que dá forma ao vazio, mas o vazio não é fabricado por ele. (MAURANO, 1995, p.127)

Desse modo, a das Ding seria como o vazio no qual ao seu entorno circulam

as representações; “[...] a organização do mundo no psiquismo, parte desse lugar

deixado vazio pelo objeto chamado perdido, marcando aí a orientação do sujeito em

direção ao objeto, nas vicissitudes da tendência a seu reencontro.” (MAURANO,

1995, p. 129). Portanto, a Coisa que é esse centro que mobiliza o sujeito, se faz da ordem do irrepresentável, traduzido como esse vazio. Assim, das Ding se diferencia da falta, porque no âmbito da falta há uma possibilidade de preenchimento nas dimensões do simbólico e do imaginário, por meio de objetos pulsionais. Já o campo do vazio é determinado pelo real, àquilo que se faz impossível, sendo assim não há como tamponar esse vazio deixado pela a Coisa.

É da dimensão da falta que Lacan irá teorizar sobre o desejo, partindo de Das Ding freudiana, nesse vazio deixado pela ausência do objeto como propulsor do desejo. Assim, por meio das construções teóricas lacanianas o sujeito advém a partir de uma estrutura colocada antes mesmo do seu nascimento que ele denomina como estrutura de linguagem. Essa estrutura constitui um berço simbólico para a criança, no qual são depositados significantes do Outro desse infans, para ele se identificar e se apropriar; com finalidade de que a partir deles ele possa constituir sua própria imagem. Porém, ao entrar no campo da linguagem algo do vivente (do real do corpo) se perde tendo como resultado um sujeito dividido, não-todo. Ao que se perde na entrada na linguagem, devido àquilo que se desprende do corpo nessa relação do sujeito com o Outro, e o que garante ao indivíduo o estatuto de sujeito, Lacan denominou de objeto a.

Lacan (2005) constrói esse conceito no “O seminário, livro 10: a angústia”, ele emprega o termo objeto fazendo uma associação com a relação sujeito-objeto. Já a letra a vem no sentido de uma tentativa de representar uma ausência, retrata algo da ordem do impossível de apreensão pelo simbólico, se trata do real, na medida em

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que este não está na linguagem. Lacan poderia ter optado por qualquer letra, porém escolheu o a que conforme Nasio (1993) em francês (o idioma de Lacan) o a representaria a inicial da palavra autre traduzida em português como outro. Esse outro aqui referido seria o pequeno outro, que se relaciona com o semelhante; àqueles que passam pela vida do sujeito, se constituindo enquanto objetos da ordem do amor e da perda.

O objeto a faz referência à falta, não sendo especular, nem apreensível na imagem. A falta, segundo Lacan, não existe no real e só seria apreensível através do simbólico. E é também através do simbólico e do imaginário que há a tentativa de preenchê-la. Lacan enfatiza, ainda, a irredutibilidade dessa falta que é radical na própria constituição do sujeito. É a partir desse posicionamento que o objeto a assume sua função de causa de desejo. (GUEDES, 2010, p. 166)

Assim, a relação do objeto a com a perda e para tanto com a falta, se faz fundamental para conceber o objeto a como causa de desejo, uma vez que só se deseja mediante a uma falta, é ela que movimenta o sujeito na direção ao desejo. O

objeto a pode aparecer por duas vias “[..] tanto causa de desejo quanto objeto

mais-de-gozar. Como causa de desejo corresponde ao objeto perdido, desde sempre, da plena satisfação; como mais-de-gozar, é o objeto da angústia e objeto alvo- efêmero- da satisfação pulsional.” (QUINET, 2012, p. 35). À medida que ele é sobra, Lacan (2005) o reconhece estruturalmente como objeto perdido. O objeto a é o que lidamos no desejo (enquanto causa de desejo) e por outro lado na angústia (no real). A partir da angústia é que se tem uma tradução do objeto a, pois é mediante a sua presença que ela surge, a partir do momento que o objeto a cai enquanto causa de desejo. Como consequência dessa queda do objeto, não há causa de desejo e não há falta, por isso que Lacan irá nos dizer que há falta da falta, o objeto a aparece nesse momento enquanto mais-de-gozar.

Cabe nesse ponto fazer uma distinção entre: o objeto a lacaniano e a das Ding freudiana. O primeiro comporta os três registros lacanianos (Real, Simbólico e Imaginário) é da ordem do singular, constituído a partir da história de cada sujeito. Já das Ding, corresponde à dimensão do real do objeto a, sendo assim ela está presente no objeto a. É por conta de das Ding que o acesso ao objeto a por completo se torna impossível; à medida que mesmo encontrando objetos a nas dimensões do simbólico e imaginário, o real de das Ding vai sempre permanecer inapreensível, constituindo-se como algo do humano, da espécie.

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Assim sendo, o objeto a é próprio de cada sujeito e corresponde a instância do inconsciente, levando em conta que segundo Lacan “[...] ali onde existe no discurso o que vocês articulam como sendo vocês, em suma, ali onde vocês dizem

Eu [je], é propriamente aí que, no nível do inconsciente, situa-se a”. (2005, p, 116).

O objeto a sendo um resto da operação de divisão na entrada na linguagem, ganha o status de objeto perdido que o sujeito desconhece, contudo procura reencontrar. Como o objeto a comporta uma dimensão do real (das Ding) não pode ser apreendido na sua totalidade, contudo guiado pelo princípio da realidade, na busca pela satisfação pode encontrar substitutos parciais para satisfazer a pulsão, tendo em vista que:

Esse excesso de gozo inominável e enigmático, chamado a, pode assumir todas as imagens corporais, visuais, auditivas, olfativas ou táteis que participam do encontro desejante [...]. O objeto a pode se dar a ser cheirado como determinado odor específico, na alucinação olfativa, ou como a suavidade do contato da pele, na alucinação tátil, ou ainda, dar-se a ouvir sob a forma do timbre inimitável da voz materna, numa alucinação auditiva. Certamente, todas essas formas combinam-se numa infinidade de variações todas sensoriais, de imagens alucinadas do desejo. (NASIO, 1993, P.117.)

Portanto, o objeto a corresponde ao motor do desejo enquanto causa; ao objeto perdido que o sujeito busca reencontrar. Ele pode o reencontrar em vários objetos que metonimicamente representam alguma das facetas do objeto a; são objetos parciais que não satisfazem a pulsão totalmente. Um exemplo é o amor, onde por vezes o sujeito acredita ter encontrado na figura do amado a completude. O que acontece é que o amado representa algo do objeto a, porém não a totalidade, o que acaba algumas vezes causando frustração; já que não há possibilidade de satisfação completa, na medida em que há algo do real de das Ding que torna a busca pelo objeto a uma utopia. Contudo, essa busca pelo reencontro se faz imprescindível para o sujeito, porque é o que movimenta o aparelho psíquico na via do desejo.

O conceito de objeto a pode ser observado na prática clínica, onde a figura do analista deve se colocar mediante ao analisando enquanto semblante de a. Isso significa que o analista deve ocupar uma posição de esvaziamento, tendo a difícil missão de abster-se egoicamente, pois o seu eu não entra em questão; na medida em que uma análise só se dá de inconsciente para inconsciente. Desse modo, abstendo-se egoicamente e contendo o seu supereu, isto é, sua subjetividade

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(crenças, ideias, preconceitos) e julgamentos não entram em cena para que não interfira no discurso do analisando.

Ao tomá-lo como causa de desejo, o analisante deposita, na figura do analista, o desejo que para ele é tomado como incógnita: deste lugar de objeto a, o analista permite-se ser tomado como Outro pelo analisante, para desvelar, nesse movimento, o próprio desejo que move o sujeito em análise. (ANDRADE, 2007, p.191)

Nessa jornada do sujeito em busca do saber sobre o seu desejo, o analista apresenta-se como uma tabula rasa, para que o analisando possa projetar na figura do terapeuta seus desejos. Essa posição permite uma interpretação adequada, que possa dar conta do sujeito do inconsciente do analisando, levando em conta que foi escutada pelo inconsciente do analista. Portanto, não consiste em uma posição moral, porque como já exposto a moral é relativa ao supereu, contudo numa posição ética marcada pelo desejo e o bem-dizer, o discurso se torna o centro do tratamento, pois é por meio da palavra que há uma possibilidade de elaboração e ressignificação pelo sujeito.

Conforme Nasio (1993) é preciso uma disposição interna por parte do analista diante de si mesmo, que lhe permita sustentar o discurso do analisando; não o cabendo tentar compreender ou curar, no entanto escutar. A escuta no sentido psicanalítico, não é sinônimo de ouvir, se faz muito mais complexo que isto, pois se trata de escutar o sujeito do inconsciente. Para ter acesso ao inconsciente é preciso uma disponibilidade subjetiva por parte do psicanalista, de deixar de lado o seu narcisismo, acolher e suportar a fala do analisando, mesmo que nas suas diferenças em relação ao seu eu. Para escutar é necessário se desfazer de saberes a priori, tendo em vista que é a partir da posição de vazio, da dessubjetivação que se escuta, para não cair no engodo de acreditar que compreende a partir de alguma referencia pessoal o que foi trazido em sessão.

Espera-se que o analista intervenha, não a partir do sujeito que ele é, mas da função que ele sustenta. Para tal, não basta uma mera abstenção subjetiva, mas sim uma experiência de dessubjetivação que é fruto de sua própria análise. (MAURANO, 2006, p. 46).

Um dos pilares da formação do psicanalista consiste na sua análise pessoal, pois é somente a partir dela que se tem a possibilidade de escutar na posição de semblante de a. Manter-se nessa posição não é uma tarefa fácil, porque algumas vezes as questões colocadas pelo paciente podem atravessar as do terapeuta

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impondo uma barreira no tratamento. Por isso, se faz imprescindível a análise pessoal para que o analista possa: analisar seus sintomas; reconhecer o seu desejo e discriminar as demandas neles inscritas; reconhecer as repetições e sofrimentos de suas escolhas, com o intuito de não permitir que isto interfira na sua escuta. É importante que ele tenha passado pela experiência da radicalidade do encontro com a falta, vivida no percurso de análise, a fim de que apresente condições de lidar com a demanda de completude que virá do seu analisando sem procurar respondê-la, tamponando a falta.

Para se sustentar nessa posição de escuta se faz indispensável que o analista deseje ocupar esse lugar, isto é, que o desejo do analista se faça presente; “[...] espera-se que o analista, por ter levado sua análise o mais longe possível, tenha despertado do desejo do Outro, para colocar em ação seu desejo de analista.” (MAURANO, 2006, p. 38). O desejo do analista é o que possibilita ao terapeuta colocar-se enquanto objeto mediante ao paciente, abdicando de sua subjetividade, isto é, colocando-se no lugar de objeto causa desejo. Assim, ele não se refere a um desejo pessoal do terapeuta, porém ao desejo de ocupar a função do analista.

Para escutar o desejo do outro, o psicanalista precisa renunciar do seu próprio desejo a fim de que possa sustentar a posição de vazio. Portanto, é necessário que o analista ceda do seu próprio desejo ao exercer essa função, pois o único desejo que lhe cabe é que uma análise se dê. Nesse sentido, não lhe compete desejar curar, pois a ética psicanalítica é a do desejo e não do Bem, seu compromisso é com o bem-dizer sobre o desejo, pois:

Quando o psicanalista deseja curar, podemos ter certeza disso, ele não consegue a cura. Quando, ao contrário, ele refreia seu desejo – convencido de que a cura é um beneficio adicional que não depende dele- então, tem uma chance de que o sofrimento se interrompa. (NASIO, 1993, p. 88)

Portanto, a cura é uma consequência do percurso de análise, isto é, independe da figura do terapeuta, pois a partir do uso adequado da técnica ele pode apenas oferecer condições para que o paciente elabore e ressignifique suas vivências, porém não há como fazer isto por ele. O analista deve estar advertido de seu lugar e da sua função, para que não caia na armadilha de acreditar ter o poder de curar, como se isso lhe trouxesse benefícios egóicos. A paixão pela cura e por tentar compreender o paciente acaba por impossibilitar a escuta, dessa posição ela não se faz possível. Ao optar pelo bem-dizer ao invés do Bem, o psicanalista

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proporciona condições para que por meio da palavra o sujeito tenha a possibilidade de dar conta de seu sofrimento ou sua angústia.

Quanto à posição do analista, se faz importante retomar a transferência que é um conceito base da clínica psicanalítica e fundamental sob o prisma ético. O conceito da transferência foi cunhado por Freud a partir da experiência clínica, onde ele observou um fenômeno, no qual o paciente no decorrer do tratamento estabelecia com a figura do analista um vínculo afetivo intenso, depositando no terapeuta suas fantasias e desejos. Desse modo, endereçando ao psicanalista uma demanda de amor, ou seja, o analisando busca tomá-lo enquanto objeto que possibilite a completude; esperando assim, que o analista venha no lugar de preencher a falta.

No contato com o médico, uma série de fantasias é automaticamente despertada e ganha novas versões. O traço característico consiste na substituição do afeto por uma pessoa importante na vida do sujeito, pela pessoa do médico, que funcionará como intérprete disso que está sendo lembrado em ato, ou seja, atuado pelo paciente. Sendo assim, a designação de médico perde o sentido, para ser substituída pela de analista. Trata-se na transferência de uma presença do passado, mas que é uma presença em ato. (MAURANO, 2006, p. 16)

Um exemplo dado por Freud (1914/1996) no artigo “Repetir, recordar e

elaborar” deixa claro que o inconsciente é atemporal e se atualiza no presente. Ele traz a situação onde por vezes o paciente não lembra como costumava questionar a autoridade dos pais, porém se comporta devido à relação transferencial, dessa maneira com o seu analista, isto é, põem em ato o que ele recalcou. Isso aparece também muitas vezes nas relações entre professor e aluno, onde o segundo por vezes não respeita as regras colocadas pelo professor desafiando sua autoridade, o faz de maneira inconsciente projetando na figura do educador sua relação com alguma referência importante. Dessa forma, a transferência se faz presente em todas as relações que de algum modo sempre vão se referenciar a algo já constituído subjetivamente.

Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que encontra com ideias libidinais antecipadas; e é bastante provável que ambas as partes de sua libido, tanto a parte que é capaz de tornar consciente quanto a inconsciente, tenham sua cota na formação dessa atitude. (FREUD, 1912/1996, p.112)

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A transferência em psicanálise é fundamental, sendo considerada por Freud como a mola propulsora do tratamento. É a partir dela que se estabelece a hipótese diagnóstica, pois o analista deve observar o lugar que o paciente lhe coloca na transferência, para assim poder identificá-lo em alguma estrutura (neurose, psicose e perversão). O diagnóstico se faz fundamental na direção do tratamento, porque o psicanalista deve conduzir a análise e as invenções de acordo com a estrutura do paciente, levando em conta que para cada tipo de estrutura terá uma maneira diferente de estabelecer a transferência. É importante frisar que o parâmetro ético permanece o mesmo independente de qualquer hipótese diagnóstica, a ética da psicanálise é a ética do desejo e a conduta do analista em qualquer situação tem o desejo como norte e a transferência como é o que o autoriza a intervir.

No artigo “A Dinâmica da Transferência” Freud (1912/1996) traz que a transferência pode se estabelecer de duas maneiras: a transferência positiva e a transferência negativa. A primeira é quando na figura do terapeuta são depositados sentimentos afetuosos. Estabelece-se uma confiança, que favorece o desenvolver da análise, pois permite que o paciente cumpra a regra fundamental da psicanálise (associação livre), que consiste em que o analisando fale tudo o que lhe vier à mente, sem qualquer restrição. Já a segunda se refere à transferência de sentimentos hostis em relação ao analista colocando um impasse no tratamento, levando em conta que o paciente pode deixar de associar livremente. A instauração da transferência independente de qual ordem ela for é o que irá permitir a intervenção clínica, o que diferencia é a questão do manejo clínico, pois a transferência positiva se apresenta de maneira mais acessível.

Ao falar para este Outro analista a partir da transferência, o paciente lhe endereça uma demanda. Essa demanda é uma demanda de amor, isto é, de completude, a busca pelo objeto a que ele passa a enxergar na figura do terapeuta. O analisando acredita conforme Lacan, que o terapeuta sabe alguma verdade sobre ele, portanto lhe supõe um saber. É a partir dessa função de Sujeito Suposto Saber que o psicanalista deve apropriar-se, que a transferência tem a condições de se estabelecer.

A fala, ao instituir o Outro do inconsciente, faz também existir o Outro da transferência, lugar que o analista é chamado a ocupar. O sujeito procura no analista o Outro do amor do qual espera uma palavra: de amor, de saber, de atenção... E assim ele “situa” o inconsciente na poltrona do

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analista (como o lugar do Outro) porque aí se desenrolam as associações contidas em sua demanda. Não é à toa que as associações lhe venham quando ainda está em casa, ou indo para a sessão, e que grande parte delas se desenrole já na sala de espera ou no trajeto do consultório. Dessa forma, o sujeito faz existir o Outro como lugar encarnado em alguém que media, apazigua as relações imaginárias e agressivas com o outro. (QUINET, 2012, p. 26-27)

Desse modo, a transferência conforme Maurano (2006), em última instância se caracteriza como uma aposta de que há um saber que possa dar conta da falta. Nessa busca de tamponar a falta, por meio da transferência, ocorre um apelo ao saber, isto é, a esse Outro da linguagem e um apelo ao ser, que consiste na demanda de amor endereçada ao analista (Outro encarnado). É imprescindível que frente a essa demanda de amor dirigida pelo paciente, o psicanalista mantenha o seu posicionamento ético e sua função, isto significa que não deve responder a ela; porque se a responde da dimensão do amor já não escuta, se colocando enquanto sujeito e não como objeto. Sua função é enquanto numa posição de semblante de a, convocar o sujeito pela via do desejo na busca pelo saber.

Durante o processo analítico, surge o que Freud nomeou de contratransferência que consiste nos afetos (conscientes e inconscientes) despertados no analista pelo analisando. Pode também ser definida “como o conjunto das produções imaginárias do analista que o impedem de ocupar o seu lugar ‘de objeto atrator’ na transferência.” (NASIO, 1999, p.121). Assim, se refere ao que o paciente provoca no analista enquanto sujeito, pois a contratransferência aparece como um sinal de que o terapeuta foi convocado a responder de uma posição que não lhe compete, porque seu lugar é enquanto objeto, isto é, o de semblante para que a transferência se estabeleça. A contratransferência pode colocar barreiras no tratamento se não for trabalhada pelo analista em sua análise pessoal ou supervisão, na medida em que as manifestações contratransferências podem interferir na sua escuta; lembrando o que Lacan diz que a resistência é sempre do analista, pois é ele que tem a responsabilidade de conduzir a análise e procurar por meio de suas intervenções a abertura do inconsciente.

Segundo Nasio (1999) há três classes de manifestações contratransferências sendo elas: o saber, a paixão e a angústia. O saber tem relação com a busca da compreensão do que o analisando traz em sessão, onde o analista pode vir, de acordo com os seus objetivos, a selecionar o que lhe interessa do discurso do

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paciente, descumprindo a regra fundamental da psicanálise. Já a paixão, faz referência a manifestações como o amor ou ódio; um exemplo disso é quando determinado perfume ou característica do paciente causa incômodo ou atração ao analista. E a angústia se caracteriza por ser a expressão da contratransferência que representa maturidade do analista; pois por vezes a angústia do analisando nada mais é do que a projeção da angústia que tem como fonte o terapeuta, no momento em que está próximo do acesso ao lugar do analista. Portanto, essas expressões não consistem apenas em uma barreira no tratamento, porém podem indicar a proximidade do estabelecimento da transferência.

É fundamental que o terapeuta esteja advertido da contratransferência, porque no momento em que “um analista dá importância aos afetos suscitados nele por seus pacientes, sua função fica prejudicada, ou inviabilizada [...].” (MAURANO, 2006, p.35). Na dimensão de corte aparece o pagamento, para lembrar ao analista da sua função e também como uma forma de compensar o terapeuta por ter assumido a posição de semblante, isto é, abdicado de sua subjetividade. Para sustentar-se nessa posição o desejo do analista se faz imprescindível, pois acima de todos os desejos que a contratransferência pode despertar no analista o de que a análise se dê deve ser superior. É o desejo de ocupar essa função que o permite sustentar a transferência e se colocar a mercê dos desejos e fantasias do analisando nele depositados.

Para dar conta do manejo da transferência e da contratransferência é fundamental uma das recomendações freudianas, que consiste na abstinência por parte do analista, isto significa que para desempenhar sua função ele necessita abdicar dos seus afetos e de compaixão em relação a seu analisando para que possa escutá-lo. É a abstinência do analista, esse abrir mão de seus desejos enquanto sujeito que vai permitir ao analisando a associação livre, isto é, um silêncio em si que permite a partir da posição de vazio que o terapeuta seja capaz escutar com o seu inconsciente e assim possa melhor interpretar e conduzir a análise. É importante ressaltar, segundo Nasio (1999) que na prática clínica o psicanalista leve em conta também os seus limites, que conduza o paciente até onde não coloque em risco sua integridade física e mental.

A justificativa para exigir essa frieza emocional no analista é que ela cria condições mais vantajosas para ambas as partes: para o médico, uma

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proteção desejável para sua própria vida emocional, e, para o paciente, o maior auxílio que lhe podemos hoje dar. (FREUD, 1912/1996, p. 129)

Do lugar de abstinência o psicanalista tem como dever ético acolher a demanda vinda do paciente. Esta demanda se refere quando o sujeito ao se reconhecer como faltante busca este objeto perdido (objeto a) que venha tamponar a falta, no Outro analista o qual supõe que detenha um saber sobre o seu desejo. Assim, ela consiste a um endereçamento ao terapeuta que vem na ordem do amor e de preenchimento. De acordo com a ética da psicanálise o terapeuta não pode responder a demanda, deve acolhê-la o que significa escutá-la e intervir marcando a dimensão da falta, possibilitando a transferência; na medida em que na renúncia ao proporcionar o gozo da completude pelo paciente, o analista lhe remete a castração, colocando-o na busca pelo desejo.

É possível pensar que a questão da ética na psicanálise se faz central na prática clínica, levando em conta que para escutar o paciente é imprescindível ter clareza da posição ética do lugar que se ocupa enquanto terapeuta. A ética psicanalítica se constitui como uma ética própria, porque difere das deontologias de muitas profissões, pois têm suas especificidades decorrentes das bases conceituais, contudo principalmente por privilegiar o sujeito do inconsciente, movido pelos desejos e pulsões que desconhece. Devido ao compromisso com a psicanálise o analista tem o dever de atuar norteado pela ética, permitido que o paciente faça o seu percurso na via do desejo.

Essa ética no qual o analista deve basear sua práxis não é da mesma ordem daquela atribuída a cada profissão ou ofício. Trata-se da ética da psicanálise, que, como tal, concerne ao desejo dos seres faltantes e ao real do gozo que os determina. Ética que responde à descoberta freudiana do inconsciente e do desejo indestrutível que exige satisfação imperiosa. (QUINET, 1995, p.11)

A ética psicanalítica está orientada pelo real, que carrega a dimensão da

falta-a-ser, onde o psicanalista não pode responder a demanda a ele endereçada, marcando a dimensão da impossibilidade. O psicanalista precisa estar advertido da ilusão de completude, o que segundo Maurano (2006) não o torna um pessimista, porém um trágico no sentido de que suporta o horror permitindo a escolha seja ela qual for. O analista num lugar de resto sustenta tudo àquilo que o social recusa, pois acredita que com isso pode trabalhar, considera os riscos, porém o que é

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fundamental: permite a escolha. Assim, a ética da psicanálise não visa um Bem, tampouco promete felicidade, seu compromisso é com o bem-dizer sobre o desejo, que possibilita o não ato. Portanto, ao priorizar o sujeito, lhe possibilita a escolha, assim cabe ao analisando se responsabilizar pelo seu desejo e seu gozo, e ao analista o compromisso de escutá-lo.

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2. O SUICÍDIO: UM OLHAR PSICANALÍTICO

A morte do suicida é diferente. Pois ela não é coisa que venha de fora, mas gesto que nasce de dentro. O seu cadáver é o seu último acorde, término de uma melodia que vinha sendo preparada no silêncio do seu ser.

- Ruben Alves

A palavra suicídio deriva do latim sui (si mesmo) e caederes (ação de matar), para tanto suicídio se caracteriza num ato ou ação do sujeito contra si próprio que acaba por um encontro com a morte. Segundo, o Código Internacional das Doenças (CID), ele é considerado como uma morte violenta, (encontrado no capítulo XX) devido causas externas, ou seja, uma morte que não foi ocasionada por uma doença. É interessante refletir como o suicídio é considerado pelo CID, tendo em vista que fala em “causas externas”, sendo que quem atenta contra a vida no suicídio é o próprio sujeito. Talvez isto tenha uma conotação de que a morte talvez fosse mais bem aceita se em razão de uma doença do que de um ponto final colocado pelo próprio sujeito, então na busca de uma explicação que isente o sujeito da culpa se atribuí a causas externas, tirando do suicida a responsabilidade pelo seu ato.

2.1 SOBRE O SUICÍDIO

O ser humano é o único ser vivo capaz de dar fim à própria vida, também é o único que possui linguagem, talvez aí esteja uma pista. Mas afinal o que leva o sujeito a por um ponto final na sua vida? Dentro da psicanálise existem muitas explicações, já que o sujeito é singular, não pode haver apenas uma resposta. Num cenário contemporâneo do gozo, onde a felicidade é um imperativo, não há tempo para a tristeza e a morte continua sendo um tabu. Assim, ninguém quer saber da morte e do suicídio não se ousa falar ou pensar, talvez porque revele algo presente no íntimo de cada humano a pulsão de morte. Desse modo, diante da impossibilidade de atender as demandas de uma sociedade que tem como Ideal a

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felicidade, a morte pode no íntimo de cada sujeito aparecer como uma alternativa. Porém, há um paradoxo, pois segundo Freud:

[...] é impossível imaginar nossa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como espectadores. Por isso, a escola psicanalítica pôde aventurar-se a afirmar que no fundo ninguém crê na sua própria morte, ou, dizendo a mesma coisa de outra maneira, que no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade. (1915/1996, p. 299)

Portanto, se no inconsciente não existe uma representação da própria morte, como podemos pensar o suicídio por um prisma psicanalítico? O que leva um indivíduo escolher a própria morte? Será ela uma escolha? Conforme Cassorla, “[...] o suicida não quer morrer - na verdade ele não sabe o que é a morte. Aliás, ninguém sabe. O que ele deseja é fugir do sofrimento.” (1991, p. 22). Assim, pode-se inferir segundo este autor que na verdade o suicida não busca a morte com seu ato, porém o que ele almeja é uma fuga desse sofrimento insuportável que o impede de viver; o suicídio aparece como única saída. Para tanto, não existe um única justificava para esse ato, pois ele é singular, isto é, tem relação com a história de cada sujeito e sua constituição subjetiva. A ocorrência ou não do suicídio vai depender das condições simbólicas do sujeito, ou seja, da sua capacidade de lidar com o que lhe causa mal-estar; se ele irá responder pela via do real com a morte ou buscar elaborar por meio da palavra.

Cassorla (1991) a partir de sua experiência clínica traz algumas hipóteses a respeito de tipos de fantasias relacionadas com a morte, sendo elas: 1) Que por meio da morte haja um encontro com uma vida sem sofrimento. Há também uma busca de um reencontro com uma figura importante para o sujeito que está morta; se essa pessoa querida cometeu suicídio isso pode reforçar ainda mais esta fantasia no sujeito. Um exemplo é quando uma criança perde os pais e acredita que por meio da morte pode reencontrá-los. 2) Pode ter um caráter de agressividade, nesse tipo de fantasia o sujeito vê no suicídio uma maneira de vingança contra inimigos sejam reais ou fantasiados. Isso pode aparecer quando, por exemplo, um dos namorados decide terminar o relacionamento, então esse que foi “deixado” opta pela morte na tentativa de ferir este outro que o abandonou, criando o delírio de que vai poder ver esse sofrimento no outro. 3) É possível surgir fantasias referentes a um sentimento de culpa, onde o sujeito vê a sua morte como uma punição. Isto pode ser

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relacionado à melancolia onde o sujeito identificado com o objeto amado se sente culpado pela sua perda, passando a pensar que morte sanaria esse sentimento angustiante que é a culpa e acreditando que ele merece a morte como um castigo. Segundo o autor, essas fantasias poderiam levar o sujeito a cometer o suicídio, contudo isso não significa que sempre que elas estiverem presentes o sujeito cometa o ato.

Freud realizou em sua obra algumas referências sobre o suicídio,

considerando-o “como um dos desfechos possíveis para os conflitos psíquicos na

neurose”. (apud CARVALHO 2014, p.136). Entretanto, para ter uma compreensão sobre o suicídio cada caso deve ser analisado individualmente, levando em conta sempre as particularidades de cada sujeito. O que leva o humano a abdicar da própria vida não pode ser algo generalizado, pois tem haver com a estrutura e a história do sujeito, que fazem dele único.

Partindo de Freud, na busca de uma compreensão do que leva o individuo a buscar a morte, é importante retomar o seu artigo “Além do Princípio do Prazer” (1920/1996); nele são estabelecidos os conceitos de pulsão de vida e morte que são tendências do psiquismo necessárias para o seu funcionamento. Sobre a pulsão de morte é importante considerar que ela contrapõe às de vida, numa tendência no psiquismo que visa à redução da tensão e com isso eliminar o desprazer, correspondendo assim à tendência a retornar a um estado anorgânico. Dessa maneira, a pulsão de morte pode ser vista como um cálculo cujo resultado vem da repetição. Apontando segundo Freud ao estado radical de nirvana, isto é, a busca por levar a zero a excitação. Esse algo que se repete na pulsão de morte seria o traço da perda inicial, mítica da primeira experiência de satisfação; aí se inscreve uma perda de gozo que se repete compulsivamente.

[...] Não temos mais que levar em conta a enigmática determinação do organismo (tão difícil de encaixar em qualquer contexto) de manter sua própria existência frente a qualquer obstáculo. O que nos resta é o fato de que o organismo deseja morrer apenas do seu próprio modo. Assim, originalmente, esses guardiões da vida eram também lacaios da morte. Daí surgir à situação paradoxal de que o organismo vivo luta com toda a sua energia contra os fatos (perigos, na verdade) que poderiam auxiliá-lo a atingir mais rapidamente seu objetivo de vida, por uma espécie de curto-circuito. (FREUD, 1920/1996, p. 49)

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Paralelo à pulsão de morte que busca a inércia, o domínio do gozo; existe a pulsão de vida que a ela se contrapõe; sendo que uma não existe sem a outra. A pulsão de vida contém as pulsões de auto conservação e sexuais; sendo que a primeira consiste na busca da preservação do indivíduo, como por exemplo, a busca pela alimentação e a segunda tem relação com a preservação da espécie (JORGE, 2005). Nesse sentido, há uma batalha constante no sujeito entre a vida e a morte, o que Freud chama de “curto-circuito”, visto que há duas tendências opostas, porém que permanecem juntas consistindo numa ambivalência. Diante do sofrimento, que causa um excesso de excitação devido ao mal-estar, a pulsão de morte pode ser convocada a se sobrepor, buscando reduzir essa tensão pulsional. Portanto, o suicídio pode ser pensado em relação à dinâmica prazer/desprazer, onde por vezes na tentativa de acabar com o que causa mal-estar, ou seja, o desprazer, a pulsão de morte acaba por se fazer imperativa.

No ano de 1926, Freud concedeu uma entrevista denominada “O valor da vida”, nela falou da importância da morte, tanto quanto o amor (que se faz um elemento central na psicanálise, tendo em vista que é a base da transferência). Ele retoma o seu texto “Além do princípio do prazer” trazendo que todo ser vivo anseia pelo Nirvana (estado de excitação à zero: possível na morte), mesmo que tenha muita vontade de viver; afirma que o objetivo da vida é sua própria extinção. E por fim:

A humanidade não escolhe o suicídio porque a lei do seu ser desaprova a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar a pulsão de morte, embora no final resulte mais forte. Podemos entreter a fantasia de que a Morte nos vem por nossa própria vontade. Seria mais possível que pudéssemos vencer a Morte, não fosse por seu aliado dentro de nós. Neste sentido acrescentou Freud com um sorriso, pode ser justificado dizer que toda a morte é suicídio disfarçado. (FREUD, 1926)

Partindo de uma perspectiva lacaniana, o suicídio pode ser pensado enquanto um ato que vem no lugar de dizer. “Não basta um fazer para que haja ato, não basta que haja movimento, ação; é preciso que haja também um dizer que marque e que fixe este ato.” (FARAH, 2000). Segundo Lacan, existem três características principais presentes no ato. A primeira se refere à linguagem, aquilo que é impossível de ser dito, acaba por ser atuado. Já a segunda característica se refere à mudança, pois depois que o ato acontece não há como voltar atrás, depois disso o

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sujeito não será o mesmo. A última diz respeito ao ato ser acéfalo, levando em conta que nele o sujeito não se reconhece, o sujeito do inconsciente não se faz presente no ato. (CARVALHO, 2014). No “O seminário, livro 10: a angústia” o Lacan trabalha com os conceitos de acting out e passagem ao ato, diferenciando-os permitindo fazer uma relação com o ato suicida e o suicídio.

A respeito do acting out pode-se dizer que ele é o oposto da passagem ao ato, consiste num ato dirigido ao Outro, uma demanda de reconhecimento que diz algo da verdade do sujeito, contudo ele se mostra de maneira velada. É importante ressaltar que aquele que pratica o ato não tem consciência do sentido do que está mostrando, pois é para o Outro que o faz, na espera de uma interpretação. “O acting out é, pois uma conduta assumida por um sujeito, dada para ser decifrada para aquele a quem é dirigida. É uma transferência embora o sujeito nada mostre. Algo é mostrado, fora de qualquer possível rememoração.” (CHEMAMA, 1995, p.8). Portanto, carrega uma demanda de simbolização, na medida em que o sujeito não dando conta simbolicamente vai pela via do real, isto é, do ato.

Lacan (2005) afirma que o acting out é um sintoma, porque ele também é uma mensagem codificada e metonímica; tendo em vista que como o sintoma, ele também pode ser interpretado, porém para isso é necessário que se tenha estabelecido à transferência. O acting out representa o início da transferência ou uma transferência selvagem, pois como se sabe a transferência está presente em todas as relações humanas, não é necessário que o sujeito esteja em análise para que ela ocorra. Contudo o acting out não deve ser interpretado numa análise, pois isso acaba por trazer poucos efeitos, levando em conta que é para isso que ele serve. A partir dele o sujeito busca se mostrar ao Outro, ele se refere a um dizer, que não podendo ser escutado é posto em cena. A cena que o sujeito monta vem no sentido de mostrar algo que diz do seu desejo, isto é do objeto que lhe falta (objeto a) que é velado. Desse modo, essa cena vem de maneira enganosa dizer algo do

real, pois segundo Muñoz: “como o real é inapreensível pelo significante, o acting

out é uma encenação mentirosa na qual deve se apontar ao resto.” (2009, apud CARLOS, 2014 p. 33.).

O acting out é, em essência a mostração, a mostragem, velada, sem dúvida, mas não velada em si. Ela só é velada para nós, como sujeito do acting out, na medida em que isso fala, na medida em que poderia ser verdade. Ao contrário, ela é, antes, visível ao máximo, e é justamente por

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isso que, num certo registro, é invisível, mostrando sua causa. O essencial do que é mostrado é esse resto, é a sua queda, é o que sobra nessa história. (LACAN, 2005, p.138-139)

Assim, o acting out vem no lugar de um dizer, consistindo em uma demanda de simbolização, dirigida quando o sujeito em análise ao Outro analista. Conforme Chemama (1995) o acting out pode denunciar uma falha do analista, que pode se referir a uma interpretação equivocada, seja por não ser aceita pelo analisando ou por seu caráter antecipado, visto que talvez o sujeito não estivesse pronto para recebê-la, assim ele pode vir a responder por meio de uma mostração. Portanto, o acting out precisa ser escutado para que a partir dele o analista possa se reposicionar transferencialmente, a fim de permitir que o analisando se coloque por meio do discurso ao invés do ato.

O acting out pode ser relacionado ao suicídio enquanto uma tentativa, à

medida que “para a psicanálise todo ato suicida é um acting out [...] O suicídio

configura-se como um momento onde o indivíduo ‘está fora de si’, e graças à cisão pode atacar a si mesmo.” (DIAS, 1991, p. 91). Assim, o sujeito busca por meio desse ato suicida uma maneira de se mostrar ao Outro, na falha do simbólico acaba por se expressar por meio do ato. Um exemplo é quando o individuo ingere vários comprimidos numa tentativa de por fim a vida, porém faz isso perto da hora que alguém o encontrará para salvá-lo, mostrando que na verdade não é a morte que deseja. Esse ato vem no lugar de um dizer, que não foi possível pela via da palavra. Desse modo:

[..] pode ser entendida como um apelo ao Outro, por um sujeito que, inundado em seu sofrimento particular, cria a cena , se inclui nela e, atuando, põe em risco a própria vida. Nesses casos o sujeito acredita querer matar-se, ainda que a cena montada denuncie “aos espectadores” o desejo inconsciente do malogro do seu ato. (CARVALHO, 2014, p.141)

Quanto à passagem ao ato diferente do acting out ela não se dirige a ninguém, nem busca uma interpretação, mesmo se tiver ocorrido com um sujeito em análise. Tanto a passagem ao ato como o acting out consistem em maneiras de dar conta da angústia. A angústia surge no momento em que o objeto a, no qual Lacan nomeou como causa de desejo cai, porque algo do campo do desejo do Outro para com o sujeito se revela. E quando este objeto cai, não há causa de desejo e não há

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falta, por isso que Lacan irá nos dizer que há falta da falta. É a falta que faz do sujeito um ser desejante e é com o fantasma que ele irá responder ao enigma do outro; quando surge a angústia ocorre uma vacilação do fantasma, devido a isso o acting out e a passagem ao ato aparecem como uma alternativa para o sujeito livrar-se da angústia. Portanto, a angústia emerge mediante a um encontro com o real no qual o sujeito não dá conta simbolicamente. A partir do desvelamento do objeto a, o sujeito deixa-se cair da cena na passagem ao ato.

No seu seminário sobre a angústia Lacan traz um quadro denominado coordenadas da angústia, esse esquema tem como ponto de partida uma decomposição do termo “inibição” da obra freudiana. Lacan (2005) considera que o que faz com que o sujeito se precipite em um movimento a sua revelia, tem relação com a inibição, que ao reduzir as funções do eu, faz com que se possibilite o acting out e a passagem ao ato. Ele coloca dois eixos o da dificuldade e o do movimento, conforme o quadro abaixo.

Fonte: Calazans (2015, p.125)

Segundo o quadro das coordenadas da angústia a passagem ao ato ou o acting out vão ocorrer em relação ao momento de encontro entre os eixos da dificuldade e movimento, dependendo de como o sujeito irá se posicionar. Conforme Carlos (2014) a passagem ao ato consiste em um momento de embaraço vivido pelo sujeito, onde ocorre um encontro com a castração. O sujeito precisa dar conta da angústia e por vezes não encontrando com o que se proteger, pode ocorrer à situação embaraçosa, entendida como um momento de plenitude pulsional e dificuldade corporal, fazendo que o sujeito possa vir a “cair” enfraquecido. Como diz

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Lacan, a angústia é aquilo que não engana e desse modo para dar conta do real que se apresenta como insuportável pelo sujeito, ele pode dispor do acting out ou da passagem ao ato.

A passagem ao ato ocorre devido à falta de recursos simbólicos para lidar com esse real que causa a angústia no sujeito. Assim, “ele se ejeta oferecendo-se ao Outro, lugar de vazio do significante, como se esse Outro se tivesse tornado, para ele imaginariamente encarnado, e pudesse gozar com sua morte.” (CHEMAMA, 1995, p. 9). Com este agir impulsivo o sujeito que só consegue se ver enquanto um dejeto, busca de alguma forma se inscrever simbolicamente no campo do Outro.

Segundo Carvalho (2014) a passagem ao ato se caracteriza por um ato radical do sujeito, que devido não conseguir inscrever-se no campo do Outro, acaba por se identificar com o objeto a, porém na dimensão de resto, de dejeto e por não suportar esse lugar passa ao ato. Diferente do acting out onde há o sujeito que monta uma cena para se mostrar ao Outro, na passagem ao ato o sujeito saí da cena. Essa cena é a da fantasia, que defende o sujeito frente à angústia, pois assim como o sintoma, a fantasia é uma maneira de lidar com o real. Quando o sujeito se coloca diante da morte, uma hipótese seria que a fantasia estaria destroçada, pois o sujeito se vê enquanto objeto de gozo, num lugar de resto. O encontro com o real precipita um atravessamento da fantasia, tendo como consequência uma queda da ficção e para tanto uma exposição do sujeito a sua verdade, deixando-o a mercê do ato suicida, como alternativa para livrar-se da angústia.

Na passagem ao ato, a cena é violentada, o que faz com que o sujeito a abandone. Assim, não se pode pensar que alguém escolhe realizar uma passagem ao ato, o que ocorre é que alguém encontra-se executando-a e depois depara-se com suas consequências. Não é o sujeito que comete a passagem ao ato, visto que ele é efeito de uma leitura. A passagem ao ato, chega “por acidente”, como um curto circuito, quebrando uma continuidade e uma estabilidade. (CARLOS, 2014, p. 26)

O sujeito acreditando estar num lugar de insignificância para o Outro, passa ao ato na tentativa de sair dessa condição, não o faz pela via da escolha, porém pelo impulso. A passagem ao ato é da ordem do irreversível, uma passagem só de ida rumo ao desconhecido, depois de executada não há como voltar atrás. O suicídio pode ser pensado segundo Ramalho (2001) como uma busca de um lugar no desejo do Outro, entregando a própria vida. Desse modo, ao invés de consistir

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em um apagamento do sujeito, caracteriza uma última tentativa de inscrição, de fazer uma falta no Outro, que causaria o desejo.

Para ilustrar a diferença entre passagem ao ato e acting out, é possível fazer uma leitura do caso relatado por Freud (1920/1996) no texto “A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher”, onde uma jovem de 18 anos após uma tentativa de suicídio busca tratamento. Tal ato ocorre devido a jovem ter encontrado o pai na rua quando estava acompanhada da dama que ela amava e cortejava. Ela acaba confessando para a sua amada que o homem que havia lhes olhado de maneira furiosa era seu pai, então a dama lhe diz que era melhor elas não se verem mais. Diante disso, a jovem sai correndo e joga-se contra um muro e acaba caindo na linha férrea.

Lacan (2005) retoma o caso da jovem homossexual a fim de distinguir a passagem ao ato do acting out. Neste caso pode-se entender como acting out a conduta da jovem em relação à dama, levando em conta que não tinha receio de ser vista na companhia dela e de cortejá-la com flores e presentes. Seu comportamento era visivelmente um acting out, pois era endereçado a um Outro, nesse caso o pai. Assim, continha um teor de desafio, para tanto a partir dessa mostração buscava que ele decifrasse seu ato, que continha o desejo inconsciente da filha de ter um filho do pai, isto é, ter o falo. Em relação à passagem ao ato, ele ocorre quando a jovem joga-se contra o muro na tentativa de cometer suicídio, essa ação não é endereçada a ninguém tampouco busca interpretação. Trata-se de uma atitude impulsiva da jovem que mediante ao olhar do pai, confrontando-a com seu desejo, acaba por se identificar com o objeto a, deixando-se cair para fora da cena; essa

conduta é em última instância uma tentativa de inscrever-se no campo do Outro.

No “O seminário, livro 19: o saber do psicanalista” Lacan (1971 apud

CARVALHO, 2014) traz a ideia de que o suicídio é um ato falho, caracterizado por uma recusa ao saber. Segundo o autor, todo ato tem uma dimensão de suicídio, pois depois de cometido o sujeito nunca mais será o mesmo, por ter ocorrido um encontro com a sua verdade. O ato suicida tem como suporte a pulsão de morte, que se constitui na expressão máxima do gozo. Assim, seguindo essa linha, o sujeito não escolhe a morte porque a deseje, visto que no inconsciente não há uma representação da própria morte, mas porque espera por meio dela obter alguma satisfação.

Referências

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