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As definições mais recorrentes nos compêndios didáticos e gramáticas pedagógicas podem ser agrupadas quanto a três critérios distintos: semântico, sintático e pragmático. Esses agrupamentos são adotados segundo a visão que cada grupo de gramáticos tem a respeito da função do sujeito e da sua relação com os outros termos constitutivos da oração. O critério semântico enfoca a relação entre sujeito e a categoria de agente do processo verbal. O critério sintático enfoca a relação de concordância de pessoa e número entre o sujeito e o verbo. E o critério pragmático enfatiza a relação entre sujeito e tópico, aquilo sobre o que se fala.

Alguns gramáticos definem sujeito como “ser sobre o qual se diz algo”; como representantes que se destacam neste grupo estão autores como Rocha Lima (1989), Cunha e Cintra (2007), Sarmento (2000) e Luft (2002). Estes dois últimos acrescentam ao conceito a afirmação de que o sujeito é aquele com o qual o verbo concorda.

Ao conceituar que o sujeito é “o ser de quem se diz algo” ou, em algumas das obras citadas, sujeito é “a pessoa ou coisa sobre a qual se faz uma decla- ração”, os gramáticos passam a equiparar o sujeito à noção de tópico1. O sujei- to é expresso por um substantivo sozinho ou por um substantivo acompanhado de determinantes, ou seja, há uma predisposição para interpretar o sintagma nominal topicalizado como sendo o sujeito.

1 Entendemos tópico como um recurso da língua usado para enfatizar, para centralizar o foco de atenção no

discurso. O tópico se liga ao discurso, cujo tema anuncia. O verbo só concorda com o tópico quando este é o próprio sujeito, o que nem sempre ocorre. O tópico sempre se apresenta no início, enquanto o sujeito pode ocupar outras posições. (cf. AMORIM, 2003).

RAQUEL MEISTER KO. FREITAG & TAYSA MÉRCIA SOUZA SANTOS DAMACENO

No entanto, ao aplicarmos o conceito à língua em uso, observamos que as definições ficam fragilizadas. Por exemplo, se “sujeito é algo sobre o qual se diz algo”, como poderemos identificar a relação entre tópico e sujeito em uma oração como (1)?

(1) Aqui, ajoelharam muitos fiéis.

Ou, no caso da segunda definição, o que faremos para identificar qual dos dois substantivos é o sujeito na oração em (2)?

(2) Carlos devolveu o caderno.

Poderíamos afirmar que Carlos é o sujeito, pois há uma declaração sobre ele, mas também é preciso refletir que há uma declaração sobre a palavra caderno... E se a definição relaciona sujeito à coisa ou pessoa, como podemos então identificá-lo em (3)?

(3) O alvorecer da infância há de surgir no horizonte.

Não há como enquadrar “alvorecer” como pessoa ou como coisa. Outra inconsistência da segunda definição é evidenciada diante de uma oração con- siderada sem sujeito, como em (4).

(4) Há crianças no jardim.

Tomando como base o conceito apresentado, não poderíamos afirmar que há uma informação sobre “crianças”?

Outra definição, relacionada ao critério semântico, é a que conceitua su- jeito como o “ser que pratica a ação”, isto é, o agente da oração. Para Pontes (1986), definir o sujeito como agente da ação é conceituá-lo a partir de um ponto desnecessário, já que a própria gramática normativa também o classifica como sujeito paciente. E essa conceituação implica também em enfatizar um único traço semântico como delineador do sujeito, categorizando os verbos como representativos de uma ação, quando, na verdade, há para os verbos três classes sintático-semânticas: de ação, de estado e de processo.2

Pontes (1986) também ressalta que a identificação do sujeito como agen- te ou paciente pode também estar vinculada ao contexto pragmático, e cita como exemplo a oração em (5)

(5) João arrancou o dente hoje.

2 Na verdade, há muito mais classificações de verbos; como ilustração, recomendamos a leitura de Tavares

Sendo João o dentista, será provavelmente o sujeito agente, mas, caso não seja o dentista, João será sujeito paciente. A classificação, então, depende do contexto externo à estrutura sintática da oração.

Na abordagem de gramáticos como Rocha Lima (1989) e Bechara (2009), o sujeito é definido como “a unidade ou sintagma nominal que estabelece uma relação predicativa com o núcleo verbal para constituir uma oração” (BECHA- RA, 2009, p. 409); é o critério morfossintático que direciona o conceito (o sujei- to precisa estar em consonância formal com o núcleo do predicado).

Dentre os que apontam a concordância como traço para se identificar o sujeito está Perini (2006). O linguista critica a abordagem da gramática tradi- cional, chamando a atenção para o equívoco que se comete ao tentar concei- tuar o sujeito a partir de uma definição e não de sua identificação.

Primeiro é preciso aprender, entre outras coisas, a identificar o sujei- to de uma oração; depois é preciso aprender a definição do sujeito. Mas [...] a identificação dos sujeitos não se faz com base na defini- ção aprendida; faz-se com base em alguma outra definição, nunca exteriorizada. [...] Identificamos o sujeito da maneira que sentimos ser a mais adequada. (PERINI, 2006, p. 17)

Para conceituar sujeito, Perini (2006, p. 16) se embasa nos aspectos for- mais, excluindo os aspectos semânticos. Sujeito é “sintagma que aparece em determinada posição na frase (nem sempre antes do verbo) e com o qual com o qual o verbo concorda”. Essa definição exclui todo entendimento sobre a categoria sujeito que não tenha um termo explícito em concordância com o verbo. Ainda para este autor (2006, p.39), o sujeito é “uma função, isto é, um dos aspectos da organização formal da oração.” Logo, a noção de sujeito deve ser definida de acordo com as relações sintagmáticas entre os diversos termos da oração: a ordem das palavras, a concordância das formas e a regência é que determinarão as funções na oração.

Ainda que o critério de concordância minimize inconsistências no concei- to de sujeito, não o isenta totalmente de contrapontos. Por exemplo, não são levadas em consideração “sentenças que apresentam a ordem Verbo-Sujeito (VS) no português brasileiro (PB), em que há forte tendência à ausência de concordância verbal em contextos inacusativos3, muito produtivas no portu- guês brasileiro como em (6) e (7) (cf. VITORINO; SILVA, 2013).

(6) Chegou uns meninos.

3 Segundo Duarte (2011, p.191), inacusativo é “um verbo que tem seu argumento único gerado na posição

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(7) Aconteceu muitos acidentes.

A revisão dos principais estudos sobre o sujeito gramatical evidencia uma série de compreensões distintas de forma e sentido (PERINI, 2006); os con- ceitos preenchem algumas lacunas, contudo não preenchem outras. Por isso, é preciso que o professor de língua portuguesa, ao analisar um livro didático a ser trabalhado em sala, tenha uma formação ampla e diversificada quanto às abordagens gramaticais, para poder desempenhar seu papel de mediador do conhecimento, entendendo a língua sempre em seu caráter simbólico, dinâmi- co e flexível que, constantemente, possibilita novas situações comunicativas que precisam ser levadas em consideração sempre, em qualquer tentativa de se definir, identificar ou compreender qualquer fenômeno linguístico.