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SURGIMENTO DO JÚRI NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS

O surgimento do tribunal do júri no Brasil, como já mencionado, se deu em 1822 por decreto do Príncipe regente, enquanto que nos Estados Unidos já em 1791 foi adotada a Declaração dos Direitos Humanos que especificou acerca do estabelecimento do júri para casos tanto cíveis quanto criminais. Vale frisar que o júri brasileiro teve seu cerne no tribunal de Roma, em contrapartida, o júri norteamericano, teve como base o Tribunal da Inglaterra. Ademais, em decorrência de o júri brasileiro se basear no tribunal de Roma, este faz parte da família Romano-germânica, mais precisamente da civil law, entretanto, o júri norteamericano, se encaixa principalmente na família de direito da common law. Diga-se principalmente, uma vez que, como já citado no trabalho, tal modelo também se utiliza da civil law, ainda que subsidiariamente.

Enquanto as normas jurídicas brasileiras ao aplicarem o direito se utilizam primeiramente da Lei, o direito norteamericano busca primeiramente usar os case laws, para somente depois a literalidade da lei.

O tribunal do júri norteamericano, desde os tempos primórdios, estabeleceu que fosse de sua competência os casos tanto cíveis quanto criminais, no entanto, no surgimento do tribunal brasileiro, ficou instituído que os crimes de sua competência eram os crimes de responsabilidade da imprensa. Porém, vale declarar que na Constituição brasileira de 1824, também ficou estabelecido o julgamento do tribunal do júri para os casos cíveis e criminais.

Somente com a Constituição de 1946 ficou consagrada a competência do júri para os crimes dolosos contra a vida, modelo este vigente até hoje.

Destarte, as diferenças entre os tribunais do estudo em questão são observadas desde o embrião de tais institutos.

4.2 DIVERGÊNCIAS E SIMILITUDES NAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS DOIS MODELOS

Imperioso explanar novamente sobre os delitos de competência do júri brasileiro, os quais são os dolosos contra a vida (homicídio, infanticídio, aborto, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio), constantes no § 1º do artigo 74 do Código de Processo Penal Brasileiro. No entanto, os de competência do tribunal do júri norteamericano são todos os crimes, exceto os de responsabilidade, ressaltando que, para julgamentos criminais, o acusado tem de ser condenado a mais de 6 (seis) meses de pena privativa de liberdade e, para julgamentos cíveis, o valor da causa tem de exceder 20 (vinte) dólares, conforme o disposto nas Emendas VI e VII da Constituição Americana.

Urge frisar sobre outra diferença gritante entre os dois modelos, qual seja a existência de pena de morte nos Estados Unidos em pelo menos 38 (trinta e oito) de seus 50 (cinqüenta) Estados e, em contrapartida, a Constituição da República Federativa do Brasil em sua alínea “a”, inciso XLVII do art. 5º, prevê que não haverá penas de morte no Brasil, salvo em caso de guerra declarada.

Dentre os princípios constitucionais que devem ser necessariamente respeitados no júri brasileiro, como já explanado, se encontram o da plenitude da defesa, o do sigilo das votações, da soberania dos veredictos e da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Em discordância do modelo brasileiro de júri, o norteamericano não prevê o sigilo das votações e a incomunicabilidade dos jurados, pois como é cediço, os jurados decidem conjuntamente sobre o veredito (regra que vale para grande maioria dos Estados norteamericanos).

Ademais, a soberania dos vereditos prezada pelo instituto do tribunal do júri brasileiro não é abarcada pelo modelo norteamericano, pois neste o acusado tem sempre a possibilidade de recorrer, diferentemente do júri brasileiro que encontra poucas ressalvas para

a soberania dos vereditos, dentre elas a possibilidade da revisão criminal após a sentença condenatória transitada em julgado e a anulação do conselho de sentença, por exemplo, pela não observância da incomunicabilidade dos jurados.

Outrossim, nos Estados Unidos, como já mencionado no presente trabalho, há a possibilidade de o juiz rejeitar o veredito quando estiver convencido da não razoabilidade da sentença, ocasião em que será chamado novo corpo de jurados para o julgamento e, tal medida é contrária ao que dispõe o princípio da soberania dos veredictos.

No tangente ao princípio brasileiro da competência dos crimes dolosos contra a vida, não cumpre descrever sobre maiores manifestações, uma vez que já foi exposto sobre a discrepância entre as competências dos dois modelos.

Outra diferença que convém salientar é a de que o direito a um julgamento pelo júri, para o tribunal norteamericano, é um privilégio do acusado, podendo este dispor ou não dessa benesse, desde que presentes os requisitos supracitados nos casos cíveis ou criminais. Para o modelo de júri brasileiro, é obrigado (em tese) o acusado ser julgado pelo júri desde que cometa um dos crimes dolosos contra a vida.

Vale dispor sobre uma característica divergente, senão a mais importante entre os modelos, de que o veredicto no júri norteamericano deve ser unânime (na maioria dos Estados) enquanto o veredicto dos jurados brasileiros é por maioria de votos.

No ordenamento jurídico brasileiro, a competência do júri para os crimes dolosos contra a vida, bem como as regras concernentes ao tribunal do júri, se aplicam para todos os Estados; entretanto, nos Estados Unidos, os seus Estados possuem bastante autonomia, podendo variar de Estado para Estado questões atinentes ao Tribunal do Júri. Exemplos dessa discrepância entre os Estados norteamericanos é a questão da pena de morte, existente em alguns Estados e outros não, bem como a questão da possibilidade de o acusado desistir do júri em crimes graves, pois em alguns Estados isso não é possível.

Uma semelhança que é abarcada nos dois modelos do estudo em questão é a da fruits of the poisons trees a qual estabelece que não serão aceitas as provas obtidas por meios ilícitos, pois se o meio foi ilícito, a prova também estaria contaminada. O direito brasileiro adotou tal doutrina baseando-se no modelo norteamericano, e referidas provas viciadas não são aceitas tanto nos tribunais do júri americanos quanto nos brasileiros.

Outra doutrina existente no Brasil, que teve como fonte o direito norteamericano é a da cross examination, que consiste na argüição direta das testemunhas pela parte contrária. Tal doutrina foi abarcada no Brasil após a reforma do Código de Processo Penal pela Lei nº. 11.690/08 (CAPEZ, 2011).

Indispensável declarar sobre outra semelhança encontrada entre os modelos em questão, a qual diz respeito à alocução explicativa do juiz antes de os jurados irem para a sala secreta. Tal procedimento é encontrado no júri norteamericano uma vez que de acordo com o princípio da Allen Charge, o juiz, em alguns Estados norteamericanos, pode fazer uma alocução explicativa aos jurados. No ordenamento jurídico brasileiro tal explicação, de como se procederá a votação dos quesitos e a formação do veredicto na sala secreta, sempre é permitida, em discordância com o ordenamento Estadunidense que só permite em alguns Estados.

Ainda no tocante às semelhanças, a 5ª Emenda da Constituição norteamericana confere ao acusado o direito de não produzir prova contra si mesmo (privilege against self- incrimination), direito este concedido também ao réu brasileiro no inciso LXIII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Tal inciso dispõe sobre o direito do preso de permanecer calado, porém o âmbito da abrangência desta norma é bem maior, uma vez que é analisado pela maioria dos doutrinadores como a máxima que ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo (SANTOS, 2009).

Outro ponto semelhante que cumpre frisar é que, tanto no modelo do júri norteamericano quanto no brasileiro, o veredicto dos jurados tem de estar em conformidade com os elementos probatórios apresentados em plenário. Em contrapartida, se a decisão dos jurados brasileiros não estiver em concordância com o que foi exposto, caberá apelação, conforme alínea “d” do inciso III do art. 593 do Código de Processo Penal:

Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: [...]

III – das decisões do Tribunal do Júri, quando: [...]

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária a prova dos autos (BRASIL, 2009, p. 107).

Relevante descrever que a apelação da sentença condenatória ou absolutória, proferida no Tribunal do júri brasileiro, com fundamento no artigo supracitado, é a mais controversa e complexa das hipóteses previstas em tal dispositivo (NUCCI, 2008b, p. 395).

4.3 DIVERGÊNCIAS E SEMELHANÇAS NO PROCEDIMENTO DO JÚRI NOS DOIS

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