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CAPÍTULO 3: O SURGIMENTO DOS CME E SME NO ESTADO DE MINAS

3.2 O SURGIMENTO DOS CME E SME NO CONTEXTO NORMATIVO DE MUNICIPALIZAÇÃO DA

De acordo com Duarte e Oliveira (2012), as imprecisões nas orientações para criação de CME e SME não se restringem ao estado de Minas Gerais. As dúvidas geradas pelos atos normativos estaduais, a Constituição do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 1989) e o Parecer CEE/MG n. 500/1998 (MINAS GERAIS, 1998a)76decorreram da “ausência de norma

de âmbito federal” (DUARTE; OLIVEIRA, 2012, p. 258) e contribuíram para “indefinições sobre a atuação [dos CME] no que se refere à gestão colegiada das políticas educacionais municipais” (Ibid., 2012, p. 243).

76 Conforme abordado na introdução deste estudo, esse parecer, discutido ao longo desta seção, estabelece

critérios para a organização dos Sistemas Municipais de Ensino do estado de Minas Gerais, “com o objetivo de facilitar a decisão dos municípios em relação à opção de que trata o parágrafo único do art. 11 da Lei 9.394/1996” (MINAS GERAIS, 1998a, p. 11)

Em Minas Gerais, os atos normativos referentes à criação dos CME e do SME - a

Constituição do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 1989) e o Parecer n. 500, de 13

de maio de 1988 (MINAS GERAIS, 1998a) -, entabulados em conformidade com dispositivos constitucionais, parecem não ter cumprido com o propósito de esclarecer plenamente os municípios sobre a importância da criação desses órgãos.

A Constituição do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 1989), anterior à LDB

n. 9.394/96 (BRASIL, 1996b), responsável por adequar os princípios constitucionais à

realidade estadual, estabelece, no artigo 206, inciso I, a competência do CEE/MG de “baixar

normas disciplinadoras dos sistemas estadual e municipal de ensino” (MINAS GERAIS, 1989, p. 104), e no seu artigo 182, que tanto a cooperação técnica como financeira do Estado “para a manutenção de programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental e para a prestação de serviços de saúde de que trata o art. 30, VI e VII, da Constituição da República, obedecerá ao plano definido em lei estadual” (MINAS GERAIS, 1989). Em seu parágrafo único, a Constituição estadual dispõe que “a cooperação somente se dará por força de convênio que, em cada caso, assegure ao Município os recursos técnicos e financeiros indispensáveis a manter os padrões de qualidade dos serviços e a atender às necessidades supervenientes da coletividade” (MINAS GERAIS, 1989).

A publicação do Parecer CEE/MG n. 500/1998 (MINAS GERAIS, 1998a), que orienta

a organização dos SME em Minas Gerais, não ocorreu num vazio, mas no contexto político indutor da municipalização da educação no estado de Minas Gerais (SARMENTO, 2005a; RESENDE, 2007). Na opinião de Sarmento (2005a, p. 1376), o documento normativo “é extremamente cuidadoso em nada impor, nem mesmo interferir nas decisões municipais, mas possibilitar que os municípios refletissem sobre o significado da decisão de criar ou não

sistemas municipais de ensino e sobre as alternativas para regulamentá-los”.

De relatoria de Glaura Vasques de Miranda, defensora da municipalização da Educação Infantil (RESENDE, 2007), o Parecer Mineiro (MINAS GERAIS, 1998a) reconhece o CME como “órgão deliberativo, normativo e consultivo, criado por legislação municipal e instalado pelo Poder Executivo Municipal” (MINAS GERAIS, 1998a, p. 8). O documento esclarece que a administração da educação municipal pressupõe órgão municipal de educação ou Secretaria Municipal de Educação, qualquer que seja a opção de organização do município, que deve contar com “equipes técnicas destinadas à administração, planejamento, coordenação e acompanhamento das escolas públicas” (MINAS GERAIS, 1998a, p. 8).

O Parecer explicita, inclusive, as condições para instituição de SME: intencionalidade, gestão democrática, descentralização, autonomia da escola, universalização do atendimento, controle social e regime de colaboração, sendo que esse último pressupõe: i) “negociação entre as partes”; ii) formalização registrada legalmente e iii) deliberação de cada parte (MINAS GERAIS, 1998a, p. 5). Além disso, explicita que concebe SME como

[...] um conjunto de instituições de ensino, públicas ou privadas, de diferentes níveis e modalidades de educação e de ensino, de órgãos educacionais, administrativos, normativos e de apoio técnico, elementos distintos, mas interdependentes, que interagem entre si com unidade e coerência (o que não exclui contradições e ambiguidades) a partir de um conjunto de normas comuns elaboradas pelo órgão competente, visando ao desenvolvimento do processo educativo (MINAS GERAIS, 1998a, p. 2).

O documento normativo dispõe sobre as três opções que se apresentam para os municípios: “a) construir seu próprio SME; b) integrar-se ao Sistema Estadual de Ensino; c) compor com o Estado um Sistema Único de Educação Básica” (MINAS GERAIS, 1998a, p. 5).

De acordo com o Parecer, a primeira opção permite ao município o exercício da autonomia, “segundo seus interesses e peculiaridades” (MINAS GERAIS, 1998a, p. 5), exigindo a observância de: i) organização da educação escolar; ii) condições objetivas de acesso e de permanência na escola; iii) rede escolar mantida pelo poder público municipal e administrada pelo órgão executivo municipal; iv) concepção pedagógica; v) normas pedagógicas e administrativas de gestão, pressupondo a presença de um órgão normativo; vi) plano de educação (MINAS GERAIS, 1998a, p. 6). Entretanto, o documento deixa claro que a opção não se dá automaticamente; a institucionalização pressupõe aprovação pela Câmara Municipal de Ensino e comunicação do Prefeito Municipal ao CEE/MG e à Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) de “constituição do Sistema Municipal de Ensino para o efeito de registro e providências relativas à transferência, pelo setor competente da SEE, da documentação existente relativa às escolas que passarão a integrá-lo” (MINAS GERAIS, 1998a, p. 6). A segunda opção, a integração ao Sistema Estadual de Ensino, requer observância das normas estabelecidas pelo CEE/MG. Para os municípios que não instituírem seus SME, as escolas e os cursos continuam a ser credenciados, supervisionados, reconhecidos e avaliados pela SEE. Nessa opção, o documento normativo do CEE/MG destaca que o ente federado poderá criar seu CME, com ou sem delegação de competência,77

77 A delegação de competências destacada no Parecer CEE/MG n. 500/1998 (MINAS GERAIS, 1998a) autoriza

os CME a agilizarem o processo inicial de autorização de funcionamento das instituições de educação do município, enviando-o à SEE/MG para análise e pronunciamento.

sendo responsável por sua própria rede escolar, administrando-a por meio de seu órgão executivo da educação (MINAS GERAIS, 1998a, p. 6).

Sobre a delegação de competências, convém salientar o Parecer CNE/CEB n. 12/97 (BRASIL, 1997c), de relatoria de Ulysses de Oliveira Panisset, para o qual “as competências dos Conselhos Estaduais de Educação devem ser por eles exercidas, cabendo aos sistemas municipais exercitar as que a lei lhes confere” (BRASIL, 1997 p. 5), de acordo com o parágrafo único do artigo 11 da LDB n. 9.394/96 (BRASIL, 1996b), não sendo cabível, portanto, menção à “delegação de competências” pelos Conselhos Estaduais de Educação. Em consonância com esses argumentos, o Parecer CNE/CEB n. 30/2000 (BRASIL, 2000, p. 25) explica que a segunda opção, “empiricamente, pode ser aproximada da situação vigente sob a lei n. 5.692/71, mas à luz do novo ordenamento jurídico que contempla a autonomia municipal”. Todavia, o documento esclarece que, para os dispositivos constitucionais e a LDB n. 9.394/96 (BRASIL, 1996b), “qualquer invasão de competências toma, então, um caráter anticonstitucional” (BRASIL, 2000, p. 25, grifo do autor).

Observa-se que o CEE/MG, após a LDB n. 9.394/96 (BRASIL, 1996b) e o Parecer CNE/CEB n. 30/2000 (BRASIL, 2000, p. 25), continuou delegando parte de suas atribuições a CME, nos termos do artigo 71 da Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971).78

Evidência disso é o Parecer n. 490/08 (MINAS GERAIS, 2008), documento normativo aprovado em 30 de abril de 2008, que examina expediente referente ao Parecer CEE/MG n. 688/07 (MINAS GERAIS, 2007), aprovado em 30 de maio de 2007, sobre pedido de delegação de competência ao CME de Betim. O Parecer n. 490/08 (MINAS GERAIS, 2008) toma conhecimento da criação do CME de Betim, ocorrida em 1995, e aprova delegação para credenciar, autorizar, reconhecer, acompanhar e avaliar as instituições de Educação Básica e outros procedimentos. Por fim, o documento esclarece à Supervisora Regional da Educação “[...] que a delegação de competência concedida ao Conselho Municipal de Betim é a mesma concedida ao Conselho Municipal de Contagem”79 em 1984 (MINAS GERAIS, 2008).

78 De acordo com o artigo 71 da Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971), “os Conselhos

Estaduais de Educação poderão delegar parte de suas atribuições a Conselhos de Educação que se organizem nos Municípios onde haja condições para tanto”. Souza e Vasconcelos (2013, p. 133) lembram que, desde os anos 1970, alguns CME do estado do Rio de Janeiro já atuavam com funções consultivas e normativas. A delegação de competências, segundo os autores, era denominada transferência de responsabilidades e “[...] dava-se, entre outros motivos, pela impossibilidade de as Secretarias Estaduais de Educação, com a crescente ampliação das redes de ensino pública e privada nos municípios, atenderem às demandas locais por regulamentação, supervisão e fiscalização, especialmente do ensino fundamental, permitindo que os municípios que possuíssem condições estruturais assumissem essas responsabilidades” (SOUZA; VASCONCELOS, 2013, p. 133).

A terceira opção apresentada aos municípios,80 a composição com o Estado de um

Sistema Único de Educação, é posta pelo Parecer CEE/MG n. 500/1998 (MINAS GERAIS, 1998a, p. 7) como uma decisão negociada e compartilhada, que pressupõe outro tipo de relação entre os dois entes federados (município e estado), para além do regime de colaboração. O CEE/MG admite duas hipóteses para a instituição do Sistema Único: i) competência normativa “estendida a todas as escolas estaduais, municipais e particulares locais”, com documento assinado pelo Município, Secretaria de Educação e CEE/MG; ii) sistema Único Regional, com normas definidas por um Conselho Regional de Educação Básica (MINAS GERAIS, 1998a, p. 7).

Em que pesem as orientações do Parecer, Sarmento (2005b, p. 6) advoga que as dúvidas reveladas pelos municípios de Minas Gerais81 acerca da decisão pelo SME

evidenciam desconhecimento desses entes federados sobre o conceito e o significado de um SME. Segundo a pesquisadora, o conhecimento comum, advindo da Carta Magna (BRASIL, 1988), de que a gestão é mais eficaz quanto mais próxima estiver da execução gerou confusão entre os conceitos municipalização e sistema municipal82 (SARMENTO, 2005a, p. 1373).

Entende-se que a municipalização significa

[...] transferência da educação infantil e do ensino fundamental para os Municípios com a responsabilidade, não só de gerenciar as escolas, como também de dar garantia de manutenção e desenvolvimento do ensino. É de ressaltar que os encargos do ensino fundamental são compartilhados com o governo estadual (RESENDE, 2007, p. 21).

Estudo histórico de Resende (2007, p. 17) demarca o processo de municipalização da

educação no estado de Minas Gerais desde o período colonial até 2002, enfatizando os aspectos políticos, sociais e econômicos do processo, que “serviu como um mecanismo de consolidação dos interesses locais de grupos aliados, motivados pela manutenção de vantagens políticas provenientes do repasse do governo estadual” (p. 228). A pesquisa mostra

80 O Parecer CNE/CEB n. 30/2000 (BRASIL, 2000, p. 25), por seu turno, explica que, no caso dessa opção, “[...]

o caráter binário de repartição de competências se dilui e une o ensino, em toda a sua extensão, entre os optantes, num mesmo território e para as questões de igual natureza”. Duarte e Oliveira (2013, p. 167) destacam que a terceira opção, avançada para o modelo jurídico brasileiro daquele momento, embora não efetivada, vem ao encontro “dos princípios debatidos pela Conferência Nacional de Educação (CONAE) realizada em 2010, cuja temática foi intitulada Construindo o Sistema Nacional Articulado: o Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação” (grifos das autoras).

81 Sarmento (2005b, p. 6) descreve que “em Patos de Minas, a Superintendente de Ensino e a Secretária

Municipal de Educação foram à Câmara para esclarecer sobre o significado desses processos. No município de Caratinga, durante a tramitação no Legislativo foi acrescentada uma emenda tratando da escolha dos dirigentes escolares por eleição direta, o que foi vetado pelo Executivo. Belo Horizonte informou ter sido a criação do sistema resultado de negociações entre os poderes executivo e legislativo. Em Juiz de Fora, o processo foi discutido com o Conselho Municipal de Educação, existente desde o ano 1984”.

a participação dos municípios mineiros nas políticas de educação no período que antecede à CF de 1988 (BRASIL, 1988) e a forma como os governos federal e estadual induziram a concretização da municipalização. Para a autora, o processo de municipalização no Estado “teve momentos de centralização, descentralização e desconcentração de acordo com os momentos históricos e os respectivos governos” (p. 231).

Resende (2007) demonstra que, no período compreendido entre 1971 e 199083,

impulsionada pela LDB n. 5.692 (BRASIL, 1971),84 pela CF de 1988 (BRASIL, 1988) e pela

Constituição do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 1989), durante os “governos de Rondon Pacheco (1971- 1975), Aureliano Chaves (1975-1978), Ozanan Coelho (1978-1979), Francelino Pereira (1979-1983), Tancredo Neves (1983-1984), Hélio Garcia (1984-1987) e Newton Cardoso (1987-1990)”, a municipalização envolveu debates e a “implementação de programas” (p. 25). Nesse período,

[...] o governo mineiro, aproveitando-se do apoio que teve da legislação federal que induzia de certa forma à municipalização do ensino, apressou o processo. O governo estadual impôs duas situações aos Municípios: uma absorver toda a demanda da educação infantil e depois a do ensino fundamental; outra era de que deveria haver a municipalização de escolas estaduais, ficando o Estado responsável apenas pelas séries finais do ensino fundamental e pelo ensino médio, sob a justificativa de universalização deste último, o que não se efetivou até hoje (RESENDE, 2007, p. 25).

De acordo com a autora, os programas tinham o propósito de induzir os municípios à municipalização, levando-os a acreditarem que “o governo do estado não iria abandoná-los após a municipalização” (RESENDE, 2007, p. 180). Entretanto, as melhorias das condições prometidas não se concretizaram. O que se observou, no período, foram severas restrições impostas à contratação de funcionários nas escolas públicas, “movimentos sociais de luta

83 Souza e Faria (2004, p. 928) demarcam “o conjunto de determinações internacionais que recaem sobre as

reformas do ensino ao longo dos idos de 90, há de se observar, igualmente, a importância que assumem as recomendações advindas de diversos fóruns mundiais e regionais. A Conferência de Jomtien (em 1990, na Tailândia), por exemplo – patrocinada pelo BM, em conjunto com o PNUD, a UNESCO e a UNICEF (DE TOMMASI, 1996) – viria a servir de referência, no Brasil, para o Plano Decenal de Educação para Todos (1993- 2003) e para o Plano Nacional de Educação (1998). Este evento, considerado um marco, em especial para os nove países então com a maior taxa de analfabetismo do mundo (Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão) – conhecidos como “E-9” – impulsionou-os a desencadear ações em direção aos compromissos firmados na chamada Declaração de Jomtien (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2002), estabelecendo determinações que se estendem da intenção em satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, da universalização do acesso à educação e da promoção da equidade (NOGUEIRA, 2001), passando por mudanças no modelo de gestão da educação (FREITAS, 1998) e, culminando, de modo mais contundente, na definição de competências e responsabilidades das instâncias de governo em relação à gestão e financiamento da Educação Básica (ABICALIL, 2001)”.

84 BRASIL. Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1 e 2º graus, e dá

outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 12 ago. 1971. De acordo com Resende (2007, p. 21), “o princípio da municipalização apareceu explicitamente na legislação brasileira, trazendo mudanças mais significativas no âmbito das redes de ensino”.

contra a racionalização desmedida do governo mineiro e pelas intimidações por parte do governo do Estado” (RESENDE, 2007, p. 155).

Vale lembrar, com Sarmento, que, nos anos 1991 a 1998, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais

[...] desenvolveu uma política de municipalização do ensino fundamental e da educação infantil, que só não foi mais intensa pela atuação da UNDIME/MG, orientando e articulando os municípios nas negociações com o estado. Mesmo assim, a municipalização criou dificuldades para muitos municípios que tentaram reverter o processo na gestão 1999-2002 e também criou problemas para o estado (SARMENTO, 2005a, p. 1377).

Embora o Parecer Mineiro (MINAS GERAIS, 1998a) reconheça que a instituição de SME atribuiria autonomia aos municípios, o estudo de Resende (2007) demonstra que as condições discriminadas no documento, especialmente as condizentes ao regime de colaboração entre os entes federados, não foram respeitadas no processo de municipalização da educação no estado de Minas Gerais, intensificado em 1994 e concretizado por meio da Lei n. 12.768/9885 (MINAS GERAIS, 1998b), que alterou o artigo 197 da Constituição do

Estado de Minas Gerais. Segundo a autora,

[...] na realidade, os convênios de municipalização foram padronizados pela SEE/MG, assinados às pressas, não retratando, na maioria das vezes, a realidade do Município. Além disso, a partir da assinatura desses convênios percebemos que os problemas surgem em decorrência da falta de discussão sistemática com os “atores” envolvidos nesse processo (RESENDE, 2007, p. 201).

Para Resende, o processo representou “apenas um repasse burocrático de recursos que, na maioria das vezes, não foi cumprido rigorosamente, para que os Municípios ficassem

responsáveis por atividades antes desempenhadas pelo governo estadual” (RESENDE, 2007,

p. 227). A política de municipalização, segundo a autora, foi induzida, também, por outros

dispositivos. A Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996 (BRASIL, 1996a),

85 MINAS GERAIS. Lei Estadual n. 12.768/98, de 22 de janeiro de 1998. Regulamenta o artigo 197 da

Constituição do Estado, que passa a ter a seguinte redação: “Art. 197 – A descentralização do ensino, por cooperação, na forma da lei, submete-se às seguintes diretrizes: I – atendimento prioritário à escolaridade obrigatória; II – garantia de repasse de recursos técnicos e financeiros. Parágrafo único – A cessão de pessoal do magistério se dará com todos os direitos e vantagens do cargo, como se em exercício em unidade do sistema estadual de ensino. (Artigo regulamentado pela Lei nº 12.768, de 22/1/1998)” (MINAS GERAIS, 1998a). De acordo com Resende, a Lei “regulamentou a descentralização do ensino em Minas Gerais, determinando a cooperação entre o Estado e os Municípios, a fim de garantir o atendimento prioritário ao ensino fundamental e o repasse de recursos técnicos e financeiros provenientes do FUNDEF, correspondentes ao número de matrículas do ensino fundamental regular das escolas assumidas pelo Município”. O artigo 2º da mencionada Lei, de acordo com a autora, “prevê que a descentralização do ensino compreende a transferência de escolas de educação infantil e de ensino fundamental da rede pública do Estado de Minas Gerais aos municípios e que essa transferência está condicionada a uma Lei Municipal autorizativa” (RESENDE, 2007, p. 199). Mais tarde, o Decreto n. 39.677, de 24 de junho de 1998, regulamenta os dispositivos da Lei n. 12.768/98, “propiciando mais estabilidade ao processo de municipalização do ensino em todo o estado” de Minas Gerais" (RESENDE, 2007, p. 199).

modifica os artigos 34, 208, 211 e 212 da CF de 1988 (BRASIL, 1988) e dá nova redação ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, alterando o financiamento da educação. A Lei n. 9.424/96 (BRASIL, 1996c) e o Decreto n. 2.264, de 27 de junho de 1997 (BRASIL, 1997a) regulamentaram o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério (FUNDEF) e “mantiveram a obrigatoriedade de aplicação de 25%

dos recursos resultantes de impostos e transferências na educação” (RESENDE, 2007, p. 21). Sarmento (2005b, p. 3) destaca que “os anos de 1997 em diante [foram] marcados por pressões junto aos municípios, com base na Emenda 14 e na Lei 9424/96, para assumirem o Ensino Fundamental, considerado sua responsabilidade prioritária”.

Dos 853 municípios mineiros, Resende (2007) demonstra que 684 “aderiram à municipalização do ensino em 1998, ou seja, cerca de 80,18%” (p. 202). “Apenas os Municípios de Belo Horizonte e Juiz de Fora não municipalizaram escolas estaduais no período de 1994 a 1998” (SARMENTO, 2005b, p. 5). A Tabela 4 sintetiza a adesão à municipalização no estado de Minas Gerais no período de 1994 a 1998.

Tabela 4 - Municipalização do ensino no estado de Minas Gerais, 1994-1998

ANO N. DE MUNICÍPIOS N. DE ESCOLAS N. DE TURMAS N. DE ALUNOS

1994-1996 291 548 2.236 55.955

1997 203 438 2.760 74.266

1998 684 2050 14.961 414.070

Total 3.036 19.957 544.291

Fonte: Resende (2007, p. 202).

De acordo com a autora, o governo de Itamar Franco (1999-2002) desacelerou o

processo, com exigências de “critérios de qualidade para concretizar a municipalização”

(RESENDE, 2007, p. 227), retomando o “atendimento dos alunos do ensino fundamental pelo

Estado de Minas Gerais” (RESENDE, 2007, p. 215). Entretanto, com “a desaceleração da

municipalização do ensino, não houve mudanças significativas quanto ao atendimento à demanda de alunos nos Municípios, pois esse processo já havia sido consolidado na gestão governo anterior, tendo por base a legislação federal e estadual” (RESENDE, 2007, p. 222). Por outro lado, as medidas de estadualização das matrículas do Ensino Fundamental “não tiveram a adesão da maioria dos Municípios [e provocaram] desconforto e manifestações por parte de educadores e sindicatos”, indicando que “antes os municípios tinham receio de aderir à municipalização, mas após os convênios e o incentivo da legislação federal, por meio do FUNDEF, não quiseram abrir mão de permanecerem com as escolas sob sua responsabilidade” (RESENDE, 2007, p. 216).

Diante do apresentado, confirmam-se as conclusões de Sarmento (2005b, p. 22) de que “[...] as mudanças municipais ocorreram induzidas por políticas no âmbito federal e estadual, mas o rumo dado à apropriação das novas possibilidades firmou-se em função do contexto e das características de cada município”. Posto isso, a próxima seção analisa os aspectos contextuais que contribuíram para o surgimento dos CME e SME da pesquisa.

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