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TÉCNICA DE DISTINÇÃO NO SISTEMA DE PRECEDENTE JUDICIAL E A

O processo tem como resultado principal a tutela aos direitos dos jurisdicionados. Para o alcance deste resultado, é necessária a adoção de uma dimensão geral e objetiva em que se utilize um discurso voltado imediatamente à ordem jurídica, consubstanciado na compreensão de que as razões que levaram a determinado julgamento devem ser replicadas para outras hipóteses fáticas, sempre que os mesmos fatos jurídicos, entendidos por relevantes no feito pretérito, estiverem presentes na situação em julgamento. Assim, deve-se manter a conformidade da ordem jurídica isonômica, através do respeito aos precedentes.173

No entanto, a busca pela igualdade e por decisões de caráter universalizante no sistema de precedentes, não significa que os casos distintos não devam receber tratamento diferenciado. Essa necessidade é garantida pela técnica da distinção do feito em julgamento, utilizada para se outorgar a adequada solução a fatos dotados de aspectos que exijam tratamento distinto. Com essa técnica, permite-se o desenvolvimento do direito, por meio da

171 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da

República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 jun. 2020.

172 PEIXOTO, Ravi. A superação de precedentes (overruling) no Código de Processo Civil de 2015. Revista de

Processo Comparado, v. 3, p. 121-157, jan./jun. 2016. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

173 ABREU, Rafael Sirangelo de. Igualdade e processo. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. E-book.

elaboração de novos precedentes, para incorporar particularidades distintas, ou, ainda, a aplicação do precedente a outras situações.174

Deve-se, assim, considerar que a aplicação indistinta do precedente, além de contrariar a sua natureza, provocará uma ruptura de determinadas relações jurídicas, pela inobservância de particularidades da situação concreta que poderiam justificar uma conclusão diversa. Além disso, tratar eventos diferentes como similares, aplicando-lhe um precedente que não se ajusta adequadamente ao contexto fático da lide, infringe a garantia constitucional da fundamentação das decisões e a justa prestação jurisdicional.175

Desta forma, ainda que os precedentes possuam força vinculante, o juiz pode desatender o precedente quando justificar que deve formular uma solução mais adequada à situação que está decidindo. Os precedentes devem ser aplicados a fatos semelhantes, desde que inexistam razões fortes o suficiente para afastá-los. No caso de o juiz concluir que a situação em análise é distinta de todas as outras já julgadas, não estará vinculado ao precedente.176 Assim, há uma alusão ao precedente; porém, em razão de uma peculiaridade, a regra deve ser reformulada para se adaptar a esta nova circunstância, em virtude de uma especificidade existente no precedente modelo que não existe na hipótese em julgamento.177

Neste sentido, Marinoni destaca que a força obrigatória dos precedentes poderia ser verificada como fator equalizador de situações desiguais, ao passo que a necessidade de respeito aos precedentes um obstáculo ao tratamento diferenciado das situações que, por sua dessemelhança, não poderiam ser tratados de forma uniforme. No entanto, respeitar precedentes não significa segui-los incondicionalmente. Pelo contrário, não é possível considerar os benefícios gerados pelo respeito aos precedentes como a previsibilidade e a estabilidade, sem considerar os prejuízos decorrentes da sua inadequada utilização.178

Assim, ao adotar o distinguishing, o órgão julgador poderá estar diante de duas possibilidades: i) as diferenças substanciais entre o possível precedente e a questão em

174 MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual

da corte suprema. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

175 ARAGÃO, Nilsiton Rodrigues de Andrade; RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. A efetiva aplicação do

distinguishing na fundamentação das decisões pautadas em precedentes judiciais como garantia da prestação jurisdicional específica e individualizada. Revista de Processo, v. 303, p. 369-388, maio. 2020. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

176 CARNEIRO JUNIOR, Amilcar Araújo. Parâmetros do common law para a elaboração de um novo sistema:

necessidade de uma atitude de vanguarda. In: ALVIM, Teresa Arruda (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 2. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

177 MADEIRA, Daniela Pereira. O novo enfoque dado à jurisprudência e a sociedade moderna. In: ALVIM,

Teresa Arruda (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 2. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

julgamento, resultam na inaplicabilidade daquela anterior decisão. Não significa que a ratio

decidendi está certa ou errada, apenas foi originada de fatores diferentes no plano dos fatos ou

do direito e, por isso, não será utilizada para reger a demanda em apreciação. ii) a presença no feito em apreciação de um fato substancial que estava ausente no paradigma, de forma que exige a formação de uma solução específica, uma adaptação da ratio decidendi do precedente. Estabelece-se uma outra condição de fato que passa a ser relevante, para que se chegue a mesma regra do julgamento anterior.179

Para realizar o distinguishing, não é suficiente o juiz apontar fatos diferentes, é preciso fundamentar de modo a demonstrar que a distinção é material, e que a justificativa é convincente e capaz de permitir o isolamento do caso sob julgamento em face do precedente. Desse modo, fatos não fundamentais ou irrelevantes não tornam os feitos desiguais, logo não justificam a aplicação da técnica de distinção.180

Pode-se inferir, então, que a aplicação correta do precedente e seu afastamento, pela distinção, nos casos de contexto fático substancialmente diverso, possibilita a preservação da isonomia, uma vez que impede a adoção de soluções distintas para hipóteses semelhantes e a mesma solução para casos substancialmente diferentes. Atenta-se para a premissa de que o julgamento célere não pode se sobrepor ao julgamento isonômico e eficaz. Neste sentido, é assegurada, igualmente, a segurança jurídica, enquanto amparada pela previsibilidade das decisões judiciais, a fim de se evitar a ruptura a cada decisão, bem como a garantia ao acesso à jurisdição. Evita-se a mera invocação de precedentes sem considerar as peculiaridades do caso concreto.181

O distinguishing é, assim, um método de confronto, no qual o magistrado avalia se a demanda em julgamento pode ou não ser considerada análoga ao caso paradigma.182 Para tanto, o julgador deve estabelecer com segurança o contexto fático da controvérsia em julgamento, e compará-la com os fatos sobre os quais se desenvolverá o precedente. Na hipótese de apresentarem diferenças em nível essencial, não poderão ser aplicados ao caso em

179 FERRAZ, Taís Shilling. O precedente na jurisdição constitucional: construção e eficácia do julgamento da

questão com repercussão geral. São Paulo: Saraiva, 2017. E-book. Acesso restrito via Saraiva.

180 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 181 ALVES, Marília Brezzan Rodrigues. O papel do distinguish na argumentação/fundamentação de pedidos e

decisões judiciais. Revista de Direito Tributário Contemporâneo, v. 18, p. 17-33, maio/jun.. 2019. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

182 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,

julgamento, ainda que correlata a matéria objeto do litígio. Assim, não havendo compatibilidade no suporte fático, o caso estará fora do âmbito de incidência do precedente.183

O termo distinguish poderá ser utilizado: ou para designar o método de comparação entre o caso concreto e o paradigma (distinguish-método), ou para designar o resultado desse confronto, nas situações em que se entende haver alguma diferença (distinguish-resultado).184 Essencial destacar que a distinção vai além da inaplicabilidade do precedente no fato concreto em análise, sendo que o magistrado pode, ainda, utilizar-se do distinguishing ampliativo e do distinguishing restritivo, quando a situação assim permitir. Nesta hipótese, não se tem propriamente uma distinção do precedente, pois este é efetivamente aplicado à situação concreta, porém é realizada uma adequação aos fatos substanciais em relação aos quais deve ser aplicado. A utilização desta distinção não proporcionará a formação de uma nova ratio decidendi, mas apenas ampliará ou diminuirá o âmbito de incidência do precedente.185

Neste sentido, a distinção será ampliativa quando a compreensão dos fatos embora não estivesse presente no caso originário, sua presença, na hipótese em análise, não afasta a incidência da ratio decidendi. Por outro lado, será restritiva na hipótese em que fatos constantes do precedente forem considerados dispensáveis para sua aplicação, uma vez que sua exclusão não altera o sentido da norma.186

Na hipótese de o magistrado observar que há distinção (distinguishing) entre o caso sub judice e o do precedente paradigma, poderá:

i) dar à ratio decidendi uma interpretação restritiva, por entender que peculiaridades do caso concreto impedem a aplicação da mesma tese jurídica outrora firmada (restrictive distinguishing), caso em que julgará o processo livremente, sem vinculação ao precedente, nos termos do art. 489 §1º, VI e art. 927, §1º, CPC; ii) ou estender ao caso a mesma solução conferida aos casos anteriores, por entender que, a despeito das peculiaridades concretas, aquela tese jurídica lhe é aplicável (ampliative

183 ARAGÃO, Nilsiton Rodrigues de Andrade; RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. A efetiva aplicação do

distinguishing na fundamentação das decisões pautadas em precedentes judiciais como garantia da prestação jurisdicional específica e individualizada. Revista de Processo, v. 303, p. 369-388, maio. 2020. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

184 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13.

ed. Salvador: Juspodivm, 2018. v. 2.

185 PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes desenvolvido pelo CPC/2015: uma análise sobre a adaptabilidade

da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistent distinguishing) Revista de Processo, v. 248, p. 331-355, 2015. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

186 ARAGÃO, Nilsiton Rodrigues de Andrade; RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. A efetiva aplicação do

distinguishing na fundamentação das decisões pautadas em precedentes judiciais como garantia da prestação jurisdicional específica e individualizada. Revista de Processo, v. 303, p. 369-388, maio 2020. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

distinguishing), justificando-se nos moldes do art. 489, §1º, V, e art. 927, §1º,

CPC.187

Para a aplicação adequada da distinção e a fim de garantir o devido respeito ao precedente considerado, é relevante que o magistrado utilize-se de uma fundamentação robusta com o objetivo de demonstrar os motivos da distinção, e afastar a incidência do precedente da situação concreta em análise.188

Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 2015 previu disposições legais como o § 1º do art. 489:

Art. 489, § 1º – Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.189

Esse dispositivo legal traz hipóteses, especialmente nos incisos V e VI do § 1º, que fazem referência à técnica do distinguishing e à doutrina dos precedentes. No inciso V, o legislador identifica como nula a decisão em que o julgador pretenda aplicar precedente ou enunciado de súmula, sem antes fazer a devida identificação de seus fundamentos determinantes e verificar sua compatibilidade com aqueles que sustentam a demanda sob julgamento.190 Ademais, outro dispositivo que trata sobre a necessidade de realizar o

187 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13.

ed. Salvador: Juspodivm, 2018. v. 2. p. 567.

188 TAQUES, Fernanda Rennhard Biselli. Técnicas de distinguishing no novo Código de ProcessoCcivil. Revista

de Processo, v. 289, p. 333-353, mar. 2019. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

189 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da

República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 19 jun. 2020.

190 TAQUES, Fernanda Rennhard Biselli. Técnicas de distinguishing no novo Código de Processo Civil. Revista

distinguish é o art. 1.037, §§ 9º a 13191, que prevê a possibilidade de a parte requerer que seu processo não fique sobrestado, mediante a demonstração da distinção entre seu caso e aquele a ser julgado no recurso especial ou extraordinário afetado.192

A técnica da distinção é, desta maneira, uma forma de contínua delimitação do precedente originário a partir dos casos posteriores, sendo relevante na dinâmica dos precedentes. No entanto, deve-se atentar para não ser confundida com a distinção inconsistente, que é basicamente uma errônea utilização da referida técnica, para os casos em que não seria cabível sua utilização. Trata-se da deturpação do distinguishing que dificulta o desenvolvimento dos precedentes e a delimitação dos casos em que deve incidir.193

A distinção inconsistente ocorre quando as diferenças entre os casos não são suficientemente relevantes, para se afastar de forma legítima a incidência de um determinado precedente, porém, ainda assim, a distinção é aplicada. Para a aplicação indevida, são utilizados fatos e argumentos incapazes de justificar a diferenciação. Aproxima-se mais da superação de precedentes do que da distinção realizada de forma adequada. Quando ocorre a distinção inconsistente, tem-se uma deturpação da técnica da distinção.194

Vislumbra-se, desta forma, que a aplicação do precedente não pode ser realizada indistintamente a qualquer caso. Os valores da previsibilidade e da segurança jurídica, que informam um sistema de precedentes, não são incompatíveis com o tratamento distinto de casos que são em substância, desiguais. Trata-se, em última análise de conferir efetividade ao princípio da igualdade em sua acepção material195, ou seja, o juiz deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades, conforme pode se inferir do artigo 5º, caput da CRFB.196197

191 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da

República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 jun. 2020.

192 ALVES, Marília Brezzan Rodrigues. O papel do distinguish na argumentação/fundamentação de pedidos e

decisões judiciais. Revista de Direito Tributário Contemporâneo, v. 18, p. 17-33, maio/jun.. 2019. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

193 PEIXOTO, Ravi. O sistema de precedentes desenvolvido pelo cpc/2015: uma análise sobre a adaptabilidade

da distinção (distinguishing) e da distinção inconsistente (inconsistent distinguishing) Revista de Processo, v. 248, p. 331-355, 2015. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

194 MACÊDO, Lucas Buril de. O regime jurídico dos precedentes judiciais no projeto do novo Código de

Processo Civil. Revista de Processo, v. 237, p. 369-401, 2014. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

195 FERRAZ, Taís Shilling. O precedente na jurisdição constitucional: construção e eficácia do julgamento da

questão com repercussão geral. São Paulo: Saraiva, 2017. E-book. Acesso restrito via Saraiva.

196 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:

Presidência da República, 1988. Disponível em:

Em consonância com o exposto, Teresa Alvim destaca que a lei deve tratar a todos de modo uniforme, o que deve se estender também às decisões dos Tribunais, que não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a hipóteses absolutamente idênticas, num mesmo momento histórico. De fato, não há sentido na existência de comando constitucional dirigido ao legislador, se o Poder Judiciário não tivesse que seguir idêntica orientação, de modo a decidir, com base na mesma lei, no mesmo momento histórico, em face de idênticos casos concretos, de maneira diferente.198

Assim, o princípio da igualdade (CRFB, art. 5º, caput)199 deve incidir tanto no processo de formulação da lei no Poder Legislativo, como no momento em que a norma for utilizada na instância judicial, quando então o intérprete e o aplicador devem zelar para não incorrer em interpretações equivocadas. Em outros termos, a garantia da igualdade seria prejudicada se não repercutisse, concretamente, nas demandas judicializadas. Um juiz, ainda que de acordo com a legalidade estrita, não pode aplicar ao caso concreto outra solução que acaso lhe ocorra, sob pena de incorrer em tratamento diverso para situações análogas.200

Nesse diapasão, a utilização da técnica do distinguishing permite afastar a subsunção do precedente ao fato concreto, em situações nas quais existam diferenças essenciais de fato e de direito. Caso contrário, o fundamento a ser utilizado no sistema de precedentes de isonomia e estabilidade seria prejudicado, uma vez que situações desiguais poderiam ser tratadas como semelhantes e as demandas judiciais seriam resolvidas sem ao menos serem examinadas, em afronta à isonomia e à segurança jurídica.201

Diante disso, não merece guarida o entendimento de que o respeito aos precedentes pode gerar injustiça, decorrente da impossibilidade da consideração das especificidades de uma situação jurídica. Em um sistema que respeita os precedentes, ao juiz não é permitida a possibilidade de aplicá-los a casos que têm particularidades que os tornam distintos, a repelir tratamento igualitário ou uniforme. Não há distinção entre aplicar incorretamente precedente

197 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE JUNIOR, Rosa Maria de. Comentários ao Código de Processo Civil:

novo CPC Lei 13105/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

198 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sobre a súmula 343. Revista de Processo, v. 22, n. 86, p. 148-157,

abr./jun. 1997. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

199 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:

Presidência da República, 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2020.

200 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sistema brasileiro de precedentes. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2016.

201 ALVES, Marília Brezzan Rodrigues. O papel do distinguish na argumentação/fundamentação de pedidos e

decisões judiciais. Revista de Direito Tributário Contemporâneo, v. 18, p. 17-33, maio/jun. 2019. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

ou norma legal. As duas situações geram injustiças. A igualdade formal, diante da lei, pode coexistir com uma forte desigualdade de tratamento. Enfim, aplicar a mesma lei a situações desiguais é o mesmo que aplicar um mesmo precedente a casos substancialmente distintos. O precedente não tem apenas valor formal, mas também substancial.202

A promoção da uniformidade de tratamento, diante da interpretação da norma, tem a finalidade de garantir que a prometida igualdade seja efetivamente respeitada, na medida em que se passa a ter consciência de que o direito é reconstruído pela jurisdição por meio das decisões judiciais. Assim, não é suficiente a promessa de igualdade perante a lei para sua efetivação. A igualdade é um componente inafastável do direito fundamental ao processo justo na perspectiva de seu resultado, pois o processo, como instrumento de efetivação de direitos, deve perfectibilizar igualdade de tratamento e possibilitar a autodeterminação dos cidadãos.203

Com essas asserções, a seguir serão apresentadas decisões do colendo Superior Tribunal de Justiça e do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina que tratam da aplicação dos precedentes judiciais.

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