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O uso da técnica de distinção no sistema de precedentes e a garantia da isonomia de ordem material

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Academic year: 2021

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LILIANA OLIVEIRA ALFAYA

O USO DA TÉCNICA DE DISTINÇÃO NO SISTEMA DE PRECEDENTES E A GARANTIA DA ISONOMIA DE ORDEM MATERIAL

Florianópolis 2020

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LILIANA OLIVEIRA ALFAYA

O USO DA TÉCNICA DE DISTINÇÃO NO SISTEMA DE PRECEDENTES E A GARANTIA DA ISONOMIA DE ORDEM MATERIAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Jeferson Puel, Esp.

Florianópolis 2020

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LILIANA OLIVEIRA ALFAYA

O USO DA TÉCNICA DE DISTINÇÃO NO SISTEMA DE PRECEDENTES E A GARANTIA DA ISONOMIA DE ORDEM MATERIAL

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, vinte de julho de dois mil e vinte.

______________________________________________________ Professor e orientador Prof. Jeferson Puel, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Elvis Daniel Muller, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Luiz Gustavo Lovato, Msc.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

O USO DA TÉCNICA DE DISTINÇÃO NO SISTEMA DE PRECEDENTES E A GARANTIA DA ISONOMIA DE ORDEM MATERIAL

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Florianópolis, 06 de julho de 2020.

____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Jeferson Puel pelos ensinamentos transmitidos e pela disposição para orientar a elaboração do trabalho.

Aos meus pais pelo amor e incentivo aos estudos.

Ao meu amado irmão que partiu antes da conclusão deste curso, todo o meu amor e gratidão.

Ao meu esposo e grande companheiro pelo incentivo e apoio incondicional.

As minhas queridas amigas, Alessandra e Denise, pela parceria e por tornarem essa jornada mais leve.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar as hipóteses de utilização da técnica de distinção, no sistema de precedentes, para garantia da isonomia de ordem material. Esta pesquisa utiliza o método de abordagem dedutivo. A natureza da pesquisa é qualitativa. O procedimento é monográfico e a técnica bibliográfica. A pesquisa inicialmente trata da decisão judicial, dos sistemas jurídicos de maior destaque no ordenamento, do julgamento colegiado e do princípio da segurança jurídica, bem como da garantia da isonomia material. Em seguida, são abordados assuntos como o conceito e a classificação dos precedentes judiciais, a definição da ratio decidendi e do obiter dictum, assim como a aplicação e o confronto do precedente na hipótese concreta. Por fim, são estudadas as técnicas de afastamento do precedente, isto é, a superação e a distinção, bem como apresentadas decisões judiciais dos tribunais pátrios em que se observa a utilização dos precedentes judiciais. O resultado da pesquisa demonstra que a técnica de distinção deve ser utilizada, nas hipóteses em que for verificada diferença materialmente substancial entre o precedente paradigma e o caso concreto, a fim de garantir a isonomia material, uma vez que a sua utilização permite o julgamento da situação concreta, mantendo a premissa de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 7 2 DECISÃO JUDICIAL ... 9 2.1 SISTEMAS JURÍDICOS ... 9 2.1.1 Civil Law ... 9 2.1.2 Common Law ... 11 2.2 JULGAMENTO COLEGIADO ... 13

2.3 JURISPRUDÊNCIA, SÚMULA E PRECEDENTE ... 17

2.4 SEGURANÇA JURÍDICA E GARANTIA DA ISONOMIA MATERIAL ... 19

3 PRECEDENTES JUDICIAIS ... 24

3.1 CONCEITO ... 24

3.2 CLASSIFICAÇÃO ... 27

3.2.1 Obrigatório (binding precedent) ou Persuasivo (persuasive precedent) ... 27

3.2.2 Autorizantes, rescindente ou deseficacizante ... 31

3.3 RATIO DECIDENDI E OBITER DICTUM ... 33

3.4 CONFRONTO E APLICAÇÃO DO PRECEDENTE ... 36

4 USO DA TÉCNICA DE DISTINÇÃO NO SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS E A GARANTIA DA ISONOMIA MATERIAL ... 40

4.1 SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE ... 40

4.1.1 Overriding ... 40

4.1.2 Overruling ... 42

4.2 ALTERAÇÃO DO PRECEDENTE ... 45

4.3 TÉCNICA DE DISTINÇÃO NO SISTEMA DE PRECEDENTE JUDICIAL E A GARANTIA DA ISONOMIA DE ORDEM MATERIAL ... 49

4.4 DECISÕES JUDICIAIS A RESPEITO DO TEMA ... 56

4.4.1 EDcl em Recurso Especial nº 1.630.659 – DF (2016/0263672-7) ... 57

4.4.2 Recurso Especial nº 1.846.109 - SP (2019/0216474-5) ... 59

4.4.3 Agravo Interno n. 0301203-84.2015.8.24.0023, da Capital ... 60

5 CONCLUSÃO ... 62

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1 INTRODUÇÃO

No sistema do common law, para a resolução das demandas judiciais é aplicado o sistema de precedentes judiciais, de modo a resultar em decisões estáveis e uniformes. Já nos países do regime jurídico do civil law, como o Brasil, predomina a aplicação da lei para o julgamento dos litígios. No entanto, o que se observa na contemporaneidade é a aplicação conjunta de ambos os sistemas, a fim de garantir as prerrogativas da segurança jurídica e da isonomia do jurisdicionado.

No ordenamento jurídico brasileiro, o sistema de precedentes destacou-se com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que atribuiu grande força normativa aos precedentes judiciais e à jurisprudência, inclusive conferiu efeito obrigatório e vinculante aos pronunciamentos jurisprudenciais.

Diante da observação do avanço da aplicação da jurisprudência e dos precedentes judiciais para a resolução das demandas judiciais, surgiu o interesse desta acadêmica na pesquisa da adequada utilização do sistema de precedentes judicias e a avaliação criteriosa e precisa da hipótese fática e suas especificidades. Deve-se destacar, ainda, a utilização da técnica de distinção a fim de adequar a hipótese concreta ao seu precedente paradigma, de forma a garantir a manutenção da isonomia material.

Assim, o presente trabalho aborda a temática do sistema de precedentes judiciais e sua aplicação ao caso concreto, de forma a verificar as hipóteses do uso da técnica de distinção para garantir a manutenção da isonomia material. Neste contexto, a problemática de pesquisa foi elaborada por meio do seguinte questionamento: em que hipóteses deve ser utilizada a técnica de distinção no sistema de precedentes para a garantia da isonomia de ordem material? O objetivo geral do trabalho é demonstrar as hipóteses de utilização da técnica de distinção no sistema de precedentes para garantia da isonomia de ordem material. Os objetivos específicos são estudar a decisão judicial, os sistemas jurídicos e a garantia da isonomia material, verificar o sistema de precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro, e compreender a utilização da técnica de distinção no sistema de precedentes para garantia da isonomia de ordem material.

Esta pesquisa utiliza o método de abordagem dedutivo, porquanto parte do geral para o específico, uma vez que o estudo se inicia com a verificação da decisão judicial, do sistema de precedentes e, ademais, finaliza com a demonstração da técnica de distinção no sistema de precedentes, de maneira a observar a isonomia material. A natureza da pesquisa é qualitativa. Já o procedimento é monográfico e a técnica bibliográfica, pois são usadas legislação,

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doutrina, artigos científicos e jurisprudência com o objetivo de responder ao questionamento proposto.

O presente trabalho está dividido em cinco capítulos, iniciando-se pela introdução e sendo finalizado pela conclusão.

No segundo capítulo, objetiva-se estudar os sistemas jurídicos de maior destaque na tradição jurídica, o julgamento colegiado ao exarar as decisões judiciais formadoras da jurisprudência, dos precedentes judiciais e das súmulas, além da diferença entre estes institutos. Também serão apresentadas as prerrogativas à segurança jurídica e à isonomia do jurisdicionado.

No terceiro capítulo, o objetivo é verificar a conceituação e a classificação do precedente judicial, importante componente deste trabalho para a compreensão da técnica de distinção e sua relevância para a garantia da isonomia material. Também será abordada a ratio

decidendi e a obiter dictum, elementos do precedente judicial, além da aplicação e confronto

do precedente na situação concreta.

No quarto capítulo, pretende-se estudar as modalidades de afastamento dos precedentes judiciais, que são a superação do precedente pelas técnicas do overruling e do

overrriding, assim como a técnica de distinção e sua relação com a garantia da isonomia

material. Por fim, serão apresentadas decisões judiciais que demonstram a aplicabilidade dessas temáticas às hipóteses concretas.

Desse modo, a pesquisa, ao abordar tema de substancial importância para o ordenamento jurídico brasileiro, proporciona material literário para consulta dos estudantes do Direito, a fim de elucidar e discutir sobre a aplicação dos precedentes judiciais no caso concreto, bem como a manutenção da garantia constitucional da isonomia material.

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2 DECISÃO JUDICIAL

O estudo da decisão judicial, na fase inicial deste trabalho, é de relevante importância, uma vez que o sistema de precedentes é elaborado com base nas decisões proferidas pelas Cortes Supremas. O conhecimento da origem dos precedentes judiciais possibilita o entendimento de como este sistema ganha aplicabilidade no cenário brasileiro, suas contribuições para o meio jurídico e a função na garantia de direitos como a isonomia e a segurança jurídica.1

O presente capítulo abordará temáticas como os sistemas jurídicos de maior destaque na tradição jurídica, o papel das cortes judiciais ao exarar as decisões judiciais formadoras da jurisprudência, dos precedentes judiciais e das súmulas, além da diferença entre estes institutos. Também serão apresentadas as prerrogativas à segurança jurídica e à isonomia do jurisdicionado, e de que forma poderão ser implementadas como prerrogativas garantidas constitucionalmente.

2.1 SISTEMAS JURÍDICOS

De acordo com Marinoni, o civil law e o common law surgiram em circunstâncias políticas e culturais distintas, o que resultou na formação de tradições jurídicas diferentes, definidas por institutos e conceitos próprios para cada um desses sistemas.2

Este tópico abordará esses dois sistemas jurídicos, sua evolução e o tratamento dispensado aos precedentes judiciais em cada um deles. Apresentará também a função das cortes judiciais na formação dos precedentes, a relação existente entre jurisprudência, súmula precedente judicial e seus conceitos, assim como a garantia da isonomia material e da segurança jurídica.

2.1.1 Civil Law

No período anterior à Revolução Francesa, os membros do Poder Judiciário francês constituíam classe aristocrática, de modo que demonstravam não apenas a falta de compromisso com os valores da igualdade, da fraternidade e da igualdade como, também,

1 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

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seus laços com outras classes privilegiadas, especialmente com a aristocracia feudal, em cujo nome atuavam. A fim de romper com este cenário, surgiu o chamado sistema romano germânico ou civil law, no qual aos juízes caberia apenas o poder de julgar de acordo com as leis e, ao Legislativo, a prerrogativa de criar as leis.3

No sistema do civil law, a norma legal é o paradigma fundamental para aferição das condutas comissivas e omissivas, conforme preceitua o art. 5º, inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB).4 A lei é a fonte imediata, um comando normativo dotado de generalidade e abstratividade que visa abranger uma pluralidade de hipóteses futuras. Existem outras fontes de interpretação, como os princípios gerais do Direito, a doutrina e a jurisprudência, no entanto a lei é a fonte primordial.5

De acordo com este sistema jurídico, a lei é a fonte do direito, ou seja, nos países de

civil law a maneira mais utilizada para se chegar à resolução de conflitos, é por meio da

consulta das disposições legais. Por outro lado, não se pode deixar de lembrar a importância da doutrina como fonte do Direito, até mesmo porque teve seu nascedouro nas universidades romanas.6 No entanto, deve-se atentar que, embora as leis tenham grande destaque, sua quantidade e seu grau de autoridade não são critérios absolutos para distinguir o common law e o civil law. A existência da lei não se opõe ao common law, assim como a profusão de leis não exclui a necessidade de precedentes judiciais.7

O que distingue um sistema jurídico de outro é o tratamento direcionado aos precedentes judiciais. Embora no civil law as normas jurisprudenciais sejam aplicadas, raramente há uma análise detalhada e comparativa dos fatos e fundamentos jurídicos já submetidos ao Poder Judiciário, e que poderiam gerar a aplicação do precedente ou o seu

distinguishing.8 Da mesma forma, não se observa a real preocupação em diferenciar a ratio

decidendi (fundamento determinante) e a obiter dictum (elemento não vinculativo). Outra

diferença importante a ser destacada é que no civil law uma única decisão não éaceita como

3 CAPELLETI, 2017 apud MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2019.

4 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sistema brasileiro de precedentes: natureza, eficácia, operacionalidade.

2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

5 CAMPOS, Fernando Teófilo. Precedentes judiciais: técnicas de dinâmica, teoria e prática. 1. ed. Curitiba:

Appris, 2019. E-book.

6 CAVARZANI, Vinicius. O common law, o civil law e uma análise sobre a tradição jurídica brasileira. Revista

do Processo, v. 39, n. 231, p. 321-345, maio. 2014.

7 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 8 Distinguishing (distinção): a distinção é realizada quando a questão analisada não for idêntica ou não for

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suficiente para gerar um precedente, sendo necessárias reiteradas decisões para o entendimento nelas ser firmado.9

Dessa forma, Marinoni alerta que as decisões do civil law variam constantemente, o que deveria ser verificado como uma patologia ou um equívoco. No entanto, na cultura jurídica sustentou-se que os juízes não devem respeito às decisões passadas, e que a tentativa de vinculá-los seria uma agressão a sua liberdade de julgar. O juiz, além da liberdade de julgamento, tem compromisso com o cidadão e com o Poder de que faz parte, uma vez que não decide para si e sim para o jurisdicionado. A decisão judicial não pode ser construída de forma individualizada, a partir de sua vontade em detrimento do próprio sistema jurídico que faz parte.10

A seguir será tratado a respeito do sistema jurídico do common law.

2.1.2 Common Law

O sistema jurídico do commom law, também denominado sistema anglo-saxônico, surgiu na Inglaterra. Ao longo do tempo, envolveu debates acerca do significado de uma decisão judicial. Duas teorias podem ser destacadas: a declaratória e a constitutiva da jurisdição. Segundo a teoria declaratória, os juízes se limitavam a declarar o direito preexistente, ao passo que, de acordo com a constitutiva, aos juízes era dado o poder de criar o direito a ser aplicado na hipótese concreta.11

Inicialmente, no sistema common law observava-se os costumes gerais, sendo que havia a preocupação de manter a coesão na jurisprudência12 e a utilização de julgados para a resolução de litígios. Após a primeira metade do século XIX é que o precedente se tornou obrigatório e vinculativo (stare decisis), de maneira que os juízes deveriam observar as regras criadas pelos seus antecessores.13

Mendes destaca importante valor presente no stare decisis do common law:

O funcionamento do stare decisis se baseia na ideia de segurança jurídica, previsibilidade e de isonomia, com a sociedade podendo se nortear a partir dos

9 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio

Quinaud. Novo CPC fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

10 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 11 MACCORMICK, 1966 apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sistema brasileiro de precedentes:

natureza, eficácia, operacionalidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

12 Jurisprudência: é o conjunto de decisões judiciais proferidas pelos tribunais. (DAVID, 2002).

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valores e das normas estabelecidas com base nos costumes reconhecidos ou estabelecidos nos precedentes judiciais. Portanto, a delimitação das razões de decidir e das circunstâncias essenciais do caso julgado é fundamental para a caracterização do que está abarcado ou não nos limites do entendimento firmado pela corte.14

Desse modo, observa-se que o common law trata de uma matriz eminentemente jurisprudencial, sendo a jurisprudência a principal fonte deste sistema jurídico. A ascensão da jurisprudência deve-se às origens históricas que circundam o common law, assim como a pouca importância estabelecida pelo legislador a codificação das leis e a influência diminuta exercida pelas universidades. A jurisprudência trata da edificação da sua tradição jurídica, uma vez que as regras oriundas das decisões devem ser observadas pelos juízes, garantida a segurança jurídica e a coerência.15

A decisão judicial possui um caráter ambivalente, uma vez que, além de resolver o caso litigioso, também produz força de vinculação do precedente gerado. A norma de direito é extraída a partir de uma decisão concreta, sendo aplicada, posteriormente, às situações futuras. Neste sentido, possibilita-se ao magistrado, tendo como suporte os elementos de fato e de Direito que molduram o julgamento, criar uma regra para a decisão, denominada de precedente judicial.16

Nos dias contemporâneos, o costume, ainda que considerado como fonte do direito, exerce atribuição secundária no common law, não se podendo compará-lo, em termos de importância, com a jurisprudência ou a lei. Isto porque, com a evolução deste sistema, buscou-se cristalizar um direito fundado na jurisprudência e na regra do precedente, em substituição aos usos e costumes da época tribal.17

Algumas características acerca do tratamento dado ao precedente judicial merecem destaque. No common law, a jurisprudência é devidamente contextualizada, sendo que é oriunda de situações de fato ou de padrões que possibilitam sua utilização como base argumentativa em outras hipóteses concretas. Demandas não são julgadas para formar

14 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Precedentes e jurisprudência: papel, fatores e perspectivas no direito

brasileiro contemporâneo. In: MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; MARINONI; Luiz Guilherme;

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 2.

E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

15 CAVARZANI, Vinicius. O common law, o civil law e uma análise sobre a tradição jurídica brasileira. Revista

do Processo, v. 39, n. 231, p. 321-345, maio 2014.

16 CAMPOS, Fernando Teófilo. Precedentes judiciais: técnicas de dinâmica, teoria e prática. 1. ed. Curitiba:

Appris, 2019. E-book.

17 CAVARZANI, Vinicius. O common law, o civil law e uma análise sobre a tradição jurídica brasileira. Revista

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precedentes, mas sim para resolver o litígio nas hipóteses concretas e, no futuro, aplicá-las como razão de decidir em outro julgado, se apropriado.18

Outra diferença que merece ser destacada entre os dois grandes sistemas jurídicos envolve a função do Poder Judiciário e a construção de uma disciplina jurídica uniforme, que garanta alguma coerência ao direito e ao tratamento isonômico das pessoas. No common law, as decisões dos tribunais superiores produzem as regras na forma de precedentes, que vinculam os demais órgãos jurisdicionais de forma a ocasionar a uniformidade na disciplina jurídica. Já no civil law cabe ao Poder Judiciário interpretar e aplicar a lei, de forma a chegar a mesma conclusão para fatos similares e garantir um tratamento isonômico dos jurisdicionados.19

No entanto, o que se verifica, ao longo dos anos, é que os sistemas jurídicos são aplicados de forma conjunta, de maneira a conduzir a preservação e realização dos valores da segurança e da isonomia, sendo que, para concretização desse intuito, concorrem em maior ou menor grau as leis e os precedentes judiciais.20

Com essas considerações, a seguir será tratado a respeito da atribuição das cortes judiciais.

2.2 JULGAMENTO COLEGIADO

As cortes judiciais têm importante atuação nos sistemas jurídicos, uma vez que delas advém as decisões judiciais, formadoras da interpretação judicial da legislação e aplicação na hipótese concreta. As decisões podem ser proferidas em juízo singular ou em órgão colegiado, sendo que esta última pode ser subdividida em acórdãos e decisões unipessoais.

O acórdão, de acordo com art. 204 do CPC, é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais.21 O nome resulta do fato da decisão ser proferida pela vontade de vários membros ocupantes do órgão colegiado. Embora o CPC mencione tribunais, deve se atentar que não

18 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio

Quinaud. Novo CPC fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

19 BARCELLOS, Ana Paula de. Precedentes, uniformidade, coerência e isonomia: algumas reflexões sobre o

dever de motivação. In: MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; MARINONI; Luiz Guilherme; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 2. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

20 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sistema brasileiro de precedentes: natureza, eficácia, operacionalidade.

2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

21 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da

República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 20 mar. 2020.

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apenas os tribunais proferem julgamento colegiado, também as turmas recursais o fazem, ainda que não sejam tribunais, pois também são órgãos colegiados. Sendo assim, pode-se inferir que o acórdão é a decisão de um órgão colegiado, seja um tribunal ou uma turma recursal.22

Os tribunais, denominados de uma forma genérica, são divididos em Cortes de Justiça (Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça) e em Cortes de Precedentes (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça). Ambas são compostas de órgãos colegiados, que são unidades julgadoras integradas por três ou mais desembargadores ou ministros. Estes órgãos são responsáveis pelo julgamento das causas de competência das Cortes, de forma que em razão de sua composição, permitem maior análise e discussão acerca da formação da decisão e favorecem a formação de um juízo mais ponderado.23

Além dos acórdãos, as cortes podem proferir decisões monocráticas que são decisões unipessoais tomadas por apenas um dos membros do colegiado. Ocorrem em determinadas situações, conforme previsão em lei ou em regimento interno do tribunal, de forma que a competência pode ser atribuída ao Presidente, ao vice-Presidente do tribunal ou ao relator de um recurso, da remessa necessária, de um incidente ou de uma ação de competência originária do tribunal.24 Importante destacar que a decisão monocrática, proferida por um relator, não constitui precedente, uma vez que, para a formação de um precedente, é necessário um julgamento colegiado do tribunal.25

Ainda no que concerne à interpretação da expressão “tribunais”, embora o art. 926 do CPC estabeleça uma referência genérica ao termo, de forma a incutir que todas as Cortes devem exercer a mesma função de uniformizar sua jurisprudência, é necessária a observação das diferentes funções entre as Cortes de Justiça – exercer controle retrospectivo sobre as

22 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13.

ed. Salvador: Juspodivm, 2018. v. 2.

23

TROCKER apud MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de

processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

v. 2.

24 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13.

ed. Salvador: Juspodivm, 2018. v. 2.

25 CRAMER, Ronaldo. A súmula e os precedentes judiciais no novo CPC. In: NUNES, Dierle; MENDES,

Aluísio; JAYME, Fernando Gonzaga. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no Código de

Processo Civil/2015: estudos em homenagem a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos

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causas decididas em primeira instância e uniformizar a jurisprudência – e as Cortes de Precedentes – estabelecer uma interpretação prospectiva e dar unidade ao direito.26

Desta forma, observa-se que a função da Corte Superior ou de Justiça é reativa, ou seja, visa controlar a aplicação da legislação caso a caso realizada pelos juízes de competência ordinária, preocupando-se com as questões passadas. Essa função é desempenhada mediante a interposição de recurso pela parte interessada. O objetivo da Corte Superior é controlar a aplicação da legislação de modo que seja observada, para as demandas judiciais, a exata interpretação da lei, formando-se, a partir de reiteradas decisões no mesmo sentido, uma jurisprudência uniforme.27 Em consonância com o exposto, Bertão ratifica que uniformizar é tarefa das Cortes de Justiça, uma vez que têm o dever da aplicação isonômica do direito para os litígios que lhe são dirigidos.28

Enquanto as Cortes de Justiça têm a função de uniformização da jurisprudência, as Cortes Supremas tiveram sua função transformada ao longo do tempo, passaram do modelo de julgamento direcionado à resolução do caso concreto à função essencialmente pública de definição do direito. Houve o incentivo ao debate para o aprofundamento da deliberação em torno da solução das disputas interpretativas e, como consequência, a elaboração dos precedentes. Com esta visão, a importância do julgamento é deslocada da resolução do recurso para as razões que levaram àquela interpretação, pois não apenas se torna relevante debatê-las como, também, perceber que o entendimento de uma solução favorável por maioria pode ser irrelevante para gerar um precedente.29

Desta forma, pode-se inferir que a função da Corte Suprema é proativa, posto que pretende orientar a interpretação e aplicação do Direito pela sociedade civil, de seus próprios membros e dos órgãos jurisdicionais, tendo a sua atuação direcionada para as demandas futuras. Assim sendo, o intuito da Corte é orientar a aplicação do Direito mediante a justa interpretação da ordem jurídica, sendo a hipótese concreta analisada, também para que essa possa formar precedentes.30

26 MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão a vinculação. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,

2018. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

27 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

28

BERTÃO, Rafael Calheiros. Os precedentes no novo Código de Processo Civil: a valorização da stare decisis e o modelo de corte suprema brasileiro. Revista de Processo: REPRO, São Paulo, v. 253, 2016. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/ bibli_boletim/bibli_bol_2006/RPro_n.253.15.PDF. Acesso em: 13 abr. 2020.

29 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 30 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

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Zaneti destaca que o modelo de precedentes depende da manutenção da autoridade das suas próprias decisões pelos tribunais e do respeito dos tribunais de hierarquia inferior às decisões dos tribunais que têm a competência para decidir sobre a unidade do direito em última instância, como é o caso do STJ, em matéria infraconstitucional, e do STF, em matéria constitucional, denominados pela doutrina de Cortes Supremas.31

Não se trata, dessa maneira, de uniformizar suas decisões, essa função cabe às Cortes de Justiça. As Cortes de Precedentes devem, sim, dar unidade as suas decisões de forma a orientar a interpretação da norma aos demais juízes, de forma que a solução dada à situação concreta possa servir de precedentes.32

Nesse sentido, é relevante destacar que a colegialidade é o início do uso adequado do direito jurisprudencial, quando se busca uma opinião majoritária na conclusão e na fundamentação, juntamente com outras medidas como os fundamentos utilizados na decisão. No entanto, não ésuficiente a decisão de apenas um dos julgadores do órgão colegiado, para o adequado dimensionamento das razões que constituem os fundamentos determinantes daquela decisão, é necessário que esteja presente o aspecto qualitativo, essencial na atribuição da força normativa para a formação dos precedentes.33

Marinoni ressalta a necessidade do aspecto qualitativo quando afirma que:

Num julgamento pode haver maioria em relação ao resultado ou ao provimento do recurso, mas não existir maioria quanto aos fundamentos que determinaram o resultado. Ou seja, dois ou mais fundamentos podem ter sustentado o resultado ou o provimento do recurso, sem com que nenhum deles tenha sido compartilhado pela maioria dos membros do colegiado. Se no primeiro caso há resolução do recurso, no segundo resta clara a impossibilidade de elaboração do precedente. Significa que nem toda decisão recursal leva a um precedente. Ora, o precedente diz respeito ao fundamento ou à questão que, solucionada pelo colegiado, determina o resultado do recurso.34

Denota-se, assim, que a atividade judicial desempenhou importante função ao longo da história, tanto no exercício da prática forense quanto no aperfeiçoamento dogmático de inúmeros institutos jurídicos. No Brasil, destaca-se a importância do colendo Superior

31 ZANETI JÚNIOR, Hermes. Poderes do relator e precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e

V. In: NUNES, Dierle; JAYME, Fernando G.; MENDES, Aluísio (org.). A nova aplicação da jurisprudência e

precedentes no Código de Processo Civil/2015: estudos em homenagem a professora Teresa Arruda Alvim.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

32 MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão a vinculação. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,

2018. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

33 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio

Quinaud. Novo CPC fundamentos e sistematização. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

34 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p.

(18)

Tribunal de Justiça, como corte federal, para a uniformização da interpretação e aplicação do direto infraconstitucional, enquanto o colendo Supremo Tribunal Federal cuida desta missão em nível constitucional. Sendo assim, ao preservar a estabilidade, orientando-se pelas decisões judiciais em situações sucessivas assemelhadas, os tribunais contribuem, de igual forma, para a melhor aplicação do direito e para a proteção da confiança na escolha do caminho trilhado pelos litigantes.35

Exposto o papel das cortes judiciais, faz se necessário abordar conceitos importantes no ordenamento jurídico: precedente, jurisprudência e súmula.

2.3 JURISPRUDÊNCIA, SÚMULA E PRECEDENTE

Precedente, jurisprudência e súmula têm conceitos distintos e que não podem ser confundidos. O precedente constitui premissa de julgamento do caso concreto e serve de referencial decisório para as demandas futuras.36

Seu elemento nuclear é a ratio decidendi, que é a norma geral da demanda judicial, identificada quando realizada a análise da situação concreta com foco nos textos legais. O precedente, quando reiteradamente aplicado, se transforma em jurisprudência que, se predominar em tribunal, pode dar ensejo à edição de um enunciado de súmula da jurisprudência. Assim, a súmula é o enunciado normativo (texto) da ratio decidendi (norma geral) de uma jurisprudência dominante, que é a reiteração de um precedente. Há uma evolução precedente – jurisprudência – súmula.37

Somente o colendo Supremo Tribunal Federal e o colendo Superior Tribunal de Justiça formam precedentes. Os egrégios Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça produzem jurisprudência. As súmulas podem ser editadas pelas Cortes Supremas e pelas Cortes de Justiça na aplicação e interpretação do direito.38

35 TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2018b. v.

7. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

36

CRAMER, Ronaldo. A súmula e os precedentes judiciais no novo CPC. In: NUNES, Dierle; MENDES, Aluísio; JAYME, Fernando Gonzaga. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no Código de

Processo Civil/2015: estudos em homenagem a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

37 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13.

ed. Salvador: Juspodivm, 2018. v. 2.

38 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel Francisco. Curso de

processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

(19)

A jurisprudência se forma nos tribunais superiores, pela reiteração de decisões no mesmo sentido acerca de uma questão jurídica. Nos países da common law, é uma fonte formal de direito de mesma hierarquia da lei, de maneira que os tribunais podem, inclusive, decidir contra a lei sem que isso lhes acarrete qualquer tipo de repressão. Nesses países, para que a jurisprudência seja considerada mesmo uma fonte de direito, sequer é necessário que sejam tomadas de forma reiterada. Desta forma, a decisão de um tribunal superior sobre uma determinada questão jurídica, vincula os juízes e tribunais que lhe são subordinados a acompanharem o referido entendimento.39

Já nos países de civil law, como o Brasil, nos quais predomina a legislação escrita, a jurisprudência denota uma pluralidade de decisões relativas a vários casos concretos acerca de um determinado assunto, sem necessariamente tratar sobre uma idêntica questão jurídica.40

Sendo assim, pode-se inferir que o precedente surge de uma decisão, mas nem toda decisão constitui um precedente. Uma decisão pode não agregar os caracteres necessários à configuração do precedente, seja por não tratar de questão de direito, não sustentar um fundamento por maioria, ou se limitar a letra da lei ou por reafirmar um precedente. Neste sentido, para a constituição do precedente é necessário que se enfrentem os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto, e que os fundamentos de sua resolução sejam compartilhados por maioria do colegiado.41

Embora o Código de Processo Civil de 2015 utilize essas expressões indistintamente, precedentes e jurisprudência não se confundem. Os precedentes constituem razões generalizáveis, que podem ser extraídas dos julgamentos dos pedidos das demandas pelas Cortes Supremas – razões necessárias e suficientes para a solução de determinadas incongruências interpretativas. As Cortes Supremas existem não para efetuar controle de cada decisão prolatada pelas Cortes de Justiça, mas para interpretar o direito constitucional (STF) e o direito federal (STJ), estabelecendo adequado sentido às normas. Também orientam a interpretação dos demais órgãos do Poder Judiciário e da sociedade civil. São Cortes de interpretação e de precedentes.42

39 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro: teoria geral do processo a auxiliares da justiça.

23. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1. E-book. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

40 TUCCI, José Rogério Cruz e. Notas sobre os conceitos de jurisprudência, precedente judicial e súmula.

Consultor jurídico, 7 jul. 2015. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2015-jul-07/paradoxo-corte-anotacoes-conceitos-jurisprudencia-precedente-judicial-sumul. Acesso em: 15 mar. 2020.

41 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 42 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo

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No que tange ao enunciado de súmula, necessário destacar que não tem as mesmas garantias de um precedente, uma vez que, enquanto na súmula não estavam presentes as partes que deram origem a formação da tese jurídica, no precedente, embora também não o estivessem, tem sua legitimidade condicionada ao fato de ser proferida em processo com adequado contraditório, os quais zelam de modo que a tese jurídica não seja desfigurada. As súmulas apenas trazem preocupação com a adequada delimitação do enunciado jurídico.43

Assim sendo, o texto da súmula é uma síntese do precedente originário, consequentemente não é adequado e suficiente para compreender a tese jurídica do precedente originário. Como toda síntese, não reúne os elementos necessários para o entendimento do objeto sintetizado. Constituir-se-á em indicativo da existência do precedente originário, a fim de se pesquisar a fundamentação jurídica aplicada. O CPC de 2015, no § 2º do art. 926 traz a preocupação de demonstrar que a súmula não é provimento judicial autônomo, mas se deve ater às circunstâncias fáticas e jurídicas do precedente que a gerou.44

O tópico seguinte dedica-se ao estudo da segurança jurídica e da garantia da isonomia material.

2.4 SEGURANÇA JURÍDICA E GARANTIA DA ISONOMIA MATERIAL

A CRFB refere-se à segurança como valor fundamental, arrolando-a no caput do art. 5º como prerrogativa inviolável, ao lado dos direitos à vida, liberdade, igualdade e propriedade. Embora não trate explicitamente de uma prerrogativa fundamental à segurança jurídica, a CRFB possui dispositivos que a tutelam como, por exemplo, nos incisos II (principio da legalidade), XXXVI (inviolabilidade do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito), XXXIX (princípio da anterioridade em matéria penal) e XI (irretroatividade da lei penal desfavorável) do referido art. 5º.45

A segurança jurídica objetiva garantir estabilidade e tranquilidade nas relações jurídicas, a fim de proteger e preservar as expectativas de comportamento das pessoas em relação ao que resulta de suas ações, e no que diz respeito às ações esperadas de terceiros. Sendo assim, a uniformização de decisões judiciais éum dos meios importantes para efetivar

43 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 44 CRAMER, Ronaldo. A súmula e os precedentes judiciais no novo CPC. In: NUNES, Dierle; MENDES,

Aluísio; JAYME, Fernando Gonzaga. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no Código de

Processo Civil/2015: estudos em homenagem a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

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este princípio. Contudo, não é suficiente. É necessário que as decisões sejam mantidas estáveis, íntegras e coerentes.46

O direito à segurança jurídica e à isonomia material segue em busca de um sistema jurídico uniforme e que possa, também, fornecer ao jurisdicionado uma resposta adequada ao litígio.

Para isso, o princípio da igualdade de todos perante a lei (CRFB, art. 5º caput e II), não pode restringir-se à norma, de forma abstrata, o que projetaria uma igualdade apenas formal. Deve-se atentar para que seja aplicada ao caso concreto no processo judicial. De outra forma, conduziria a um paradoxismo, pois a busca pela eliminação da incerteza no processo de conhecimento tornar-se-ia aleatória. A depender da distribuição da causa a um ou outro órgão judicial, cada qual com sua interpretação e julgamento, em detrimento de ideais de justiça e segurança.47

Diante disso, evidencia-se que o tratamento desigual será possível somente quando tiver como objetivo atingir a própria igualdade, ou seja, na presença de fatores que justifiquem e determinem o tratamento desigual. Distante deste contexto, possíveis discriminações gratuitas não fundadas em elementos ou critérios capazes de lógica, e substancialmente impor um tratamento desigual deverão ser rechaçadas.48

A fim de garantir mais segurança jurídica e isonomia à produção judicial, assim como mitigar a controvérsia a respeito das ações repetitivas que assolam a máquina judiciária, a previsão do sistema de precedentes é oportuna e necessária.49 Em consonância com esse entendimento, Mitidiero destaca a importância do precedente judicial:

Sendo parte integrante do ordenamento jurídico, o precedente deve ser levado em consideração como parâmetro necessário para aferição da igualdade de todos perante a ordem jurídica e para promoção da segurança jurídica. Isso implica, a uma, que casos iguais sejam tratados de forma igual pela Corte Suprema e por todos os órgãos jurisdicionais a ela ligados a partir do conteúdo do precedente, e, a duas, que a

46 FREIRE, Alexandre. Precedentes judiciais: conceito, categorias e funcionalidade. In: NUNES, Dierle; JAIME,

Fernando Gonzaga; MENDES, Aluísio (org.). A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no Código

de Processo Civil/2015: estudos em homenagem a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais

47 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sistema brasileiro de precedentes: natureza, eficácia, operacionalidade.

2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

48 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 49 CRAMER, Ronaldo. A súmula e os precedentes judiciais no novo CPC. In: NUNES, Dierle; MENDES,

Aluísio; JAYME, Fernando Gonzaga. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no Código de

Processo Civil/2015: estudos em homenagem a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos

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exigência de cognoscibilidade inerente à segurança jurídica leve em consideração o processo de interpretação judicial do Direito e o seu resultado.50

Neste sentido, nos dias contemporâneos fortalece-se a consciência de que a lei, por si só, não assegura a igualdade de tratamento. E permitir que um juiz decida unicamente de acordo com sua própria interpretação, ignorando decisões já tomadas por tribunais no passado, pode gerar uma desordem jurídica.51

Neste cenário de uniformidade na interpretação e estabilidade jurídica, o foco exclusivo na lei cede espaço à observação dos precedentes judiciais, de modo que a igualdade, a partir daí, deve ser vislumbrada também diante do produto da interpretação e a segurança jurídica, e de um quadro que englobe tanto a atividade interpretativa como o seu resultado. O precedente, como fruto da reconstrução do sentido da lei, pressupõe unidade na interpretação judicial da legislação e unidade do Direito na Corte Suprema. Como os enunciados legislativos são equívocos, a unidade do Direito poderá ser atingida se o juiz estiver inserido como parte de um todo, em atuação coordenada do Poder Judiciário na busca da igualdade e da promoção da segurança jurídica.52

Em consonância com o exposto, destaca-se que rompidas as amarras ideológicas da tradição do civil law, percebe-se que um modelo adequado de precedentes judiciais normativos é capaz de garantir a racionalidade, a igualdade, a previsibilidade (que se desdobra em confiança legitima e segurança jurídica) e a efetividade do ordenamento jurídico, em complemento às normas jurídicas legisladas.53

A racionalidade é garantida pelo modelo de precedentes porque esse é fundado na regra da universalização, ou seja, as decisões emanadas dos juízes e tribunais devem ser universalizáveis para as situações análogas futuras. Sendo assim, os casos-precedentes não são ou não devem ser formados para a solução apenas do caso concreto, mas de todas as

50 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

51 FREIRE, Alexandre. Precedentes judiciais: conceito, categorias e funcionalidade. In: NUNES, Dierle; JAIME,

Fernando Gonzaga; MENDES, Aluísio (org.). A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no Código

de Processo Civil/2015: estudos em homenagem a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

52 MERRYMAN; PERDOMO, 2007 apud MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. 2. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

53 HART, 1953 apud ZANETI JÚNIOR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes

(23)

hipóteses em análoga situação, conferindo aos precedentes um controle de racionalidade decorrente da regra da universalização.54

De igual forma, a garantia à previsibilidade está relacionada às decisões no âmbito do Poder Judiciário, de modo a permitir e garantir a confiabilidade do cidadão nas suas próprias prerrogativas. Um sistema incapaz de garantir a previsibilidade não permite que o cidadão tome consciência dos seus direitos, impedindo a concretização da cidadania. Tanto as decisões que afirmam prerrogativas independentemente da lei quanto as decisões que interpretam a lei, common law ou civil law, devem gerar previsibilidade, sendo incongruente supor que a decisão judicial que se vale da lei pode variar livremente de sentido sem gerar insegurança.55

Ademais, vale ressaltar que a estabilidade depende da precisão e de uma interpretação uniforme, uma vez que:

Se o precedente se tornar impreciso e aberto a múltiplas interpretações, sua capacidade e seu propósito de promover a estabilidade da disciplina jurídica e garantir a coerência do sistema jurídico e a isonomia dos jurisdicionados acabarão por se deteriorar. Em outras palavras, se o precedente, em vez de encerrar os eventuais debates existentes, der origem a uma nova série de debates acerca de seu sentido e alcance, pouco se terá obtido.56

Neste sentido, argumenta Teresa Arruda Wambier que a dispersão da jurisprudência constitui um paradoxo, pois o sistema do civil law surgiu com o propósito de conter abusos. No entanto, é insuficiente ter apenas uma lei com diversas interpretações, pois acabarão também por gerar uma infinidade de pautas de conduta. Seria o equivalente a várias leis disciplinando a mesma situação.57

Diante do exposto, o ponto de equilíbrio, em relação ao respeito aos precedentes, parece estar distante na realidade brasileira, diante da multiplicação de decisões divergentes proferidas e do caráter persuasivo considerado, no que toca não apenas aos precedentes, mas até mesmo a jurisprudência e os enunciados contidos nas súmulas. Exceção se faz à súmula

54 ZANETI JÚNIOR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos

formalmente vinculantes. 4. ed. Salvador: Juspodim, 2019.

55 MARINONI, Luiz Guilherme. Segurança dos atos jurisdicionais (princípio da –). 2016. Disponível em:

http://www.marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2016/08/Princ%C3%ADpio-da-Seguran%C3%A7a-dos-Atos-Jurisdicionais-MARINONI.pdf. Acesso em: 24 mar. 2020.

56 BARCELLOS, Ana Paula de. Precedentes, uniformidade, coerência e isonomia: algumas reflexões sobre o

dever de motivação. In: MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; MARINONI; Luiz Guilherme; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (org.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 2. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

57 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uniformidade e a estabilidade da jurisprudência e o estado de direito: civil

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vinculante do STF, e aos julgamentos em sede de controle abstrato de constitucionalidade e inconstitucionalidade no âmbito do STF.58

Deve-se, assim, evitar a insegurança jurídica gerada tanto pelas mudanças de entendimento jurisprudencial como pelo desrespeito à interpretação conferida à lei pelos tribunais de instâncias superiores nas instâncias inferiores, a fim de se atingir a previsibilidade. A previsibilidade das decisões é capaz de gerar segurança jurídica e, ao fim, igualdade de tratamento entre casos similares.59

O presente capítulo apresentou os sistemas jurídicos, civil law e common law, as peculiaridades de cada um, o julgamento colegiado e a função das cortes judiciais na formação dos precedentes judiciais. Além disso, demonstrou-se a distinção entre a jurisprudência, os precedentes judiciais e as súmulas e, por fim, foi destacada a relevância da preservação da segurança jurídica e da isonomia material no sistema jurídico.

Este estudo preliminar objetivou a formação de um arcabouço cognitivo, a fim de assinalar ao leitor a temática abordada e contextualizar a discussão sobre os precedentes judiciais. Destacou-se a técnica de distinção para que se compreenda as raízes para a formação dos precedentes judiciais, quem os produz e o que é buscado com a sua aplicação. Desse modo, demonstra-se a importância da abordagem desse capítulo para o desenvolvimento do presente trabalho monográfico.

Descritos os principais tópicos referentes à decisão judicial, adiante, no próximo capítulo, serão contextualizados os precedentes judiciais. Os precedentes serão classificados, de acordo com a eficácia produzida, em vinculativos ou meramente persuasivos ou, ainda, em autorizantes e em rescindentes da decisão judicial. Além dessas temáticas, será abordada a diferença entre a ratio decidendi e o obiter dictum e as suas funções na decisão, assim como a aplicação do precedente paradigma nas decisões judiciais para a resolução da hipótese concreta.

58 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Precedentes e jurisprudência: papel, fatores e perspectivas no direito

brasileiro contemporâneo. In: MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; MARINONI; Luiz Guilherme;

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 2.

E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

59 CAMBI, Eduardo; HELLMANN, Renê Francisco. Jurisprudência: a independência do juiz ante os precedentes

judiciais como obstáculo a igualdade e a segurança jurídica. Revista do Processo, v. 39, n. 231, p. 321-345, maio 2014. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

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3 PRECEDENTES JUDICIAIS

O precedente judicial é a solução jurídica demonstrada pelo julgador, a partir da unidade fático-jurídica do caso-precedente com o caso-atual. No entanto, para a aplicação do precedente à situação concreta, faz-se indispensável a comparação entre as hipóteses e, em caso de inviabilidade, o uso da técnica de distinção,60 objeto deste estudo.

O capítulo a seguir abordará o conceito de precedente judicial, sua classificação quanto à eficácia, a distinção entre ratio decidendi, também conhecida como precedente

stricto sensu, por constituir a porção vinculante da decisão e o obiter dictum, elemento

acessório, útil para o seu entendimento, porém sem influência relevante para a decisão. Posteriormente, será discutida a aplicação e o confronto do precedente ao caso concreto e os procedimentos para a demonstração de semelhanças e diferenças entre o caso precedente e aquele em estudo.

3.1 CONCEITO

expressão “precedente judicia ” conhecida co o u a t pica figura jur dica enrai ada no direito ang o-saxão e, dessa forma, pertencente tradição do common law. Contudo a tradição do civil law ta b pode gerar precedentes, oriundos principa ente das decis es dos ribunais.61

Diante disso, para se entender a complexidade da teoria dos precedentes, imprescindível o entendimento acerca do stare decisis, importante para segurança jurídica buscada na common law.62 O princípio do stare decisis ou “stare decisis et non quieta

movere”, o que significa “estar no que foi decidido” ou “estar fir e ente no que já foi

decidido e não variar o que tenha fir e a”, funda-se na concepção de que as decisões

60 ZANETI JÚNIOR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos

formalmente vinculantes. 4. ed. Salvador: Juspodim, 2019.

61 , io sar a jurisprud ncia vincu ante no e no novo ão au o

Atlas, 2015. E-book. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

62 HENRIQUES FILHO, Ruy Alves. Precedentes judiciais: em busca de uma pitada de estabilidade. In:

MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 2. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

(26)

proferidas pelos tribunais superiores são, em tese, adequadas para os demais tribunais quando estes têm que decidir situações similares.63

O fundamento do stare decisis prevê aos juízes o dever funcional de seguir, nas hipóteses sucessivas, os julgados proferidos em situações idênticas. Não é suficiente que o órgão jurisdicional encarregado de proferir a decisão examine os precedentes como subsídio persuasivo relevante, a considerar no momento de elaborar a decisão. Estes precedentes são vinculantes, mesmo que exista apenas um único pronunciamento pertinente de uma corte de hierarquia superior.64

Observa-se que a visão do precedente como orientador do julgamento de casos futuros, no âmbito do common law, traz reflexões na teoria da decisão judicial do civil law, verificada anteriormente como um pronunciamento judicial capaz de encerrar um conflito entre as partes do processo, mas não como formuladora de um referencial normativo para o sistema jurídico, com capacidade de vinculação vertical e horizontal, a partir de uma tese jurídica (ratio decidendi) extraída do julgado.65

Desta maneira, o magistrado, ao proferir decisão no caso concreto, não está simplesmente resolvendo um litígio com a possibilidade de torná-lo imutável para as partes. Sua decisão produzirá efeitos mais abrangentes com relevância para o jurisdicionado, já que poderá ser utilizada como precedente pelas partes de modo a ser observada pelos demais julgadores. Assim, quanto mais elevada for a posição hierárquica ocupada por um tribunal, em relação à possibilidade de revisão das decisões, maior será a repercussão da decisão.66

Assim, e diante da repercussão que o sistema de precedentes pode gerar no sistema jurídico, constata-se que seu conceito tem sentido amplo. Apresenta um conceito qualitativo, material e funcional. É material, porque depende da análise dos aspectos fático-jurídicos de um caso devidamente particularizado. Qualitativo, porque depende da qualidade das razões utilizadas para a justificação da questão decidida – apenas as razões jurídicas, necessárias e suficientes podem ser qualificadas como precedentes. E é funcional, porque depende da

63 CAMPOS, Fernando Teófilo. Precedentes judiciais: técnicas de dinâmica, teoria e prática. 1. ed. Curitiba:

Appris, 2019. E-book.

64 TUCCI, José Rogério Cruz e. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2018b. v.

7. E-book. Acesso restrito via Minha Biblioteca.

65 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Precedentes e jurisprudência: papel, fatores e perspectivas no direito

brasileiro contemporâneo. In: MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; MARINONI; Luiz Guilherme;

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (org.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 2. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

66 PUGLIESE, William. Precedentes e a civil law brasileira: interpretação e aplicação do novo Código de

(27)

função do órgão jurisdicional no qual são proferidos, Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.67

Desse modo, o precedente em sentido amplo é composto por três elementos essenciais. O primeiro é a circunstância de fato objeto do litígio, a própria demanda judicial. O próximo elemento é o dispositivo legal, tese, princípio que serviu de embasamento para a resolução da controvérsia, presente na ratio decidendi da decisão. O terceiro elemento é a argumentação.68

A ratio decidendi de um precedente é o seu núcleo e pode servir como diretriz para a resolução de demandas semelhantes. O precedente consiste na decisão jurisdicional tomada em relação a uma hipótese concreta, mas nem toda decisão pode ser qualificada como um precedente. Para isso, é oportuno o surgimento de uma norma geral construída por uma corte judicial, a partir de um caso concreto que posteriormente se tornará diretriz para situações análogas.69 Além disso, vale destacar que uma decisão acerca de uma questão de fato não pode constituir precedente, pois a decisão sobre fato é sempre única. A parte da decisão que constitui precedente é tão somente aquela que trata de uma questão de direito.70

Para a constituição de precedente judicial é necessário que:

Além de tratar de questão de direito, a decisão judicial, para ser considerada precedente, necessita enfrentar os argumentos a favor e contra a tese jurídica afirmada de forma exaustiva, sob pena de não prestar-se à orientação de casos posteriores. Em outras palavras, a decisão judicial será um precedente na medida em que possuir aptidão para vincular a autoridade julgadora.71

Ao proferir uma decisão após análise da demanda judicial, o magistrado estabelece duas normas jurídicas: a primeira, de caráter geral, resultante da sua interpretação/compreensão dos fatos envolvidos na causa e da sua conformação ao direito positivo. A segunda, de âmbito individual, constitui a sua decisão para aquela situação específica. A norma geral tem a tese jurídica (ratio) advinda do caso específico e pode ser

67 MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

68 CAMPOS, Fernando Teófilo. Precedentes judiciais: técnicas de dinâmica, teoria e prática. 1. ed. Curitiba:

Appris, 2019. E-book.

69 REDONDO, Bruno Garcia. Precedente judicial no direito processual civil brasileiro. In: MENDES, Aluísio

Gonçalves de Castro; MARINONI; Luiz Guilherme; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (org.). Direito

Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. v. 2. E-book. Acesso restrito via Revista dos

Tribunais.

70 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 71 OLIVEIRA, Pedro Miranda de. O sistema de precedentes no CPC projetado: engessamento do direito?

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aplicada em outras situações concretas que se assemelhem aquela em foi originalmente construída.72

Posto isso, observa-se que o precedente terá ou não o destino de tornar-se regra para uma série de casos semelhantes, de modo que constitui mecanismo de vinculação do juiz. Deve estar consciente de que seu decisum não se limitará aquele caso concreto, mas poderá se atrelar às demandas futuras, pelo que é correto afirmar que o precedente tem bases no passado para se tornar um norte confiável para o futuro.73

Segundo Michele Taruffo, quem define a existência ou não do precedente é o juiz do caso posterior e não o julgador da situação paradigma. É o juiz da demanda subsequente o responsável pela criação do precedente como norma vinculativa. A sua utilização é baseada nos fatos. Na hipótese da análise justificar a aplicação da ratio decidendi na segunda demanda, o precedente é eficaz e pode determinar a decisão do segundo caso.74

Com essas considerações, o tópico a seguir traz a classificação dos precedentes judiciais.

3.2 CLASSIFICAÇÃO

Este tópico abordará a classificação dos precedentes de acordo com a eficácia jurídica produzida. Poderão ser vinculantes ou persuasivos, autorizantes ou com eficácia rescindente.

3.2.1 Obrigatório (binding precedent) ou Persuasivo (persuasive precedent)

O precedente judicial pode assumir o efeito vinculante ou o persuasivo, de acordo com a obrigatoriedade da vinculação dos órgãos jurisdicionais.

O precedente vinculante pode, igualmente, ser chamado de obrigatório ou dotado de

binding authority (autoridade vinculante), quando apresentar eficácia vinculativa em relação

às demandas que, em situações assemelhadas, lhe forem subsequentes. A vinculação do precedente ocorre quando a norma jurídica geral (ratio), utilizada na fundamentação de decisões judiciais de casos anteriores, tem o potencial de vincular decisões posteriores de

72 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13.

ed. Salvador: Juspodivm, 2018. v. 2.

73 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004.

74 TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo, v. 199, p. 139, set., 2011. Acesso

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outro órgão jurisdicionado, obrigando-o a adoção da mesma tese jurídica na sua fundamentação.7576

O precedente obrigatório também pode ser definido como a decisão da qual é extraída uma regra jurídica, a ser necessária e obrigatoriamente seguida nos julgamentos dos casos futuros que envolvam a mesma questão, exceto se a hipótese do precedente e a demanda que está para ser decidida forem diferentes, em pontos significativos de fato ou de direito.77

Enquanto os precedentes obrigatórios apresentam eficácia vinculativa junto aos órgãos judiciais, os persuasivos constituem um argumento da parte que não pode ser ignorado pelo juiz, sendo que para a sua adoção ou rejeição é necessária a devida fundamentação. A desconsideração é tão grave quanto o descaso em relação à prova, sendo apta a gerar a nulidade da decisão. Para que haja a eficácia persuasiva, é necessária uma obrigação do juiz da causa diante da decisão já tomada em precedente, uma vez que a Corte obrigada não pode ignorar o precedente, devendo apresentar convincente fundamentação para não o adotar.78

Sendo assim, um precedente persuasivo, consistente em uma decisão que contém uma similitude relevante com relação ao caso a ser julgado, embora não determine o sentido do julgamento do caso subsequente, pode ser apontado como argumento para a sua fundamentação.79 Existem situações em que o próprio legislador reconhece a autoridade do precedente persuasivo, o que pode gerar a repercussão em processos posteriores. A existência de precedentes em sentido diverso pode ser utilizada como mecanismo de convencimento e persuasão do julgador, para a reforma de sua decisão e a adoção de outro entendimento.80

Tucci assevera que a classificação da decisão como precedente vinculante ou binding

autority, e precedente persuasivo, ou persuasive autority, dependerá do sistema jurídico

75 Enunciado 172 FPPC (art. 927, § 1º): a decisão que aplica precedentes, com a ressalva de entendimento do

julgador, não é contraditória. (VILLAR, 2015)

76 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13.

ed. Salvador: Juspodivm, 2018. v. 2.

77 CIMARDI, Claudia Aparecida. A jurisprudência uniforme e os precedentes no novo Código de Processo

Civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

78 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. 79 BANKOWSKI; MACCORMICK; MARSHALL apud CIMARDI, Claudia Aparecida. A jurisprudência

uniforme e os precedentes no novo Código de Processo Civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

E-book. Acesso restrito via Revista dos Tribunais.

80 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito

processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 13.

Referências

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