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6.1. Introdução aos estudos de tafonomia com vertebrados

A tafonomia é uma ciência interdisciplinar que envolve conhecimentos

paleontológicos, geológicos, biológicos e ecológicos. Atualmente refere-se ao estudo dos processos de preservação e como eles afetam a informação no registro fossilífero, desde a morte do organismo até sua descoberta, como fóssil, muito tempo depois.

A primeira fase de estudos, englobando os eventos pós-morte até o soterramento, é conhecida como Bioestratinomia, e investiga a causa da morte, decomposição, transporte e processos deposicionais. A segunda fase envolve a Diagênese, que inclui os processos físicos (compactação, tectônica e temperatura) e químicos (substituição, permineralização) que atuam sobre os restos dos organismos após o soterramento final.

O corpo vertebrado, o objeto de interesse nesta dissertação, é composto de grande número de partes biomineralizadas (ossos) que se desprendem e desarticulam facilmente, se expostos. Durante o período bioestratinômico e diagenético os restos vertebrados sofrem modificação física, química e biológica criando diversas assinaturas tafonômicas.

Técnicas aplicadas ao estudo das assinaturas tafonômicas em vertebrados aquáticos e terrestres foram desenvolvidas e aplicadas por diversos pesquisadores (VOORHIES, 1969; MARTILL & HARPER, 1990; BEHRENSMEYER 1991; MANCUSO, 2003).

BEHRENSMEYER (1991) estudou a acumulação de vertebrados continentais e sistematizou a coleta e o tratamento de evidências de assinaturas tafonômicas. As sugestões de Behrensmeyer foram adaptadas para a análise das concentrações esqueléticas de

vertebrados encontradas na Transição entre os Grupos Tubarão e Passa Dois (Tab.2).

Tabela 2 - Evidências de assinaturas tafonômicas que podem ser observadas e comparadas nas acumulações de vertebrados (Adaptado de BEHRENSMEYER, 1991).

Variáveis Possíveis manifestações no sítio paleontológico Dados do sítio

Área da acumulação

Densidade espacial dos fósseis Arranjo espacial Em planta Em perfil Agregados 1m²; 100m²; 1000m². 0,1/cm²; 1/cm²; 10/cm²; 100/cm².

Grau de empacotamento (alto, fraco ou disperso). Ao acaso; orientação preferencial. Paralelas ao acamamento; discordantes.

Isolados; agregados. Dados da Assembléia Número de táxons Articulação Seleção 1, 10, 100, 1000

Partes articuladas; desarticuladas, mas associadas; isoladas. Dispersas e não selecionadas; selecionadas.

Modificação dos ossos

Quebra

6.2. Dados do sítio

6.2.1. Área da acumulação e densidade espacial

A área da acumulação é o calculo da área total efetivamente estudada no afloramento, expresso em m2.

A densidade espacial é o número de fósseis em relação à área da acumulação determinada (N/m²). Relacionado a este dado o empacotamento pode ser denso ou fraco dependendo de como os bioclastos se apresentam dentro da matriz, se dispersos ou se estes se tocam. KIDWELL & HOLLAND (1991) apresentam três graus de empacotamento fóssil (Fig. 22), que caracterizam a disposição dos fósseis no sedimento:

Concentrações densamente empacotadas são aquelas suportadas por bioclastos

com muito contato físico. Os fósseis dão suporte na amostra com mínima cimentação nos interstícios. Acumulações deste tipo podem representar mortandade em massa ou baixa taxa de sedimentação, permitindo acumulação de material ósseo.

Concentrações fracamente empacotadas são suportadas pela matriz com pouco ou

nenhum contato entre os bioclastos.

Concentrações dispersas são suportadas pela matriz e os fósseis estão

esparsamente distribuídos, não havendo o contato entre as partes.

6.2.2. Arranjo Espacial

O arranjo espacial expressa a disposição da assembléia fóssil no estrato sedimentar (BEHRENSMEYER, 1991) e abrange: orientação em planta, orientação em perfil (paralela ou discordante em relação ao acamamento) e a natureza da acumulação do material fóssil (em agregados ou isolados).

O estudo da orientação dos bioclastos em planta (ou azimutal) pode fornecer dados da dinâmica deposicional, como o sentido de fluxo e paleocorrentes. Fósseis alongados, como espinhos, ossos longos e dentes de vertebrados, são bons indicadores para este estudo, pois facilmente se orientam concordantes ao fluxo (VOORHIES, 1969). Ondas e fluxo oscilatório podem reorientar diversos fósseis segundo um eixo preferencial, mas com dois sentidos opostos (orientação bimodal).

Existe ainda a distribuição dispersa ou polimodal sem orientação dos bioclastos. Neste caso o fluxo pode ter sido insuficiente para movimentar os bioclastos ou justamente o contrário, muito turbulento.

A orientação dos bioclastos em perfil ou corte pode ser concordante, perpendicular ou oblíqua em relação ao acamamento. Esse dado também fornece informações sobre a

paleocorrente e regime de fluxo.

Agregados fósseis podem resultar da ação de organismos coletores ou carniceiros, em meio terrestre ou lacustre (ARRIBAS & PALMQVIST, 1998; BRAIN,1980), ou de variações na geometria do depósito que favoreceram determinadas áreas de deposição.

6.3. Dados da Assembléia

6.3.1. Número de táxons ou morfotáxons

O número de táxons em uma assembléia caracteriza a biodiversidade fóssil dentro de uma fácies ou unidade sedimentar. Tal número de espécies não tem caráter paleocológico, apenas escritivo.

A composição taxonômica de uma assembléia pode ser monotípica, formada por um único tipo de material ósseo, ou politípica, quando formada por vários tipos de materiais ósseos. A assembléia fóssil também pode ser poliespecífíca, formada por espécies diferentes, ou monoespecífica, quando formada por uma única espécie. Composições monotípicas por serem acumulações de uma única parte óssea são geralmente resultados de mortandade em massa ou da seleção de partes ósseas por processos hidrodinâmicos ou preservação diferenciada durante a diagênese (HOLZ & SIMÕES, 2002). Já composições poliespecíficas e politípicas são resultado do baixo transporte sem seleção de tamanho ou parte óssea.

6.3.2. Articulação de partes esqueléticas

A presença de partes articuladas permite a caracterizar e a interpretar do tempo de exposição e deposição.

Animais encontrados articulados e completos caracterizam eventos de pouca exposição. Partes ósseas desarticuladas são evidências de exposição aos processos hidrodinâmicos e intempéricos antes do seu soterramento final (BADGLEY, 1986a; 1986b; BEHRENSMEYER, 1978; BEHRENSMEYER, 1982, MARTILL & HARPER, 1990,

MANCUSO, 2003).

6.3.3. Seleção

A seleção por tamanho é uma feição sedimentológica muito significativa para entender a formação de assembléias fossilíferas (KIDWELL & HOLLAND, 1991). Acumulações de fósseis de boa seleção representam pequena variação no tamanho da maior parte dos bioclastos. Concentrações pouco ou não selecionadas são aquelas que possuem três ou mais classes granulométricas distintas, enquanto a seleção ótima representa uma composição em que praticamente todos os fósseis possuem o mesmo tamanho. As acumulações bimodais são concentrações com bioclastos bem selecionados em relação à moda primária, porém apresentando uma segunda moda distinta. O aspecto geral seria de dois padrões de tamanho fóssil.

A seleção de restos esqueléticos resulta do transporte hidráulico, atividade biológica e condições ecológicas e ambientais. Processos diagenéticos também podem afetar na

seleção de uma concentração fossilífera com a eliminação de bioclastos quimicamente instáveis, enriquecendo a proporção de restos esqueléticos quimicamente estáveis.

6.4. Modificação Óssea

O corpo vertebrado é composto de grande número de ossos que podem se desprender após a morte do animal, e ser transportados em seguida por água e/ou por necrófagos. Até o seu soterramento final os ossos podem sofrer grandes modificações e alterações.

A análise tafonômica de escamas e dentes baseou-se no tratamento qualitativo de variáveis tafonômicas relacionadas à modificação óssea, tais como: quebras e abrasão (BEHRENSMEYER, 1991; BEHRENSMEYER & KIDWELL, 1985; HOLZ, 1998).

As quebras naturais dos elementos esqueléticos podem auxiliar identificar elementos que sofreram transporte, esmagamento, atividades predatórias ou exposição subaérea (BEHRENSMEYER, 1978; CHAHUD, 2001; MANCUSO, 2003). Os critérios utilizados para a determinação da quebra de fósseis foram: ausência de quebra ou parte óssea completa; parte fóssil com 95% ou mais da composição original, considerou-se quebrado ou alguma quebra; e material com menos de 95% de sua totalidade, fragmentado.

Outro processo de modificação óssea é a abrasão dos fósseis, que envolve o polimento da superfície e o arredondamento, em alguns casos a esfericidade, do material.

BENTON (1997) discriminou cinco estágios de abrasão (Fig. 23) aplicável em dentes de tubarões paleozóicos do tipo cladodonte, orodonte e diplodonte: Estágio 0: dente fóssil sem alteração das cúspides ou da superfície; Estágios 1 e 2: modificação por desgaste e arredondamento crescente, mais facilmente observada nas cúspides; Estágio 3:

desaparecimento das cúspides menores; e Estágio 4: desaparecimento total das cúspides.