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3.1.1 Radiografia Simples e Cineradiografia

A radiografia simples, obtida em incidência lateral na zona do pescoço, foi o primeiro método de imagem a ser utilizado em estudos do tracto vocal e em investigação na área das ciências da fala. As imagens dessas radiografias permitiram obter uma representação completa do tracto vocal, no plano sagital, desde a glote até aos lábios (Chiba & Kajiyama, 1941; Fant, 1960). No princípio, a

informação proveniente dos raios X era estática mas, a partir dos anos cinquenta, com o aparecimento da cineradiografia foi possível obter informação dinâmica relativa ao tracto vocal. Na área da radiologia, a cineradiografia é utilizada essencialmente em estudos angiográficos e de intervenção, nomedamente em cateterização cardíaca, onde é necessária, à semelhança do que acontece durante a produção de fala, uma elevada resolução temporal. Na cineradiografia o monitor de televisão é substituído por uma câmara que grava as imagens em película, sendo depois analisada em instrumentos de visualização adequados. É possível a utilização de películas de 16 e 35 mm, e obter cerca de 60 imagens por segundo. No entanto, quanto maior for o número de imagens por segundo, maior será também a dose de radiação a que o indivíduo é sujeito (Bushong, 2001).

A possibilidade de, com este método de imagem, se observarem os movimentos dos articuladores durante a fala abriu novas perspectivas na investigação dos mecanismos de produção da fala e como tal esta técnica foi amplamente utilizada durante os anos subsequentes, sendo produzidas bases de dados de indivíduos falantes para diversas línguas nomeadamente a língua francesa (Straka, 1965 citado por Arnal et al, 2000 e Rochete, 1973) e para a língua inglesa (Moll, 1960; Stevens & Öhman,1963; Perkell, 1969). Os equipamentos foram modificados e adaptados às necessidades dos estudos de produção de fala, nomeadamente no que diz respeito à insonorização da sala para permitir gravação em simultâneo das produções dos falantes e para posicionamento adequado dos sujeitos. Uma descrição detalhada do equipamento e dos procedimentos seguidos para obtenção da base de dados obtida por Stevens & Öhman em (1963) pode ser encontrada em Perkell (1969), seguida de uma análise minuciosa de algumas produções referentes a palavras sem sentido, construídas com o intuito de avaliar o efeito contextual.

Figura 3. 1 - Exemplo de três frames de um filme cineradiográfico efectuado durante a produção

de fala. Fonte: Munhall, Vatikiotis-Bateson, & Tohkura (1995) - X-Ray Film Database for Speech Research.

Apesar de existirem instrumentos (EPG e Ultrasonografia) que permitem obter uma resolução temporal superior à da cineradiografia, esta permite um excelente compromisso entre resolução temporal e espacial e a observação completa do tracto em toda a sua extensão, o que não é conseguido com nenhuma das outras duas técnicas (Arnal et al, 2000). No entanto, a grande desvantagem deste método é a utilização de radiações ionizantes, razão pela qual nos dias de hoje será pouco recomendável e mesmo pouco ético a sua utilização em estudos de produção de fala, uma vez que os informantes seriam sujeitos a doses de radiação consideráveis. Ainda assim, recentemente foram divulgados estudos (Ericsdotter, 2005) onde para além de imagens RM, foram

utilizadas imagens radiográficas dos falantes intervenientes no estudo, para comparação com as imagens de RM.

Uma vez que a informação proveniente das imagens radiográficas, em particular dos filmes cineradiográficos, é relevante, tem-se verificado uma conjugação de meios, de alguns grupos de investigação, na compilação e digitalização das bases de dados recolhidas no passado, com o intuito de as disponibilizar à comunidade científica. Munhall, Vatikiotis-Bateson & Tohkura, (1995) juntaram em videodisk cerca de 25 filmes que totalizam cerca de 55 minutos de produção, adquiridos por Rochete em 1973, no Canadá (Québec). Estes filmes são conhecidos como Université Laval Films ou simplesmente Cine-Laval. O restante material está identificado como M.I.T. film e corresponde à base de dados obtida por Stevens & Öhman em (1963) e analisada por Perkell (1969). Também o Instituto de Fonética de Estrasburgo, em conjunto com o Institute de la Communication Parlée (Grenoble) está a reunir informação referente a cerca de 40 filmes cineradiográficos relativos a estudos de produção de várias línguas, em conjunto com traçados sagitais do tracto vocal efectudos manualmente por conceituados foneticistas. A disponibilização desta informação, em formato digital, tem permitido desenvolver métodos de segmentação automáticos, para obtenção mais facilitada da informação, tal como efectuado por Thimm & Luettin (1999).

Figura 3. 2 - Utilização de bases de dados cineradiográficas para extracção de parâmetros articulatórios. Fonte http://www.idiap.ch/pages/contenuTxt/Demos/demo6/xray.html

3.1.2 Tomografia Computorizada

A tomografia axial computorizada (TAC) ou simplesmente (TC) é uma técnica de imagem que recorre também à utilização de radiação X, mas utilizando um processo de aquisição diferente das técnicas projectivas. Esta técnica de imagem foi viabilizada por Hounsfield e Cormack em 1972 (Lima, 1995). O processo de aquisição consiste na obtenção de informação relativa a uma grandeza física, mediante a passagem de um feixe extremamente colimado, no plano axial através do corpo ou objecto a estudar. A finalidade da TC é obter os coeficientes de atenuação linear (

µ

),

em cada secção, a partir de um conjunto de projecções obtidas para diferentes ângulos em torno do paciente (Lima, 1995). Dos primeiros equipamentos de TC (sistemas de translação-rotação) em que o tempo de aquisição era da ordem dos minutos, até aos recentes equipamentos de TC multicorte (rotação contínua da ampola, com avanço contínuo da mesa) que permitem a aquisição de múltiplos cortes (até 64 cortes/s), com tempos de rotação da ordem dos 0,4s, distam 7 gerações de equipamentos e uma evolução tecnológica que permite, nos dias de hoje, utilização de matrizes superiores a 512x512 elementos, com voxel isotrópico, permitindo reformatações perfeitas em qualquer plano (Teixeira, 2003).

Não fosse a utilização de radiação ionizante, que representa claramente uma grande desvantagem, seria um método com muito potencial na obtenção de informação relativa ao tracto vocal. Quando comparada com a RM, permite obter uma resolução espacial superior, a nível de estruturas calcificadas como os dentes e palato duro. O facto de, o processo de aquisição, não ser ruidoso, ao contrário do que se passa na RM, permitiria a gravação simultânea do sinal áudio sem necessidade de recorrer a tecnologia específica e dispendiosa, como os microfones ópticos. O contraste ar/tecido é elevado, permitindo uma boa visualização dos articuladores, apesar da resolução de contraste, a nível dos tecidos moles, ser inferior à RM. Nos dias de hoje, com os mais recentes avanços tecnológicos é também possível a obtenção de imagens em tempo real (Fluoro TC) a uma razão de 5 frames/s, ou seja, equivalente ao conseguido com RM. Permite a obtenção de cortes ou volumes no plano axial, de forma directa, e também reconstruções perfeitas nos outros planos de forma relativamente rápida. O facto de, não permitir a obtenção de cortes sagitais directos, é uma limitação em relação à RM. Contudo, mais uma vez, reforçamos a ideia de que, ainda que com doses muito baixas, não será recomendável a sua utilização no âmbito da investigação em Ciências da Fala, uma vez que, o risco inerente à exposição às radiações ionizantes, não trará qualquer benefício ao individuo exposto.

Em termos de estudos de produção de fala a TC, foi utilizada pela primeira vez por Kiritani (1978) e Johansson & Sunberg (1983), não muito depois do início da sua aplicação na área da clínica, com o objectivo de obter as áreas transversas (3 a 4 cortes axiais) do tracto vocal na zona da faringe, durante a produção de algumas vogais da língua Sueca. Não tem sido tão amplamente utilizada como a RM, devido à exposição dos falantes às radiações ionizantes, mas alguns grupos de investigação têm recorrido à TC, a maior parte das vezes, para complemento das imagens obtidas por RM (Serrurier & Badin, 2005a). A Tomografia Computorizada por Feixe de Electrões (EBCT), que antes da divulgação das últimas gerações de TC multi-corte permitiam a obtenção de tempos de aquisição muito mais baixos e com menor dose no paciente, foi também já utilizada no âmbito destes estudos. Um dos estudos mais importantes recorrendo a EBCT, foi efectuado por Tom e al (1999). Story (1995) e Story, Titze & Hoffman (1996) referem a utilização de EBCT para adquirir as arcadas dentárias do falante envolvido no estudo.

3.1.3 Ultrasonografia

Os ultrasons foram utilizados pela primeira vez na área da medicina com finalidade terapêutica (produção de calor durante reabilitação - em 1920 - cf. Stone, 2005). Em termos de diagnóstico médico, foi pela primeira vez utilizada nos finais dos anos 30, por um neurologista, Theodore Dussik. Contudo, a ultrasonografia ou ecografia só se tornou popular a partir dos anos 60 com o desenvolvimento de equipamentos adequados. É uma técnica de imagem considerada inócua (se respeitados os limites de segurança estabelecidos), não invasiva, fácil de executar, bem aceite e com custos relativamente baixos o que conduziu a uma ampla utilização nas mais diversas áreas: abdominal (avaliação de órgãoes sólidos), ginecológica, obstétrica, senológica, cardíaca, vascular (eco-doppler), oftalmológica, entre outras. A principal desvantagem é a sua incapacidade em descriminar as estruturas ósseas e os artefactos derivados da interposição de estruturas com gás (Martins, 2003).

Na área das ciências da fala, a ultrasonografia tem sido utilizada nas últimas décadas, em particular, no estudo dos movimentos da língua, com sucesso considerável (Stone, 1999). A US permite velocidades de amostragem elevadas (30 a 60 Hz) para obtenção de informação 2D em tempo real ou, em alternativa, obter informação 3D estática. Por exemplo, Stone & Lundberg, (1996), utilizaram US para efectuar reconstrução 3D da superfície da língua, a partir de 6 cortes coronais.

A US permite velocidades de amostragem elevadas mas ainda insuficientes, por exemplo para estudar movimentos da ponta da língua em sons como oclusivas, flaps e cliques. Outras limitações da US neste contexto, são: a não visualização do palato mole e o facto de não permitir a observação do tracto vocal em toda a sua extensão.

Tem sido necessário, no entanto, adaptar esta técnica aos requisitos dos estudos nesta área. Assim, para obter imagens da língua, a sonda é colocada sob o queixo do informante sendo necessária uma correcta estabilização da sonda e da cabeça do informante, em relação ao feixe de US. Foram desenvolvidos e validados alguns métodos para estabilização, uns rígidos outros flexíveis. Em Stone (2005) pode ser encontrada uma revisão exaustiva destes métodos e os métodos de validação utilizados. No âmbito deste trabalho, e segundo a autora referenciada, referimos apenas um dos sistemas, que é um sistema de imobilização rígido - sistema HALTS (Head and Transducer Support System). Este sistema imobiliza completamente a cabeça e a sonda, sob o queixo, de tal forma que os movimentos obtidos para a língua representam o movimento combinado do sistema língua-mandíbula.

Figura 3. 3 - Dorso da língua obtido através de ultrasonografia (9 cortes), em cima e colocação da